Em Madri, Itamar Vieira Júnior divulga versão do livro 'Torto Arado' em espanhol
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Itamar Vieira Junior, autor do consagrado romance 'Torto Arado', está em Madri para participar de uma série de eventos sobre a sobre "realidade rural brasileira" relacionados à obra, intitulada 'Arado Torcido' na Espanha.
O ciclo “Torto Arado: aspectos da realidade rural brasileira” inclui debates com o público e apresentações da peça “Depois do Silêncio”, de Christiane Jatahy, baseada no texto de Itamar Vieira Junior. As atividades com a presença do autor começaram na última quarta-feira (13) e vão até esta sexta-feira (15), enquanto o espetáculo teatral segue em cartaz até domingo (17) na capital espanhola.
“Torto Arado é uma história que narra o Brasil rural”, disse Itamar Vieira Junior em entrevista à RFI. O livro, lançado em 2019, que foi vencedor dos prêmios LeYa, Jabuti e Oceanos, segue rasgando o véu do tempo para encontrar leitores por todo o mundo. Madri é a prova disso, a capital tem sido palco de verdadeiras concentrações de fãs da obra do escritor.
Na última quarta-feira, durante o evento de abertura do ciclo “Arado retorcido: aspectos da realidade rural brasileira”, ocasião de debate sobre a obra – lançada como “Arado Torcido” na Espanha pela editora Pepitas de Calabaza –, brasileiros e espanhóis presentes na Casa de América disputaram a oportunidade de fazer perguntas a Itamar Vieira Junior.
Em uma das intervenções, uma leitora contou reconhecer referências do livro na sua própria infância e aproveitou para perguntar como um estrangeiro, com vivências que podem diferir tanto das de um brasileiro, pode captar todas as nuances que traz o livro.
A resposta do autor na ocasião foi semelhante à dada por ele à RFI sobre a recepção que a obra encontra fora do país de origem. “Essa história, apesar de ser tão brasileira e de espelhar a nossa realidade, a nossa história... Ainda assim, há nestas personagens algo que é humano e, por isso, talvez seja universal. Todos nós, independente da cultura, do lugar onde a gente viva, sabemos o que é o sofrimento, sabemos o que é alegria. Há sentimentos naquelas personagens que de alguma maneira encontram esses leitores de fora do Brasil e, mesmo que eles não conheçam a realidade brasileira, vão estar refletindo sobre a condição humana”, elucida.
Uma obra fruto de muitas outras
A origem do livro que conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, de acordo com Itamar Vieira Junior, se dá, em grande parte, a partir da experiência do autor com a literatura brasileira da primeira metade do século 20. “[Era] uma literatura que narrava as mazelas do Brasil e nossas desigualdades também. Mas acho que nunca com esse olhar, com esse viés de raça e classe como a gente tem experimentado agora”, opina.
Ao contar a história de uma família de pessoas negras que vivem no Brasil pós-abolição, trabalhando numa fazenda sem nenhuma remuneração em troca de um lugar para viver, o texto escancara a problemática de uma escravidão que, nas palavras do autor, “não foi, de fato, abolida em todos os sentidos, porque deixou as pessoas que viviam escravizadas abandonadas à própria sorte”.
Salvar o Fogo e aspirações literárias
Itamar Vieira Junior, que, além de escritor, é geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia, também destacou o seu mais recente livro, “Salvar o Fogo”, lançado simultaneamente no Brasil e em Portugal.
“Foi uma história que nasceu enquanto eu escrevia 'Torto Arado'. Se passa numa localidade mais próxima à capital, às margens do Rio Paraguaçu e essa comunidade vive em volta de um mosteiro católico construído no século 17, mas a história se passa nos nossos dias”, conta.
O autor explica que os personagens Moisés e Luzia, a partir dos seus olhares, vão narrando a vida no lugar em que estão inseridos e dizendo o que acontece ali.
“É uma comunidade de herança afro-indígena. Luzia é uma mulher que é hostilizada pela própria comunidade e tida como bruxa por ter alguns dons, poderes que consideram sobrenaturais. E é a partir dessa trama que a gente vai, mais uma vez, conhecer estas personagens e cada uma delas carrega em sua trajetória, em seus corpos, um pouco da história do Brasil”, decifra.
Em Madri, para participar de atividades relacionadas a 'Torto Arado', e, ao mesmo tempo, divulgando no Brasil a publicação mais recente 'Salvar o Fogo', o escritor revela já ter planos para os próximos títulos.
“Há histórias aqui para serem contadas. Este ciclo, que começou com 'Torto Arado', continua com 'Salvar o Fogo'. Eu ainda tenho um próximo romance para apresentar falando justamente dos desterrados, daqueles que foram absolutamente retirados da terra e foram habitar as periferias da cidade. E, além disso, muitas outras histórias pulsando aqui”, relata.
“Agora eu preciso é de tempo e de energia para poder colocar os planos em prática”, confessa Itamar.
Ciclo Arado Torcido
Na capital espanhola, o autor tem compromissos até esta sexta-feira, quando participará de um encontro sobre gênero e raça no contexto rural brasileiro, na Universidad Complutense de Madrid, e de uma conversa aberta ao público com a escritora e diretora brasileira, Christiane Jatahy, autora e diretora de 'Depois do Silêncio'.
O espetáculo fica em cartaz no Teatro Valle-Inclán até o próximo domingo, data em que se encerram as atividades relacionadas ao livro de Itamar Vieira Junior. O evento na capital espanhola é uma iniciativa impulsionada pelas seguintes instituições: Centro Dramático Nacional, Embaixada do Brasil na Espanha, Instituto Guimarães Rosa, editora Pepitas de Calabaza, Casa de América e Universidad Complutense de Madrid.
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