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Literatura contemporânea feita por mulheres se internacionaliza mais rapidamente, diz professora no dia Mundial da Língua Portuguesa

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Quinto idioma mais falado depois do inglês, do mandarim, do hindi e do espanhol, o português é a língua usada por cerca de 280 milhões de pessoas em todo o mundo. Nesta sexta-feira (5), quando é celebrado o Dia Mundial da Língua Portuguesa, a RFI conversou com a professora Ana Crelia Dias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro para analisar a visibilidade da literatura brasileira no exterior e as dificuldades de integração entre o Brasil e seus vizinhos latino-americanos.

Ana Crelia Dias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ana Crelia Dias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. © arquivo pessoal
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“O Brasil é o único país da América Latina que tem a língua portuguesa. Então, nesse sentido, na relação com os vizinhos e com aqueles que são os pares próximos, no sentido sócio econômico, o Brasil tem uma dificuldade linguística”, explica a pesquisadora. “Por exemplo, quando há uma reunião entre os países da América Latina, todos eles falam espanhol, menos o Brasil. Então, o Brasil está um tanto quanto isolado em relação aos seus vizinhos e irmãos”, cita.  “Por outro lado, sendo língua irmã, é muito próximo ao espanhol. Acaba que a gente consegue uma comunicação efetiva sem necessariamente ter o domínio linguístico total do espanhol ou os países da América Latina terem o domínio do português”, observa.

Em relação ao restante do mundo, Ana Crelia Dias acredita que o interesse pelo português acontece por causa de uma visão promissora do país na economia, além de políticas públicas. “Alguns países se interessam muito em estudar português porque existe uma promessa de um país bem sucedido economicamente. Agora, de uns anos para cá, o que a gente pode observar é um intercâmbio cultural muito grande, depois de políticas públicas brasileiras de internacionalização, de busca de diálogo com outros países. Então, a língua portuguesa começou a aparecer mais em outros países”, afirma.

A terceira língua mais falada no hemisfério ocidental, o português é dominante no hemisfério sul do planeta. A expansão de Portugal levou a língua portuguesa para as terras conquistadas. Na era das descobertas marítimas, ao Brasil, à África e para outras partes do mundo, influenciando também outras línguas.

Além de Brasil e Portugal, os dois únicos países cuja língua primária é o português, o idioma é oficialmente falado em antigas colônias, como Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Também há falantes de português em Macau (China), Timor-Leste, Goa (estado no sudeste da Índia), Malaca (Malásia) e na ilha das Flores (Indonésia).

Literatura brasileira

Contudo, a literatura brasileira ou lusófona não é tão conhecida mundialmente e uma das razões apontadas é que o português é uma língua marginal, que não abre espaço para os seus escritores no mercado internacional.

“Em relação à literatura, a gente tem uma circulação literária ainda um pouco a desejar. Na literatura nacional, não dirigida às crianças e aos jovens, a gente tem uma circulação que passa pelo crivo acadêmico, do que deve e do que não deve circular fora do Brasil”, explica Dias. “E aí, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, mesmo esses autores enfrentam algumas dificuldades que estão no âmbito da circulação e do trânsito editorial, do interesse editorial de publicar essas obras”, completa.

“Já circulação literária de textos produzidos para crianças e jovens passa por outros crivos, você tem outros caminhos de legitimação”, explica a autora do livro Além das fronteiras: literatura, ensino e interdisciplinaridade. “Mas é porque existe um outro mecanismo de legitimação de diálogo direto entre os países, que não é como a literatura considerada canônica para adultos, que depende de um ponto de vista da Academia Brasileira de Letras (ABL), do que as universidades consideram que deve ou não circular”, resume.

A situação é diferente também para a literatura brasileira contemporânea escrita por mulheres. “A gente tem autoras como Patrícia Melo e Angélica Freitas que chegam a outros países. Temos a Andréa del Fuego,  são autoras mais recentes em comparação com a Clarice Lispector, por exemplo. E essa literatura tem furado um bloqueio, tem se internacionalizado um pouco mais rápido, de certa forma, do que a literatura canônica”, diz.

Novos leitores

 A explicação para isso, ela acredita, é um movimento de formação de novos leitores para uma literatura que vai além dos cânones literários. “Não se trata de negar os cânones ou de renunciá-los. Não é nada disso, mas de fazer uma ampliação do repertório do leitor e trazer para a circulação autores que possam dialogar com esses leitores e que ainda estão vivos”, destaca. “E fazer uma certa reparação histórica daqueles que foram excluídos. Pessoas pretas, indígenas, mulheres”, completa ao citar grupos que ficaram socialmente e historicamente marginalizados. “Então, essa discussão chega ao mercado editorial, chega aos grupos de leitura que se tornaram muito autônomos com o advento da internet. E acaba que isso movimenta o mercado e promove a difusão desses novos grupos, desses novos autores”, ela explica. “Mas nós não precisamos negar Camões para reconhecer Carolina Maria de Jesus”.

No caso do português do Brasil, a imigração e o dinamismo da sociedade tiveram um papel importante, resultando numa riqueza de vocabulário. “O brasileiro traz para o seu cotidiano as experiências  que ele vive e o advento da internet acaba fazendo com que essa língua portuguesa seja tão dinâmica quanto obsoleta ao mesmo tempo, porque uma palavra nova incorporada em determinado meme, em determinada situação de moda de internet, entra tão rapidamente no vocabulário quando ela sai, especialmente entre os mais jovens”, observa.

Quando perguntada se o português é uma língua difícil, Ana Crelia Dias afirma que o mais complexo é o entendimento das variantes. “São muitas línguas portuguesas e isso talvez seja o mais difícil para os estrangeiros, porque quando as pessoas costumavam ensinar português, elas costumavam ensinar o português da norma padrão. E aí, a pessoa chega, no Brasil para se comunicar e aquilo não tem nada a ver”, cita. “De uns tempos pra cá, os estudos de português para estrangeiros têm levado muito em consideração a comunicação, né? E um fenômeno que acontece com todas as línguas, de maneira geral”, conclui.

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