Livro de Leonardo Tonus inspirado nos movimentos migratórios 'situa leitor no desconforto'
Publicado em:
Ouvir - 08:50
Um mergulho, uma travessia, um estar à deriva. A mais recente antologia poética de Leonardo Tonus, “Diários em mar aberto”, propõe um deslocamento por oceanos geográficos e metafóricos, em que a crise migratória (des)orienta o leitor pelo caminho do desconforto das tensões sociais e dos exílios íntimos.
Andréia Gomes Durão, da RFI
Esse “diário de bordo”, no entanto, começa a ser escrito curiosamente em uma época em que as pessoas precisavam se deslocar menos, confinadas em suas casas sob a ameaça de um vírus. “O texto nasce em um momento muito específico, muito traumático para todos nós, que é o momento da pandemia. Não é um texto sobre pandemia, mas o livro nasce em um momento de reflexão sobre esse estar no mundo. Nós estávamos completamente deslocados no nosso espaço doméstico”, lembra o autor.
A reclusão foi a oportunidade para navegar em histórias pessoais sobre este tema de grande interesse do escritor: o processo migratório. “Eu lembrei que meu pai tinha me ofertado, em 2019, uma caixa com vestígios da história familiar. E essa caixa ficou durante muito tempo em cima da minha mesa, sem que eu tivesse coragem de abri-la. Nesse momento da pandemia, comecei a redigir um diário. E decidi abrir essa caixa e descobrir então esses vestígios, que vieram nutrir minha reflexão sobre essa situação de exílio”, ele conta.
Tendo essa experiência pessoal como ponto de partida – e sem porto de chegada, Tonus conduz o leitor ao não-lugar, ao lugar do outro, ao desconforto de um destino desconhecido. O próprio projeto gráfico da versão em alemão de “Diários de mar aberto”, que acaba de chegar às livrarias, subverte as referências de “latitude e longitude” em sua diagramação, e propõe uma experiência de ausência de orientação.
“O projeto gráfico proporciona essa experiência de se estar no mar. O mar se torna cada vez mais revolto pelo próprio processo de leitura. Há momentos em que o leitor é obrigado a virar [o livro] de uma outra maneira, criando esse mal-estar. A ideia é situar o leitor dentro deste espaço, não mais de sonhos, de esperanças, que sempre foi o mar, mas esse mar tenebroso”, descreve.
Cemitério a céu aberto
“O Mediterrâneo se tornou o maior cemitério a céu aberto nesses últimos tempos”, enfatiza Leonardo Tonus, que faz de seu livro uma ferramenta para sensibilizar o público sobre um dos problemas sociais mais graves da atualidade.
“Minha única solução seria criar esse desconforto, para mim mesmo e para o meu leitor, para que ele chegue próximo dessa situação e, a partir daí, possa talvez entender, compreender e acolher esse outro que vive há anos em situação de sofrimento”, explica o autor.
Leonardo Tonus é professor de literatura brasileira contemporânea na Sorbonne. Ele foi condecorado Chevalier das Palmas Acadêmicas pelo Ministério francês de Educação em 2014, e Chevalier das Artes e das Letras pelo Ministério da Cultura da França em 2015.
É o idealizador e organizador da “Primavera Literária Brasileira”, em Paris, e do Projeto Migra, que promove um debate com participantes de diversos países sobre a questão migratória na contemporaneidade.
Além de "Diários em mar aberto", publicado em 2021 pelas Edições Folhas de Relva, ele também é autor das antologias poéticas "Agora Vai Ser Assim" (2018) e "Inquietações em tempos de insônia" (2019), ambas lançadas pela Editora Nós.
Clique na foto principal para assistir o vídeo com a íntegra da entrevista.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro