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Paris: GT de deputados brasileiros troca ideias na OCDE sobre reforma tributária

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Um novo tributo sobre valor agregado inspirado na TVA francesa, o futuro IBS, imposto sobre bens e serviços, com o objetivo de melhor quantificar e dar visibilidade aos impostos pagos pelo consumidor final, além da construção de um novo arcabouço fiscal para o Brasil, num mundo onde 1/4 da economia virá do digital. Esses foram alguns destaques da pauta coordenada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que lidera o grupo de 12 representantes brasileiros na rodada de conversas na OCDE, em Paris.

Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), líder do grupo de trabalho da reforma fiscal, em visita à OCDE, em Paris.
Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), líder do grupo de trabalho da reforma fiscal, em visita à OCDE, em Paris. © Divulgação/ Assessoria de Imprensa
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O grupo de trabalho (GT) suprapartidário de parlamentares brasileiros realiza na sede parisiense da Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), nesta terça-feira (2) e até o dia 4 de maio, uma série de conversas visando trocar experiências sobre os paradigmas fiscais de alguns dos 38 paises que integram o orgão.

No dia 5, o grupo é recebido em sessão especial na Assembleia Nacional, o Congresso francês, para um encontro com o presidente da Comissão de Finanças do parlamento, Éric Coquerel, seguido de almoço e reunião com a senadora francesa Laurence Cohen, presidente do Grupo de Amizade Brasil-França.

Para o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que coordena a iniciativa, a reforma tributária no Brasil é mais do que necessaria. "O Brasil tem hoje um sistema tributário cumulativo, ou seja, cobra imposto sobre imposto, um sistema que tirou da economia brasileira a sua competitividade, em especial do ponto de vista internacional, O Brasil é um país exportador, mas ainda primário. Isso tem muito a ver com seu sistema fiscal", declarou, em entrevista à RFI.

"Temos um sistema tributário cumulativo no nosso sistema federativo. Ele tem três instâncias, a União, estados e municípios, e temos o tributo sobre consumo nas três. Ou seja, além da cumulatividade, têm-se uma cumulatividade cruzada. Nós cobramos em todas as etapas e não creditamos esse tributo, cobrado numa etapa anterior, na etapa final, seja do bem, seja do serviço", detalha Lopes. 

“É um sistema de exceção, o Brasil tem 460 mil normas no sistema tributário. Isso levou o país a ter na Justiça um contencioso equivalente a um PIB. Ou seja, os países que tem uma TVA, como na França, ou IVA, o imposto de valor agregado, geralmente têm na Justiça 1% de contencioso. O Brasil tem R$ 9 trilhões, para se ter uma ideia”, explicou.

"Pagador de imposto"

“Como nós estamos falando do imposto sobre o consumo, tem um princípio simples, que é o do consumidor, ou seja, geralmente um cidadão de menor poder econômico, porque o cidadão que ganha até dois salários mínimos no Brasil - quase 70% da população -, é o que gasta 100% da sua renda no consumo. Então ele é, por definição, um pagador de imposto”, continua o parlamentar.

"É bom lembrar que o Brasil, comparado com a OCDE, cobra quase o dobro sobre o consumo, mas em comparação com alguns destes mesmos países, cobramos praticamente a metade sobre renda e patrimônio, então nosso sistema é muito regressivo. Ele cobra exageradamente no consumo, e pouco na renda, no patrimônio", aponta. 

Uma reforma em dois tempos

Segundo Reginaldo Lopes, o governo brasileiro pretende dividir a reforma em duas etapas. “Na primeira etapa, nós vamos unificar os três impostos federais, o imposto estadual e o imposto municipal, num único imposto, que é o imposto de valor agregado. Na segunda etapa nós vamos mexer e alterar os impostos sobre renda e patrimônio”, antecipa.

“Nós não cobramos no Brasil, por exemplo, imposto sobre lucros e dividendos, um modelo adotado só pelo Brasil e a Eslovênia. Já o trabalhador mais pobre, por exemplo, paga participação no lucro das empresas, ou seja, nós vamos buscar fazer uma reforma na renda, no patrimônio. Cobramos muito pouco na transferência de herança. Não cobramos sobre estoque da renda, sobre grandes fortunas”, afirmou o parlamentar.

"Cashback do povo"

O coordenador do grupo em visita à OCDE afirmou que o governo brasileiro estuda devolver para os mais pobres o imposto pago através de mecanismos diretos como o “cashback”. “Será destinado a um cidadão com uma renda menor. Ainda não definimos os elegíveis, vamos dizer assim, nós vamos fazer isso por lei complementar. A ideia é que possamos devolver através do cashback - o cidadão paga o imposto e recebe de volta no cartão”, detalhou Lopes.

“Ele é um instrumento moderno porque dá progressividade. Você pode ter uma alíquota padrão, uma alíquota de referência para toda a população. E ao invés de fazer uma alíquota diferenciada para segmentos da sociedade de menor poder econômico, você utiliza o instrumento de devolução do imposto pago. Estamos chamando de cashback do povo, esse cashback do imposto”, disse.

Cidadania fiscal

"A outra vantagem eu diria que é no campo da da cidadania, da cidadania fiscal, da cidadania financeira e da cidadania plena", resslatou Lopes. "Ou seja, eu, se eu perguntar a qualquer brasileiro quanto que ele pagou de fato quando ele consumiu aquela mercadoria ou aquele serviço, ninguém sabe explicar", disse. "É preciso saber quanto está embutido ali de imposto naquela mercadoria, então esse novo modelo vai dar transparência, vamos saber quanto de fato o cidadão está pagando ali de imposto embutido", explicitou.

Segundo ele, "essa transparência favorece a cidadania plena". "Quando o cidadão exerce essa cidadania, ele luta para mudar o sistema tributário. A partir dessa transparência, é possível mobilizar a sociedade para deslocar esse imposto sobre o consumo", lembrou. "Sem falar que o cidadão também vai ter certeza também de quanto que ele está pagando de fato, e para onde esse imposto está indo", defendeu.

Economia digital

Num mundo onde especialistas preveem que 1/4 da economia virá do ambiente digital, essa também foi uma das preocupações da comitiva brasileira na OCDE, que solicitou ter contato com experiências internacionais nesse sentido. 

Será que o Brasil estaria preparado para este desafio? “Não, definitivamente não está, daí a nossa preocupação nesse sentido”, diz o deputado. “Nós temos um modelo que cobra na origem, não cobra no destino. Então, nós não estamos preparados. Nós temos um sistema tributário complexo e poluído, que precisamos modernizar”, reforçou.

“Dentro desse novo cenário, do ponto de vista da economia e do comércio eletrônico da economia digital, não dá mais para separar o que é a mercadoria que que é serviço? Na verdade, tudo virou plataforma, praticamente, tudo é serviço. Então, é impossível você ter um sistema que separe a tributação da mercadoria e com a tributação dos serviços. Por isso pensamos em um sistema tributário de incidência ampla”, detalhou o parlamentar que coordena o grupo na OCDE.

“O sistema de incidência ampla é aquele velho ditado, quando todos pagam, todos podem pagar menos. Nós acreditamos que é possível, ao combater a sonegação, uma guerra fiscal e o contencioso, é possível fazer uma redução da carga tributária brasileira global”, disse.

Próximas etapas

Após essa visita à OCDE, o grupo de trabalho da reforma tributária no Brasil ainda tem uma semana de audiências públicas temáticas. “No final do mês de maio, o GT deve entregar o relatório final, e no início de junho esse projeto deve entrar no plenário da Câmara dos Deputados”, diz Lopes.

“Tudo indica que antes do recesso parlamentar, ou seja, até o dia 17 de julho, esse texto deve ter sido votado no primeiro e no segundo turno na Câmara dos Deputados, e no segundo semestre, até outubro, trabalhamos com a reforma da primeira etapa – sobre o consumo -, no Senado. Em 2024, prevemos entrar com as leis complementares, porque a reforma tem um comando constitucional amplo, ela cria o imposto de valor agregado e o imposto seletivo. O início da implementação do IBS é previsto para 2025”, concluiu o deputado.

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