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Participação humana no aquecimento global "é inequívoca", diz cientista do IPCC sobre novo relatório

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O grupo de especialistas da ONU sobre as mudanças climáticas publica, nesta segunda-feira (20) um relatório de síntese do sexto ciclo de avaliações sobre a evolução do clima que começou em 2015. De acordo com Letícia Cotrim Cunha, professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e especialista do grupo, de acordo com o documento, a participação humana no aquecimento global "é inequívoca", mas ela afirma que ainda há tempo para detê-lo. 

Mulheres carregam seus pertences salvos de inundações causadas por chuvas no distrito de Qambar Shahdadkot, na província de Sindh, no Paquistão, em 6 de setembro de 2022. Muitos cientistas responsabilizam as mudanças climáticas pelas inundações no país.
Mulheres carregam seus pertences salvos de inundações causadas por chuvas no distrito de Qambar Shahdadkot, na província de Sindh, no Paquistão, em 6 de setembro de 2022. Muitos cientistas responsabilizam as mudanças climáticas pelas inundações no país. AP - Fareed Khan
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O relatório era bastante esperado — o último foi publicado em 2014 — e resume os documentos produzidos pelos três grupos de trabalho do IPCC e três documentos especiais, publicados entre 2021 e 2022 (sobre o impacto de um aquecimento mundial de 1,5ºC, sobre oceanos, geleiras e solos do planeta).

Os especialistas do grupo resumiram mais de 10.000 páginas em apenas uma centena. Um trabalho extremamente complexo, como lembra Letícia Cotrim, porque não se trata somente de um resumo, mas estabelecer a relação entre todas as informações dos três grupos. "É um documento valioso para a tomada de decisão", explica. 

Ela lembra que o IPCC é um grupo de cientistas e não pode impor nada aos governos, mas os resultados vão, por si, fazer pressão, afirma a pesquisadora. "Os números estão aí, gritando. A diferença dos resultados desse relatório em relação aos outros, ainda que sempre se tinha certeza, dessa vez, com a quantidade de observações que a gente já tem, os resultados dos modelos e das previsões de modelos numéricos estão cada vez melhores, a mensagem é essa: o aquecimento do planeta já está em 1,1ºC acima da média lá no começo do ano. É inequívoco que é a mão do homem", destaca. 

"Então isso é a novidade", diz. "Foi a primeira vez que a palavra 'inequívoco' foi usada. Então eu acho que é um sinal muito forte para os governos".

A pesquisadora e professora da Universidade do Estado do Rio e especialista do IPCC, Letícia Cotrim Cunha, trabalhando no navio de pesquisa Prof. Luiz Carlos (UERJ), em 2022.
A pesquisadora e professora da Universidade do Estado do Rio e especialista do IPCC, Letícia Cotrim Cunha, trabalhando no navio de pesquisa Prof. Luiz Carlos (UERJ), em 2022. © Arquivo pessoal

Grupos de trabalho e resultados

O IPCC conta com três grupos de trabalho, o primeiro se interessa pelas informações científicas sobre a evolução do clima, o segundo pelas consequências dessas mudanças climáticas para os humanos e os ecossistemas e à adaptação, e o terceiro pelas soluções de redução dos gases do efeito estufa. 

Letícia Cotrim faz parte do primeiro grupo sobre as evidências científicas existentes sobre as mudanças climáticas. De acordo com ela, não deve haver muitas mudanças entre o que foi publicado nos relatórios do IPCC de cada grupo e a síntese.

Ela lembra que todo processo de produção dos relatórios é feita de maneira transparente, durante todo o processo de redação. "A gente tem uma primeira versão que é revisada pelos nossos pares e por outros cientistas", diz. "Todos os comentários sobre o texto têm que ser respondidos pelos autores. E para dar uma ideia, no capítulo cinco do relatório do grupo que faço parte respondeu mais ou menos umas 3000 perguntas e comentários", explica. 

Após a primeira e a segunda rodadas de comentários e questões entre cientistas , a terceira é feita com representantes dos 195 países que assinaram a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. "Todos esses comentários ficam abertos para quem quiser consultá-los na página de IPCC", explica. Os relatórios são levados para as COPs e usados como base para as negociações entre os países.  

Pouca evolução

"É um pouco paradoxal, porque é um relatório aprovado, mas a gente não tem visto muitos avanços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa", lamenta a cientista que, no entanto, é otimista. "A gente pode reduzir bastante (as emissões) e isso é uma coisa que o relatório fala. Temos tempo até 2030 e temos os meios para reduzir as emissões. Não precisa inventar nada, nenhuma tecnologia disruptiva", diz.

"O que precisa é um esforço geral, partindo do cidadão até o governo", afirma. "Agora, a questão toda é: queremos ter esse trabalho? Ou queremos viver num planeta com um clima cada vez mais instável, com risco para muitas populações, especialmente as mais vulneráveis? Então é um pouco essa a decisão. Eu acho que a população pode fazer bastante pressão nesse sentido", diz. 

A pesquisadora insiste que, para que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas, as decisões devem ser tomadas rapidamente, com mudanças no modo de produção de energia, de suas fontes e do uso da terra, cortando totalmente o desmatamento e investindo em uma agricultura mais sustentável. Medidas que já existem, mas que devem ser tomadas. "Se esse dever de casa for feito, a gente entra num cenário mais otimista, que é o que prevê mais ou menos o Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta no máximo a um grau e meio em relação à média de antes da revolução Industrial", diz.

Um cenário otimista, mas não irreal, de acordo com Letícia Cotrim. "Ele é muito real, mas dá trabalho. A questão toda é essa", diz. Ela lamenta que existam falsas notícias que circulam sobre as mudanças climáticas, motivadas pelos enormes interesses econômicos que envolvem a questão. 

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