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“Acabar com a democracia para salvá-la nunca funcionou”, diz brasilianista americano sobre bolsonaristas

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Os atos antidemocráticos de domingo (8) evidenciaram o radicalismo da oposição bolsonarista ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tendem a marginalizar ainda mais a extrema direita, avalia o cientista político Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. Os ataques contra os Três Poderes poderão até "ajudar" no projeto de reconciliação nacional do novo governo, mas a pacificação provavelmente não virá no tempo de um mandato, avalia o estudioso. 

Bolsonaristas invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília no domingo, 8 de janeiro.
Bolsonaristas invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília no domingo, 8 de janeiro. AP - Eraldo Peres
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Lúcia Müzell, da RFI

O respeitado brasilianista anglo-americano acompanha a política brasileira desde a redemocratização e vê o movimento formado em frente aos quartéis brasileiros, para pedir uma intervenção militar mesmo após a posse de Lula, como integrado por pessoas com “uma perspectiva um tanto esquisita da história".

"Não é somente uma evocação do regime militar, mas uma afinidade com uma parcela desse regime, a mais linha dura, autoritária e intolerante, representada por pessoas como o general Sylvio Frota, que enfrentou Ernesto Geisel para manter um regime forte e repressivo, na fase da liberalização”, observa Pereira, em entrevista à RFI. “É também uma reflexão sobre o desespero com a democracia: a ideia de que ela é tão corrupta e disfuncional que seria necessário limpar o terreno para começar de novo. Mas acabar com democracia para salvá-la nunca funcionou”, salienta. "Você não vai melhorar a democracia acabando com as instituições democráticas, incluindo eleições legítimas.”

Risco político da antidemocracia

O cientista político nota que Jair Bolsonaro, ao se manter passivo diante das manifestações golpistas desde a eleição e dissuadir as Forças Armadas de dissipá-las em meio à ameaça crescente de atentados terroristas na posse de Lula, seguiu o exemplo “infeliz” de Donald Trump nos Estados Unidos. Bolsonaro e seus aliados, que também se recusaram a transmitir o cargo ao novo presidente e seu governo, "provavelmente receberam conselhos" de pessoas como o guru americano da extrema direita Steve Bannon.

"Talvez seja ingenuidade da minha parte, mas apesar dos danos e do choque das imagens, talvez isso vá ajudar no projeto de reconciliação. Muitas pessoas que apoiaram o Bolsonaro na eleição se juntaram àqueles que condenaram os atos de vandalismo e enfatizar que o Brasil terá eleições em 2024 e em 2026 – e esse é o canal legítimo para expressar as divergências políticas", afirma o pesquisador em Harvard. "O efeito de tudo será, talvez, marginalizar ainda mais a ala radical do bolsonarismo, porque essas pessoas não tem lugar no espaçol público democrático. 

Pereira ressalta que "havia outros exemplo melhores a seguir" no campo da direita latinoamericana, como José Antonio Kast, que ao perder para o Gabriel Boric no Chile, foi ao escritório do rival e o parabenizou. Rodolfo Hernández, embora seja apelidado de 'Trump colombiano’, também saudou o opositor nas urnas. Em ambos os países, a cultura democrática se mostrou forte apesar do avanço da extrema direita. 

"Você não pode ser a favor da democracia em outros lugares e apoiar alguém que tentou derrubar a democracia no seu próprio país. Acho que Bolsonaro agora está entrando nesse terreno”, avalia o pesquisador, fundador do Instituto de Estudos Brasileiros no King’s College de Londres.

Pereira frisa ainda que, diferentemente do ex-colega americano, Bolsonaro nunca contou com uma máquina como a do Partido Republicano. Ele avalia que as omissões do ex-presidente deixam o caminho aberto para outras lideranças emergidas no bolsonarismo, como o ex-vice Hamilton Mourão ou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ocuparem o espaço na oposição nos próximos meses e anos.

Anthony Pereira é cientista político e diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida.
Anthony Pereira é cientista político e diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. © Arquivo Pessoal

Alianças para base aliada não significam reconciliação nacional

Enquanto isso, Lula se esforça em acomodar as forças políticas aliadas, mas também divergentes, como o União Brasil, em um novo governo com 37 ministérios. Pereira observa que, ao trazer Geraldo Alckmin e outras pessoas associadas a Fernando Henrique Cardoso, como Pedro Malan e Armínio Fraga, o petista "colapsou" o antigo eixo PSDB-PT e consolidou a frente anti-Bolsonaro.

"Essa coligação, me parece, não vai ser igual às maiorias que ele teve nos anos 2000, quando Lula chegou a ter 80% dos votos favoráveis no Congresso. Mas pelo menos ele vai conseguir chegar a uma maioria básica para passar projetos ordinários”, aposta Pereira.

Entretanto, se, por um lado, a construção da base aliada no Congresso parece encaminhada, por outro a diminuição da rejeição que Lula enfrenta junto aos mais de 58 milhões de eleitores que preferiram Bolsonaro na última eleição se anuncia uma missão mais difícil.

“Apesar de as pesquisas mostrarem que Bolsonaro tem um índice maior de rejeição do que Lula, é por pouco. Vai ser difícil convencer a parte do eleitorado que associa Lula ao Petrolão e à corrupção sistemática”, sublinha. “Se você olha a questão das restrições de orçamento do novo governo, é pouco provável que todas as ansiedades da população brasileira, como a questão social, a inflação, o emprego, serão resolvidas. Duvido que o governo Lula vá solucionar todos esses problemas em quatro anos.”

Ouça a entrevista completa clicando no podcast acima.

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