Cancelamento de artistas pró-Putin e solidariedade a ucranianos marcam "guerra cultural" na França
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Se em tempos de paz a cultura atua muitas vezes como moeda diplomática, o famoso soft power, em tempos de guerra seu papel assume tons mais sombrios, como mostram as ações movidas pelos atores culturais na França, após a invasão da Ucrânia. Se a guerra atualmente é híbrida, não há combatentes melhores que os artistas, experts em construir narrativas e convocar emoções. Da Bienal de Veneza ao Carnegie Hall, passando pela Filarmônica de Paris, o mundo ocidental manda seu recado à Rússia.
Na França, da Ópera Nacional de Paris ao Festival de Avignon, muitas instituições culturais expressaram seu apoio "ao povo e aos artistas ucranianos" nos últimos dias. Mas artistas ucranianos que vivem na França também estão se mobilizando.
É o caso, por exemplo, do famoso Quarteto Elysée, que inclui o violinista ucraniano Andrei Malakhov. Com seu grupo, ele decidiu gravar uma peça do repertório de um jovem compositor ucraniano, conforme contou em entrevista à RFI: "A iniciativa seria gravar um quarteto de cordas composto por o compositor e violonista ucraniano, Ilia Bondarenko, que tem 20 anos e está atualmente sob os bombardeios em Kiev", diz. "É uma música muito poderosa e sombria, e que traz um elemento inédito e precursor - os alarmes antiaéreos em primeiro plano", revela Malakhov.
"Primeiro, vamos divulgar um vídeo tocando o quarteto para apoiá-lo, mas também estamos preparando, com músicos ucranianos e franceses e com o apoio da comunidade ucraniana na França, um concerto solidário para ajudar a Ucrânia, será provalemente na subprefeitura do 15° distrito de Paris, no dia 21 de março. E buscamos eventualmente também uma segunda data", declarou o músico.
Nesta sexta-feira, 4 de março, a partir das 20h pelo horário da França, os canais de TV e rádio Culturebox e France Culture, que fazem parte do serviço público francês, farão uma vigília de cinco horas de apoio à Ucrânia no Teatro Nacional da Dança, o Palais de Chaillot, em Paris, que será transmitida ao vivo pela internet.
Combate às fake news e acolhimento de artistas
O cineasta ucraniano Igor Minaiev, 68 anos, que vive em Paris há vários anos, conversou com a RFI sobre sua vida depois da invasão, pontuada por telefonemas para seus amigos em Kiev e Kharkiv.
"Todo dia de manhã eu telefono ou escrevo para todo mundo, começo por Kiev, depois Karkhiv e na sequência Odessa, para ficar por dentro de onde eles estão, e sobretudo como passaram a noite, que é o período mais angustiante", relata o diretor. "Tento trocar informações, porque existem muitas fake news circulando, então tento saber ao certo como as coisas estão acontecendo na realidade, se eles têm o que comer, se têm eletricidade, água, aquecimento", diz Minaiev.
"Há alguns ucranianos que descem para dormir nos abrigos anti-bombardeios, sobretudo em Kiev. Outros que dizem que não descem mais, dormem no corredor, no banheiro", conta o cineasta. "Também repasso informações que temos aqui no Ocidente. Para eles é um incentivo saber que praticamente todos os veículos de imprensa na França falam deles o tempo todo e que não estão abandonados. Não poderíamos imaginar essa ajuda da Europa e do resto do mundo. Passamos por tantas coisas, e agora, todo mundo está conosco", vibra.
Lucie Berelowitsch, diretora do Centro Nacional de Teatro da Normandia, falou sobre o desejo de ajudar os artistas na Ucrânia. "Uma parte dos artistas ucranianos ficou no país e se mobiliza de todas as maneiras possíveis, tomando a palavra e organizando redes de ajuda entre eles. Hoje em dia a questão não é saber que hospitalidade poderemos lhes oferecer, mas como ajudá-los na Ucrânia", sublinha a diretora.
"Estamos criando redes de solidariedade com a Polônia e a Romênia para que possamos ajudar de maneira rápida no acolhimento dos artistas. Eles dizem que sentem uma mobilização muito grande por parte da Europa e que isso é muito importante para eles. Eles dizem sentir a necessidade de lutar para continuarem livres, simplesmente", afirma Berelowitsch.
Cancelamento
Mas não só de solidariedade que a guerra cultural é feita. Na França, o nome Valery Gergiev é o emblema de uma verdadeira ruptura cultural. O maestro russo pró-Putin, ao mesmo tempo diretor geral do prestigioso Teatro Mariinsky em São Petersburgo e até então um dos maestros mais procurados do mundo, foi ostracizado e está enfrentando uma onda de cancelamentos como um sinal de "solidariedade com o povo ucraniano". Depois do Carnegie Hall em Nova Iorque e dos prestigiosos festivais suíços em Verbier e Lucerna, a Filarmônica de Paris cancelou a presença de Gergiev, agendada para 9 e 10 de abril.
Na Bienal de Veneza deste ano não foi diferente: a equipe do pavilhão ucraniano cancelou sua participação, ao mesmo tempo em que convocou no Instagram "a comunidade artística internacional a usar toda nossa influência para deter a invasão russa da Ucrânia". Uma mensagem que foi ouvida. Na segunda-feira 28 de fevereiro, a equipe russa em Veneza renunciou à sua participação no evento, anunciando que o pavilhão russo permaneceria fechado na abertura da Bienal em abril, para não servir de justificativa para uma invasão militar.
Assista a mensagem das artistas ucranianas do cabaré punk Dakh Daughters:
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