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Radar econômico

PEC da Transição: "Gastos sociais e responsabilidade fiscal não são antagônicos", diz economista

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Lideranças partidárias do Congresso Nacional retomaram nessa semana a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, apresentada pelo futuro governo para garantir fundos para o pagamento de benefícios sociais. A medida foi recebida com cautela pelo mercado, que teme o abandono da responsabilidade fiscal. 

Vista do Congresso Nacional, em Brasília.
Vista do Congresso Nacional, em Brasília. Wikimedia commons
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O dólar disparou e economistas alertam para os riscos de o Partido dos Trabalhadores retomar uma trajetória expansionista. “A mensagem é ruim porque a sociedade precisa de sinais claros de como o governo vai funcionar em termos financeiros", explica o professor Gilberto Braga, do Ibmec do Rio de Janeiro. "Há um falso dilema de que os economistas são contra gastos sociais ou são a favor da especulação financeira, não se trata disso. É reconhecida a necessidade da manutenção dos auxílios financeiros à população carente, mas é preciso discutir como isso vai ser pago, como isso vai ser  financiado", completa. 

A medida visa excluir da regra do teto de gastos os desembolsos com o programa Bolsa Família e faz outras alterações orçamentárias. Um anúncio que divide opiniões e surpreendeu negativamente o mercado não só pelo montante, já que a licença para gastos poderia ser da ordem de R$ 200 bilhões em 2023, mas pela sinalização quanto ao ajuste fiscal. Na prática, Lula poderia custear o Bolsa Família com empréstimos, aumentando a dívida pública. 

A PEC, apelidada de “fura-teto”, seria uma tentativa de alterar o limite de gastos aprovado no governo do ex-presidente Michel Temer para estabelecer um patamar para os gastos do governo federal nos próximos 20 anos, a partir de 2017. 

Em 2016, os defensores do teto argumentavam que ele era necessário para controlar os gastos públicos, em uma trajetória insustentável de crescimento, para manter as contas do país controladas e permitir que a taxa básica de juros da economia fosse mais baixa. 

“Quando você dá o benefício social por um lado e a situação econômica se deteriora, você acaba corroendo todos os efeitos positivos desses auxílios financeiros", diz o economista. "O primeiro indício é você ter inflação elevada. Então se o governo não controla os seus gastos, o governo é obrigado a se endividar. E dívida pública você financia com taxas de juros para poder tornar atrativos os papeis da dívida brasileira. Então, isso faz com que você tenha de manter taxas de juros muito altas. Isso atrai dinheiro para o mercado financeiro, porque a rentabilidade de juros é maior do que o retorno do investimento na economia produtiva real, então você trava o crescimento da economia", completa Braga. "É como se você dá com uma mão e tira com a outra", compara. 

Muitos especialistas concordam que um clima hostil e instabilidade não são condições desejáveis para o início de um novo governo. “Para a economia é importante ter previsibilidade com regras claras e duradouras que não fiquem sendo modificadas a cada momento. É preciso definir se esse gasto social do primeiro ano vai ser só no primeiro ano, se vai ser nos 4 anos do mandato do presidente esses gastos ficarão fora do orçamento e colocando no orçamento, como eles serão custeados?”, insiste.

Gilberto Braga é professor de finanças da Fundação Dom Cabral e do IBMEC-RJ.
Gilberto Braga é professor de finanças da Fundação Dom Cabral e do IBMEC-RJ. acervo pessoal

Combate à desigualdade

A diminuição do gasto afeta especialmente políticas públicas que beneficiam classes sociais mais baixas e dependentes dos serviços oferecidos pelo Estado. Lula advoga por mais qualidade de vida aos pobres e para combater o quadro de desigualdade social do país.

O dispositivo poderá viabilizar a manutenção do benefício de R$ 600,00 atualmente pago. O projeto de lei orçamentária para 2023 não previu o valor necessário para assegurar a renda dos mais vulneráveis, de modo que implicaria redução das transferências às famílias em situação de pobreza. Além disso, o novo governo prevê a concessão de benefício adicional às famílias que tenham crianças de até 6 anos.

Entretanto, gastos sociais e responsabilidade fiscal não são necessariamente antagônicos. "Esse antagonismo que o novo presidente eleito trouxe entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social gera um temor, aumenta o receio com descalabros fiscais", explica o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. "Primeiro porque essa relação de antagonismo não existe. Fazer um programa social sem ter responsabilidade fiscal é o mesmo que fazer um programa social sem sustentabilidade. Os ativos acabam refletindo essa piora por conta da possibilidade de que o novo governo tenha essa visão sobre a responsabilidade fiscal", destaca. 

"Nós tivemos o começo do governo do PT fiscalista, mas o final do governo Dilma foi dramático, para não dizer uma tragédia em termos fiscais. Existe um receio sim, eles têm um histórico de que fizeram um gasto desproporcional especialmente no governo Dilma Rousseff, mas também já tiveram uma história que conta a favor e hoje o Brasil está precisando muito mais da história que favorece a trajetória dos governos do PT do que a parte que desfavorece", acrescenta Sanchez. 

Os economistas alertam que a nova PEC pode elevar a dívida bruta do país e que os gastos não deveriam ser pautados apenas por promessas de campanha.  "Quem é mais afetado é sempre o pobre, porque essa conta é cobrada através de inflação, de um juro maior, que gera mais desemprego. É algo de curto prazo, para não dizer inocente", conclui Étore Sanchez. 

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. © arquivo pessoal

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