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Radar econômico

Decisões dos EUA vão levar a mais inflação no Brasil, mas governo permanece indiferente

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A alta da inflação já corroeu o poder aquisitivo das famílias brasileiras em 2021 e tem tudo para se tornar uma bola de neve em 2022, em reflexo à conjuntura internacional. O Banco Central americano dá nesta semana mais um passo para subir progressivamente a taxa de juros historicamente baixa do país, com consequências para a economia do planeta.

Jerome Powell, presidente do Banco Central americano (Fed), fará novos anúncios sobre os juros do país nesta quarta-feira (26).
Jerome Powell, presidente do Banco Central americano (Fed), fará novos anúncios sobre os juros do país nesta quarta-feira (26). AP - Manuel Balce Ceneta
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Ao mesmo tempo, os Estados Unidos também continuam a retirar os estímulos massivos à economia americana, que impulsionaram o crescimento do país nos últimos anos. O resultado é que o dólar vai se valorizar, tornando o câmbio no Brasil ainda mais desvantajoso para o país.

"O aumento dos juros vai ter que ser gradual, mas constante, para não criar um precipício econômico. Eu tenho certeza que o Banco Central americano vai agir com muita prudência para não colocar o mundo numa situação de recessão. Isso não interessa a ninguém”, explica o economista Ernesto Lozardo, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Dólar caro significa o Brasil pagar mais pelas importações de insumos e petróleo, com impacto em toda a cadeia produtiva e, consequentemente, nos preços. "O lado ruim disso tudo é que a população nacional e internacional, que já empobreceu, vai empobrecer um pouco mais. Vai ter mais inflação, mais recessão e desemprego. E mais inflação vai significar taxas de juros altas por mais tempo”, aponta. "Se a nossa inflação já está apontando para dois dígitos, nesse ano vai passar de dois dígitos. Não tem como evitar.”

No Brasil, como em vários países do mundo, os preços dos combustíveis não param de subir e pressionam a inflação.
No Brasil, como em vários países do mundo, os preços dos combustíveis não param de subir e pressionam a inflação. AFP - FILIPE ARAUJO

Amortecer o choque

O problema, portanto, é conhecido e previsível. Nos países desenvolvidos, os governos têm se mobilizado para minimizar os danos, com foco na mitigação dos custos da energia – que pressionam a inflação – para as empresas e camadas mais vulneráveis da sociedade. O entendimento é de que a subida de preços é conjuntural, um efeito colateral da retomada econômica acelerada em 2021, graças ao enfraquecimento da pandemia de coronavírus.

"Podemos nos esforçar para espalhar esse choque, evitar que as famílias mais modestas sejam penalizadas pelos preços tão altos da energia, por exemplo. Na Europa, a metade da alta de 5% da inflação é causada pelos preços da energia e é por isso que os países estão intervindo, afinal a perspectiva é de que a produção volte ao normal ao longo do ano, até o último trimestre do ano, e então a inflação recue a um nível razoável”, sublinha a economista francesa Emmanuel Auriol, membro do Conselho de Análise Econômica e professora da Toulouse School of Economics.

A alta no preço dos alimentos impactou principalmente no bolso  dos mais pobres.
A alta no preço dos alimentos impactou principalmente no bolso dos mais pobres. © Tânia Rêgo/ Agência Brasil

No Brasil, porém, o Planalto parece observar à distância o furacão se aproximar. O professor de Economia André Moreira Cunha, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que, apesar de ser uma potência agrícola e autossuficiente em petróleo bruto, o abastecimento nacional do país depende de importações. Ele ressalta ainda que pouco foi feito para conter o aumento dos preços dos alimentos, combustíveis e luz, que pesam cada vez mais pesado no bolso dos consumidores.

“Eu acho que não há uma estratégia nesse governo. Existe um presidente que quer manter as suas chances de chegar no segundo turno nas eleições e que mantém uma base mobilizada. Na área econômica, o ministro da Economia faz um trabalho que não está à altura dos desafios que o Brasil tem. No que tange especificamente às pressões pelo lado da oferta, das políticas que geram um efeito sobre a inflação, ele atuou no sentido contrário, de reforçar os desequilíbrios. Foi uma política de produzir dividendos para os acionistas, sem olhar estrategicamente para o país", afirma.

Risco de crise financeira

Para além da movimentação americana, os Bancos Centrais do mundo estão de olho nas expectativas dos agentes econômicos sobre o futuro e na expansão dos salários, que poderia levar a inflação ao descontrole. No caso brasileiro, a perda do controle fiscal também acentua a fragilidade diante da avalanche.

"Eu acho que vai ficar mais claro o cenário a partir de março, sobre se essa alta está ganhando força e vida própria, a se retroalimentar, ou se vai mesmo se reduzir. Eu acho que o grande problema para o Brasil seria uma crise financeira”, averte Cunha.  Elas não mandam um tuíte avisando: elas acontecem quando há grandes desequilíbrios – que existem – e mudanças abruptas de percepção sobre o futuro”, afirma Cunha, citando o exemplo de um conflito entre Rússia e Estados Unidos sobre a Ucrânia como um fator desencadeador  de uma grave crise.

Ernesto Lozardo, da FGV, não acredita em uma crise financeira ou fiscal, apesar das omissões de Jair Bolsonaro, focado no calendário eleitoral. Para ele, a área econômica está atenta ao problema, mas não tem poder para tomar medidas mais contundentes.

"Nós temos uma situação de um equilibrista de pratos: você não sabe que pratos você vai conseguir segurar. O Banco Central está numa situação muito delicada”, diz. "O que pode melhorar seria o Banco Central brasileiro agir em conjunto com os demais Bancos Centrais o mundo, e acho que isso vai acontecer, para criar uma expectativa de coordenação monetária internacional.”

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