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Planeta Verde

A conferência climática de Bonn e a difícil missão de engajar os países petrolíferos nas COPs

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Pelo segundo ano consecutivo, a Conferência do Clima da ONU tem como anfitrião um país avesso à diminuição do uso das energias fósseis para limitar o aquecimento do planeta – depois do Egito em 2022, desta vez os Emirados Árabes Unidos receberão, em 2023, o evento mais importante do mundo para o combate às mudanças climáticas. Em preparação à COP28, 196 países se reúnem por 11 dias em Bonn, na Alemanha, para definir os objetivos da conferência, no que é encarado como um teste de fogo para a presidência emiradense da cúpula em dezembro. 

Negociações sobre a pauta da COP28 começaram nesta segunda-feira (5) na cidade de Bonn, na Alemanha.
Negociações sobre a pauta da COP28 começaram nesta segunda-feira (5) na cidade de Bonn, na Alemanha. © UN Climate Change
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A intensa série de reuniões em Bonn servirá de termômetro quanto às chances de fracasso da COP 28, como apostam algumas organizações ambientalistas internacionais. Razões para o ceticismo não faltam: além de acontecer em um dos maiores produtores de óleo negro do mundo, o evento será comandado pelo CEO da companhia nacional de petróleo, Sultan Ahmed al-Jaber. As negociações prévias visam nada menos do que adotar a pauta do que será, ou não, discutido na COP28.

“É o grande problema dessa COP, e que muitas vezes provoca um sentimento pessimista das pessoas, de acharem que não vai ser desta vez que a gente vai conseguir uma decisão mais robusta de implementação do Acordo de Paris. Mas acho que ainda é cedo para dizer isso”, avalia Caroline Prolo, cofundadora da LaClima e advogada especialista em direito ambiental. “Aqui as decisões começam a ser discutidas, os textos começam a nascer, mais no nível técnico mesmo, e por isso ainda não temos ministros ou chefes de Estado", explica.

Já na abertura das reuniões na Alemanha, na segunda-feira (5), o secretário-executivo da ONU Clima, Simon Stiell, disse ser “consciente das dificuldades” de os participantes ocuparem duas funções nas sessões. “Às vezes, há tensões entre o interesse nacional e o bem comum mundial. Eu convido os delegados a demonstrarem coragem. Ao darem a prioridade ao bem comum, eles também atendem aos seus interesses nacionais”, afirmou. “Nenhuma vida é sacrificável porque nós queremos consumir cada vez mais energia do que precisamos. Não é sacrificável porque a extração de combustíveis fósseis é uma política de segurança financeira”, argumentou. 

Anfitriões duvidosos

Este ano, pela primeira vez, uma COP acontece em um país do Golfo, onde a produção petrolífera é a base econômica de diversos Estados. Mas já em 2022, a conferência em Sharm el-Sheik foi uma amostra do que viria pela frente. O lobby do setor demonstrou o seu peso como jamais visto, com um stand no evento maior do que os da maioria das delegações nacionais presentes.

O resultado foi um texto final omisso, ao não apontar a saída dos combustíveis fósseis como uma necessidade para o mundo atingir a principal meta do Acordo de Paris sobre o Clima: limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Desde então, o foco dos países produtores ou altamente dependentes das energias fósseis, como China e Índia, permanece o mesmo: concentrar as discussões sobre como limitar as emissões de gases de efeito estufa do setor, e não acabar com ele.

“Esse é o bode na sala. A presidência da COP no país petroleiro vai discutir redução de combustíveis fósseis ou vai todo mundo cair no greenwashing dos Emirados Árabes de ‘phase out’ de emissões de combustíveis fosseis?", questiona Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima, que reúne mais de 90 organizações ambientais brasileiras. “Eu acho que é um começo não muito auspicioso para a COP. Mostra que, mesmo com a aceleração dos eventos extremos, o processo continua preso aos vícios de sempre e às tensões tradicionais que a gente vê se arrastarem há 28 anos."

Financiamento: eterno foco de tensões

Outros focos de tensão já presente é o financiamento, pelos países desenvolvidos, da transição ecológica nos países em desenvolvimento, assim como do novo mecanismo para ajudar as nações menos industrializadas a enfrentar as perdas e danos já sofridas pelas mudanças do clima. A decisão histórica da criação de um fundo foi tomada na COP do Egito.

Neste contexto, se inscrevem ainda as discussões sobre uma “transição justa”, tema que vem sendo pautado pelos Emirados Árabes para agradar aos países mais pobres. Por outro lado, os europeus têm insistido para encaminhar um Programa de Trabalho de Ambição de Mitigação e Implementação, de modo a envolver um número maior de países no corte de emissões globais de CO2. Entretanto, o grupo das nações em desenvolvimento e emergentes G77 resiste à ideia.

“O Brasil foi meio que o porta-voz dessa oposição, mas é uma coisa meio combinada entre os países em desenvolvimento. O argumento deles é que os países ricos, em especial a UE, querem mitigação para os outros e não querem contribuir com meios de implementação – não querem dar dinheiro”, explica Angelo. “De fato, a discussão sobre financiamento é sempre um problema. Essa tensão eterna entre metas de redução de emissões e dinheiro, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, é o que dá o tom aqui em Bonn.”

A principal promessa da COP28 será entregar um primeiro balanço mundial do quanto o Acordo de Paris sobre o Clima, assinado há oito anos, está sendo cumprido. “É um instrumento superinteressante que foi introduzido pelo Acordo de Paris para revisar a sua efetividade, de todas essas metas de mitigação, de como estamos, conjuntamente, como sociedade global, conseguindo criar resiliência à mudança do clima, que já está acontecendo e que, muitas vezes, não vai poder ser evitada”, observa Prolo. “E também olhar para os fluxos financeiros, as estruturas de financiamento, capacitação, transferência de tecnologia e entender se os recursos estão sendo realmente mobilizados para essa que é a missão mais importante da humanidade atualmente”, complementa.  

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