Acessar o conteúdo principal
Planeta Verde

Após meses pendurados em árvores na França, ativistas ambientais obtêm nova vitória contra rodovia

Publicado em:

Há meses, ativistas franceses se revezam no alto de árvores ameaçadas por um projeto de construção de uma autoestrada no sudoeste do país. As ações de ocupação para a proteção de terrenos fazem parte da história do militantismo ecologista. Mas em uma era marcada pelo impacto das redes sociais e o aumento do quadro legal de proteção ambiental, essas mobilizações se tornaram um problema mais delicado para as autoridades.

Militantes ecologistas, apelidados de "esquilos", se penduraram em árvores no trajeto da rodovia A69, entre Castres e Toulouse, desde agosto de 2023.
Militantes ecologistas, apelidados de "esquilos", se penduraram em árvores no trajeto da rodovia A69, entre Castres e Toulouse, desde agosto de 2023. AFP - PATRICK HERTZOG
Publicidade

Na França, o ativista Thomas Brail, de 49 anos, virou o ícone da contestação das obras da rodovia A69, entre Toulouse e Castres. Cofundador do Grupo Nacional de Vigilância das Árvores, ele fez 40 dias de greve de fome na copa de um plátano, de onde só saiu para ser hospitalizado, quase inconsciente, em outubro de 2023.

Na sequência, outros militantes assumiram o posto – o que lhes rendeu o apelido de “os esquilos da A69”. O movimento atraiu o apoio da ativista sueca Greta Thunberg, durante uma viagem ao país em fevereiro – mas não conseguiu paralisar o projeto.

Quatro diferentes ações correm na justiça para impedir o avanço das obras, que os militantes acusam de atingir áreas agrícolas férteis, abalar a biodiversidade local e aumentar a artificialização dos solos. A última vitória ocorreu no fim de março, com o embargo do corte de novas árvores pelo Escritório Francês da Biodiversidade, até 1º de setembro.

“É uma vitória bastante amarga porque foi necessário muito tempo e energia dos escaladores e escaladoras para protegerem essa zona. Essa forma de luta existe há bastante tempo, mas conseguimos uma boa repercussão na imprensa e criar um imaginário para as pessoas, afinal todo mundo gostava, mais ou menos, de subir nas árvores quando era pequeno”, disse Thomas Brail. “Ao fazer isso, também adotamos a não violência, já que ao subirmos nas árvores, não estamos em contato direto com as forças de ordem. Virou um quebra-cabeça para as autoridades, porque é difícil pegar pessoas que estão instaladas lá em cima sem colocá-las em perigo.”

A ativista sueca Greta Thunberg foi a Saix, no sul da França, onde militantes ecologistas protestavam contra a construção da rodovia A69.
A ativista sueca Greta Thunberg foi a Saix, no sul da França, onde militantes ecologistas protestavam contra a construção da rodovia A69. AFP - LIONEL BONAVENTURE

Privação de comida e sono

Enquanto o projeto continua a contar com o apoio dos governantes locais – com o argumento de que a estrada vai dinamizar a região –, a reação das autoridades policiais foi enfrentar o movimento não pela força, mas pelo desgaste físico e mental. Desde 15 de fevereiro, o cerco policial aos manifestantes impedia-lhes acesso à comida e, durante à noite, também os privava de sono.

Acionado, o relator especial da ONU para os Direitos Humanos dos Defensores do Meio Ambiente, Michel Forst, exigiu medidas de proteção dos ecologistas contrários à A69. Em entrevista à RFI, ele celebrou o embargo determinado pelo órgão ambiental francês. A decisão possibilitou que três “esquilos” pudessem descer das árvores por algumas horas – no solo, eles foram celebrados como heróis.

“É uma boa notícia vermos que, finalmente, reconheceram que a luta deles era justificada. Não me pronuncio sobre o projeto em si, apenas sobre a maneira como os militantes eram tratados, que realmente não era algo aceitável em uma democracia”, comentou. “Privação de sono, água e comida pelas forças de ordem... Fiquei estupefato que as autoridades francesas ignorem as leis mais fundamentais do direito internacional. É uma resistência pacífica, não violenta; uma desobediência civil. Ela mostra que o combate dos militantes ecologistas e do clima, quando utilizam formas não convencionais de militantismo, pode funcionar”, analisou.

Militantes ecologistas, apelidados de "esquilos", se penduraram em árvores no trajeto da rodovia A69, entre Castres e Toulouse, desde agosto de 2023.
Militantes ecologistas, apelidados de "esquilos", se penduraram em árvores no trajeto da rodovia A69, entre Castres e Toulouse, desde agosto de 2023. AFP - JONAS ROOSENS

Queda de braços por anos

O cientista político Simon Persico, professor da Sciences Po Grenoble e pesquisador sobre o tema, salienta que ações práticas se misturam com a história da ecologia política, desde o fim dos anos 1960. Em vários casos no passado, as manifestações fizeram projetos se arrastarem por anos e até décadas, antes de serem abandonados.

“De certa forma, é uma necessidade para a ecologia política, embora não seja o único repertório utilizado pelos ativistas. Em paralelo, eles fazem ações nos tribunais – vários deles, afinal temos o Direito Ambiental e os Direitos Humanos. Mas a escolha da ocupação, da presença física nos lugares a serem protegidos, de impedir fisicamente o desenvolvimento das obras, se mostra útil”, constata. “Se observamos a história dos grandes projetos de desenvolvimento de infraestruturas que ocupam terras, florestas, porções agrícolas, etc, vemos que houve muitas vitórias – às vezes leva tempo e temos uma impressão de estarmos em uma ‘never ending story', mas muitas vezes traz resultados.”

Ativista Thomas Brail também já se pendurou em árvore nas proximidades da torre Eiffel para protestar contra a construção de rodovia no sudoeste da França.
Ativista Thomas Brail também já se pendurou em árvore nas proximidades da torre Eiffel para protestar contra a construção de rodovia no sudoeste da França. © Hird/RFI

O pesquisador relembra os casos recentes da construção de um aeroporto em Notre-Dame-des-Landes, abandonada em 2018, e do megacomplexo turístico Europa City, encerrado no ano seguinte. O projeto da estrada A69 já foi lançado e retomado várias vezes desde o fim dos anos 1990.

“Não sei se podemos dizer que agora os dirigentes escutam mais, mas o que é certo é que os militantes ecologistas se mobilizam mais. Para os dirigentes e políticos, ficou mais delicado reagir, porque a partir do momento em que há uma presença física e que a confrontação se torna mais direta, pode gerar violências e até mortes”, ressaltou, ao recordar os protestos contra a construção da barragem de Sivens, no sudoeste da França, durante as quais um manifestante morreu.

Neste contexto, a evolução do direito ambiental no mundo tende a proteger melhor os ativistas – como mostra a manifestação do relator especial da ONU, no caso dos “esquilos da A69”. Simon Persico ressalta que a reação dos Estados aos protestos ambientalistas também ilustra a natureza democrática e o respeito ao Estado de direito em um país.

“Estamos falando de uma obrigação jurídica, já que a Carta do Meio Ambiente, na Constituição francesa desde 2005, impõe obrigações muito claras sobre o respeito aos princípios de precaução, por exemplo, e esse direito nem sempre é aplicado. O Estado deveria respeitar as regras que ele mesmo fixou”, afirmou Persico.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.