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Planeta Verde

Explorar ou não ‘novas fronteiras de petróleo’, dilema complexo nos países emergentes

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Temos petróleo, mas não vamos explorá-lo. Diante da emergência climática, uma decisão como essa – que até pouco tempo atrás, era impensável – agora está sob a mesa de governantes de diversos países do mundo, em especial no chamado sul global. No Brasil, o futuro do projeto da Petrobras de perfuração da bacia sedimentar da foz do rio Amazonas, para a recuperação do óleo negro, simboliza o impasse delicado entre o desenvolvimento à moda antiga e a transição energética necessária.

A francesa TotalEnergies e a britânica BP venceram a licitação de blocos da foz do Amazonas, mas acabaram abrindo mão das partes em benefício da Petrobras, que agora detém 100% dos contratos.
A francesa TotalEnergies e a britânica BP venceram a licitação de blocos da foz do Amazonas, mas acabaram abrindo mão das partes em benefício da Petrobras, que agora detém 100% dos contratos. REUTERS - Sergio Moraes
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Os tempos mudaram em relação a 2006, quando o mesmo presidente Lula participou, eufórico, da descoberta das camadas de pré-sal pela petrolífera nacional – sem que, à época, qualquer questionamento ambiental viesse à tona. Agora, a decisão de explorar ou não o que está sendo chamado de a nova fronteira do petróleo no Brasil, na margem equatorial, coloca o governo petista em uma situação delicada.

O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, não veem a hora de receberem o ok para o avanço do licenciamento ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) para o projeto. Entretanto, um parecer técnico do órgão não enxerga o plano com bons olhos, alegando pouca clareza quanto aos riscos de derramamento de óleo na perfuração, a 175 quilômetros da costa do Amapá. Um acidente poderia abalar a fauna e a flora marinhas, além de impactar comunidades indígenas em Oiapoque. A decisão final do presidente do Ibama, Ricardo Agostinho, é aguardada.

 

Em 28 de outubro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra suas mãos cobertas de óleo durante visita a uma plataforma marítima da Petrobras para a primeira amostra de óleo da camada pré-sal do campo de Tupi, na Baía de Santos, na costa do Rio de Janeiro.
Em 28 de outubro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra suas mãos cobertas de óleo durante visita a uma plataforma marítima da Petrobras para a primeira amostra de óleo da camada pré-sal do campo de Tupi, na Baía de Santos, na costa do Rio de Janeiro. AP - Felipe Dana

“Há um discurso infelizmente contraditório por parte do governo, que é o que a gente chama de paradoxo verde. O próprio ministro das Minas e Energia declarou recentemente que em função da transição energética que o mundo está passando e que o Brasil está e vai passar, o petróleo será menos importante lá na frente”, diz professor Roberto Schaeffer, professor de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em política energética e membro do IPCC, o painel de cientistas da ONU sobre as mudanças climáticas.

Em certo sentido, começa a haver um movimento de acelerar o máximo possível a produção de petróleo hoje para não se ficar com o mico na mão, afinal há uma sociedade de consumo que demanda bens e serviços que ainda não conseguiu se livrar do petróleo e provavelmente não conseguirá nos próximos 20 ou 30 anos. E isso é uma enorme contradição: para lidar com a mudança climática, você eventualmente vai aumentar as emissões hoje para não ser o último a ficar com petróleo no chão, não explorado.”

ONGs pedem fim do projeto

O projeto foi licitado há 10 anos, junto com dezenas de outros blocos, mas até hoje nenhum poço foi perfurado na área. Agora, o plano foi acelerado em meio à perspectiva de queda da produção na bacia do sudeste a partir de 2030.

Em abril, 80 organizações da sociedade civil, entre as quais as principais do país na área ambiental, reforçaram o pedido para o governo abdicar do projeto, apesar dos lucros estimados. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP) calculou em 2013, a reserva em questão, de número 59, poderia acumular 14 bilhões de barris.

 

Barco navega junto à margem do rio Amazonas, próximo da foz, no arquipélago do Bailique, Macapá (Amapá).
Barco navega junto à margem do rio Amazonas, próximo da foz, no arquipélago do Bailique, Macapá (Amapá). © Rui Brandão / CC/ Wikipédia

As ONGs alegam que o início das obras, a cerca de 500 quilômetros da foz do Amazonas, poderia levar a “danos imensuráveis para o meio ambiente e para a população”. A aprovação também representaria uma incoerência em relação às promessas que Lula tem feito não só no Brasil, como para a comunidade internacional, de colocar o país nos trilhos de um desenvolvimento sustentável.

No seu último relatório, o IPCC, painel de cientistas da ONU sobre as mudanças climáticas, reivindica que a “redução substancial no uso geral de combustíveis fósseis", como o petróleo, é necessária para o mundo zerar as emissões líquidas de CO2. Em paralelo, a Agência Internacional de Energia reconheceu em 2021 que o uso do petróleo deverá entrar em queda a partir de 2050 e defendeu que, diante dessa perspectiva, nenhum novo projeto de extração de combustíveis fósseis deveria ser aprovado.

A jurista especializada em direito internacional do meio ambiente Marie Toussaint, deputada europeia, avalia que já passou da hora de esses alertas serem levados a sério. “É exatamente isso que precisamos fazer, segundo os cientistas mas também a Agência Internacional de Energia, que foi criada pelos pesos-pesados da energia – portanto está longe de ser uma ONG. Todos eles dizem que nós devemos parar, hoje, qualquer nova perfuração de gás e de petróleo”, ressalta. “O desafio é cessarmos a oferta enquanto, paralelamente, investimos no que poderão ser as alternativas a essa oferta.”

Roberto Schaeffer pondera que o consumo atual de petróleo no mundo é de 100 milhões de barris por dia, número que deve despencar para 20 e 40 milhões em 2050 – sobretudo para a produção de plásticos e fertilizantes, e cada vez menos para uso em energia.

“O mundo de agora até 2050 ainda precisará de petróleo. O caso do Brasil é muito claro: a maior parte do transporte de cargas e urbano no Brasil é com veículos a diesel – e esse diesel tem que vir de algum lugar. A transição para outros combustíveis, seja a eletrificação dos transportes ou biocombustíveis, não se dará instantaneamente”, salienta. “E é nesse contexto que o Brasil e a África viram uma fronteira, com petróleos de excelente qualidade, custo mais baixo e com impactos ambientais muito menores, ao contrário dos petróleos pesados canadenses e venezuelanos, e mesmo campos antigos no mar do Norte. Mas a questão é como fazer isso de maneira cuidadosa”, pondera.

Países desenvolvidos x países em desenvolvimento

A questão é colocada para outros países em desenvolvimento, onde a descoberta de reservas de petróleo ainda é celebrada como fonte de esperança e crescimento econômico, a exemplo da Costa do Marfim, em 2022, ou em Moçambique, em abril passado. Em Uganda e Tanzânia, a construção de um gigantesco oleoduto de 1,4 mil quilômetros gera mobilização internacional de organizações ambientalistas.

O pesquisador da Unicamp na área de bioenergia e eficiência energética Luiz Horta Nogueira observa que, não à toa, esse tema representa um dos desafios mais difíceis das negociações climáticas internacionais, como as COPs.

“Nós temos uma discussão antiga, que não está superada, que é o fato de que os países desenvolvidos exploraram as suas energias fósseis, desenvolveram-se em cima desses recursos, e agora temos alguns países que estão começando a explorar esses recursos e vem alguém dizer ‘sinto muito, agora terminou a festa e vocês não podem’”, afirma. “A riqueza produzida pelos hidrocarbonetos não se traduz de uma forma simples em desenvolvimento para um país, como vemos na Nigéria, por exemplo. Foram muito mais exceções os casos em que isso aconteceu – e a Noruega é um bom exemplo. Mas agora estamos vendo a Guiana encontrar reservas importantes e pode ser hoje uma das principais fronteiras de expansão da produção de petróleo no mundo. Quem tem moral para dizer que a Guiana não deve fazer isso? Então que paguem para ela não explorar o recurso que ela tem”, comenta.

Para Nogueira, o foco do debate deveria ser viabilizar a exploração responsável desses recursos, com rigor ambiental e minimização dos riscos graças à ciência, e durante o período em que a transição para um mundo sem petróleo ainda não estiver efetivada.

“Certamente ainda tem muito a ser aprendido pela indústria do petróleo, incorporando uma cultura de proteção e evitar acidentes – que são graves e causam prejuízos enormes. É um tema importante em que é preciso buscar um caminho comum de diálogo: como compatibilizar necessidades de desenvolvimento econômico e social com proteção ambiental”, avalia. “Veja que num governo com um discurso superalinhado à questão ambiental, a exploração de petróleo do Alasca, uma das últimas reservas no território americano, está sendo definida pelo presidente Joe Biden”, destaca.  

Enquanto isso, as grandes petrolíferas ocidentais estão cada vez mais pressionadas a se retirar de projetos relacionados a novos horizontes para o petróleo e o gás. No caso brasileiro, a francesa TotalEnergies e a britânica BP venceram a licitação de blocos da foz do Amazonas, mas acabaram abrindo mão das partes em benefício da Petrobras, que agora detém 100% dos contratos.

“Quando observamos a realidade no terreno, vemos que quando as empresas vão embora e quando os bancos e seguradoras param de apoiar projetos, na maior parte das vezes, o projeto não vai adiante” afirma Marie Toussaint. “Temos uma ofensiva da China, em especial, mas também da Rússia, no continente africano. Eles financiam projetos que os europeus e ocidentais agora estão recusando, afinal são projetos devastadores demais.”

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