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Planeta Verde

COP26 aumenta protagonismo dos indígenas, mas sem participação nas decisões

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A Conferência do Clima de Glasgow marca uma nova era da participação dos povos indígenas nas negociações internacionais sobre o futuro do planeta. Com seus adereços e pinturas corporais tradicionais, eles sempre atraíram olhares e flashes nas cúpulas da ONU, mas pela primeira vez as suas vozes ecoaram nas plenárias principais do evento, discursando diante de chefes de Estado.

Depois de fazer um discurso na plenária da COP26, Txai Surui visitou o pavilhão oficial do Brasil no evento e foi hostilizada por um integrante da delegação brasileira. (01/11/2021)
Depois de fazer um discurso na plenária da COP26, Txai Surui visitou o pavilhão oficial do Brasil no evento e foi hostilizada por um integrante da delegação brasileira. (01/11/2021) Oli SCARFF AFP
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A fala da jovem brasileira Txai Suruí na abertura da cúpula dos líderes, na semana passada, sensibilizou os participantes e consolidou o devido lugar dos indígenas nas COPs: junto à mesa de negociações. "Não é em 2030 ou 2050, é agora. Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática e precisamos estar no centro das decisões que acontecem aqui”, disse Txai, em inglês.

Até pouco tempo atrás, eles faziam barulho com protestos, despertavam o interesse da imprensa internacional e eram uma atração para fotos, mas eram ignorados pelos líderes que negociam os acordos globais sobre as mudanças climáticas.

Desta vez, líderes indígenas como Sônia Guajajara foram recebidos por nomes como o americano John Kerry, enviado especial do governo americano para as questões de clima, e o príncipe Charles, do Reino Unido.

"82% da biodiversidade no mundo está dentro de territórios indígenas. É por isso que não estamos aqui, para dizer que esses territórios tem que continuar sendo protegidos. E para isso, é necessário proteger a vida dos povos indígenas”, frisou Guajajara, durante um evento sobre a Amazônia do jornal New York Times, nesta quarta-feira (10).

Indígenas são "atrações" nas Conferências do Clima, mas não têm um assento oficial nas negociações.
Indígenas são "atrações" nas Conferências do Clima, mas não têm um assento oficial nas negociações. © Lúcia Müzell/ RFI

Fundo inédito para indígenas

Um sinal claro deste reconhecimento foi o anúncio de um fundo inédito de US$ 1,7 bilhão especificamente para os povos originários, para ajudá-los a proteger as florestas. Os recursos serão financiados por governos como Reino Unido, Alemanha, Noruega e Estados Unidos, além de grandes multinacionais.

"Na história da COP, é a maior delegação indígena, a maior presença indígena de todo o globo. Mas é importante frisar que estamos vivendo uma crise irreversível. Os governos entenderam que os indígenas têm um poder importante. É um avanço, sim”, diz Dinamã Tuxá, advogado e integrante da diretoria da Articulação dos Povos Indígenas (Apib). "Além dos espaços de discussão para os povos indígenas, houve o lançamento de um fundo específico para eles. É uma forma de reconhecer que os povos indígenas são parte fundamental nesse processo de combate às mudanças climáticas e aquecimento global”, argumenta.

Dinamã Tuxá, advogado e integrante da diretoria da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), percebe avanços limitados na COP26.
Dinamã Tuxá, advogado e integrante da diretoria da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), percebe avanços limitados na COP26. © arquivo pessoal

Diferentes fundos de apoio aos povos tradicionais já existem, mas essa é a primeira vez que recursos deverão ser encaminhados diretamente para eles, que decidirão sobre os seus rumos de maneira autônomaDinamã ressalta, no entanto, que a criação do mecanismo não contou com a participação dos maiores interessados: os próprios indígenas. Ele afirma que, se os canais de diálogo estão mais abertos, o processo decisório continua integralmente nas mãos das delegações governamentais.

"A nossa incidência nas tomadas de decisão não foi muito efetivada. Mais uma vez, é a lógica não indígena: eles pensam por cima e jogam essas informações para a gente. São decisões que incidem sobre as nossas demandas e nós temos de nos adequar a essa realidade”, lamenta.

Ruptura com o governo brasileiro

Alberto Terena, também dirigente da Apib, frisa ainda que, enquanto o mundo parece admitir o protagonismo dos povos originários nos temas ambientais, a ruptura com o governo brasileiro permanece total. A comitiva indígena na COP26 conta com 40 participantes, um recorde. Já na delegação oficial brasileira, não há nenhum.

Alberto Terena, dirigente da Apib, frisa que, enquanto o mundo parece admitir o protagonismo dos povos originários nos temas ambientais, a ruptura com o governo brasileiro permanece total.
Alberto Terena, dirigente da Apib, frisa que, enquanto o mundo parece admitir o protagonismo dos povos originários nos temas ambientais, a ruptura com o governo brasileiro permanece total. © Lúcia Müzell/ RFI

"Nós temos uma forma de vida e isso não quer dizer que nós estamos atrasados. Somos diferentes e queremos viver assim, com proteção da natureza, e que o mundo compreenda isso, nos ajude a dar continuidade às novas gerações, que tenhamos as nossas terras demarcadas e nos dê segurança de vida, para que a floresta também continue de pé”, destaca Terena. "Enquanto você tem um governo que diz que está pronto para assinar um acordo em defesa do meio ambiente, você tem um ministro que fala que a floresta só tem pobreza. O nosso olhar de povo tradicional e povo indígena é de riqueza. Quando você olha para a floresta só como  algo que dê lucro, talvez você enxergue pobreza”, comenta o líder.

Terena se referia ao discurso oficial do ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite na quarta-feira (10), na plenária da COP. Leite afirmou que "onde existe muita floresta também existe muita pobreza”, uma frase que provocou críticas das organizações da sociedade civil presentes na conferência.

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