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Linha Direta

Viagem de Celso Amorim à Ucrânia tem mais impacto na imagem do Brasil do que na resolução do conflito

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Analistas ouvidos pela RFI não acreditam que o Brasil conseguirá mediar um acordo no atual momento do conflito. A viagem do ex-chanceler, dizem, visa amenizar o mal-estar provocado por declarações do presidente Lula. Celso Amorim será recebido nesta quarta-feira (10) pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

O ministro da Defesa brasileiro, Celso Amorim.
O ministro da Defesa brasileiro, Celso Amorim. Antonio Cruz/ABr
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Raquel Miúra, correspondente da RFI em Brasília

O ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula na área de relações internacionais, percorreu 12 horas de trem da Polônia até a Ucrânia para a reunião com Zelensky, nesta quarta-feira.

Como a Rússia por hora não abre mão de territórios ocupados e a Ucrânia exige a retomada das regiões invadidas, o diplomata brasileiro tentará reabrir um canal de diálogo. O objetivo é que as partes voltem à mesa de discussão. Numa segunda etapa, seriam negociados os pontos de um eventual acordo, no âmbito do que Lula chama de Clube da Paz, com a participação de várias nações.

Analistas ouvidos pela RFI são unânimes em afirmar que as chances de negociar um armistício são remotas. Ainda assim, Antônio Jorge Ramalho, especialista em relações internacionais e professor da Universidade de Brasília, acredita que o esforço brasileiro pode render frutos diplomáticos.

“Ninguém espera que o Brasil consiga levar adiante uma solução para esse conflito neste momento. Mas quem vai se colocar contra uma iniciativa de construção da paz diante da catástrofe como a que estamos vendo? Ninguém. Então do ponto de vista da política externa brasileira, é muito inteligente, porque recoloca o Brasil numa posição de protagonismo no ambiente global ”, afirmou Ramalho à RFI.

Além disso ele ressalta que “esse movimento do Brasil ajuda a colocar em evidência a inoperância do Conselho de Segurança da ONU, reforçando o argumento em favor de sua reforma para torná-lo mais representativo e, quiçá, assim, mais operante.”

Para Ramalho, a China, que recentemente se apresentou como possível mediadora de um cessar-fogo, não conseguiu avançar de fato em propostas concretas. Isso porque, na prática, tem obtido vantagens comerciais e políticas com o atual cenário.

“A China claramente não tem interesse no fim imediato do conflito porque é a maior beneficiária dele até agora. Tanto pela redefinição da sua relação com a Rússia, sobretudo os interesses geopolíticos, quanto pelo acesso a bens primários, especialmente petróleo e gás, a preços mais baratos, além da ocupação de espaços abertos com as sanções comerciais aos russos.”

Recalibrar o discurso

Na véspera do encontro de Celso Amorim com Zelensky e após se reunir em Brasília com o primeiro ministro holandês Mark Rutte, Lula dosou as palavras ao se referir à guerra da Ucrânia.

“A Ucrânia efetivamente não pode aceitar a ocupação do seu território, ela tem que resistir. A União Europeia tem sua razão para a decisão que tomou. E o Brasil e outros países têm sua razão para tentar encontrar um meio-termo. Eu acho que é possível”, disse Lula nessa terça-feira em Brasília após ouvir de Ruttle que a Europa, bem como os Estados Unidos, enviaram armas para os ucranianos porque, caso contrário, a Rússia teria vencido a guerra, dominando uma nação soberana.

O analista internacional Ariel Finguerut, da Unicamp, avalia que a viagem de Amorim visa  recuperar a imagem do Brasil, que aspira ao posto de mediador internacional, mas se viu acuado com as repercussões negativas de declarações do presidente Lula.

“É muito mais uma tentativa do Lula de fazer uma correção de rumo do que um engajamento do Brasil de fato no conflito. O presidente brasileiro insistiu, repetindo em vários locais, que tanto a Rússia quanto a Ucrânia eram ‘culpadas’ pela guerra. Isso teve um custo, não diria grande, mas  o Brasil perdeu um pouco de capital político com essas declarações”, avalia.

O especialista ainda questiona a escolha de Amorim para representar o Brasil na viagem. “Se fosse uma questão importante para o governo, pensando como diplomacia presidencial, o próprio presidente tentaria fazer essa visita. Apesar dos perigos e das complicações de entrar numa região em guerra, outros chefes de governo já fizeram isso. Ou então, se quisesse se mostrar mais neutro, poderia mandar seu chanceler, Mauro Vieira. O fato de mandar um assessor, por mais que seja um assessor de prestígio, alguém que já foi chanceler, simbolicamente, tem pouco peso”, avalia Finguerut.

No início de abril, Celso Amorim esteve na Rússia para conversar com Vladimir Putin. No mesmo mês, Lula recebeu em Brasília o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que passou por alguns países da América do Sul.  “Como o Celso Amorim é o mais experiente diplomata do Brasil, na minha opinião, e um dos melhores do mundo, se ele usar a experiência de eu acho que ele pode trazer boas notícias para nós aqui no Brasil”, justificou Lula.

Impasse

Nelson Gonçalves Gomes, do Departamento de Ciências Sociais da UnB, disse à RFI que a questão dos territórios invadidos, e a postura do governo brasileiro, acabam minando as expectativas de que a investida brasileira tenha algum resultado.

“Essa tentativa do governo brasileiro de chegar lá e dizer ‘olha, vamos falar de paz, vamos chegar aqui a um acordo’, isso pura e simplesmente não tem nenhuma chance, porque Putin não tem como atender a esse tipo de demanda. Para ele, a vitória é a única alternativa aceitável. Se ele sai da guerra sem territórios, sem vitória, ele é deposto”, afirmou Gonçalves.

“O presidente Lula fez essa dupla responsabilização, tanto da Rússia quanto da Ucrânia dizendo que, ‘quando um não quer, dois não brigam’. Isso vale talvez para meninos que brigam na escola, mas não se aplica, de forma alguma, a duas nações soberanas em conflito, quando uma está se defendendo de uma invasão. De modo que, honestamente, não acredito que a viagem do Celso Amorim vá modificar alguma coisa. Ele próprio não tem até agora nenhuma declaração que mostre qualquer plano substancial, realista de modificar a situação.”

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