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Linha Direta

Cem primeiros dias de governo Lula foram de reconstrução; desafio agora é destravar economia

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Na balança política, analistas ouvidos pela RFI dizem que o resultado dos 100 primeiros dias do governo de Lula é positivo pelo restabelecimento das bases institucionais, maior compromisso com meio ambiente e apresentação do novo arcabouço fiscal. O maior desafio é destravar a economia sem base sólida no Congresso.

O presidente Lula fotografado durante a visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Palácio do Planalto, em Brasília, em 30 de janeiro de 2023.
O presidente Lula fotografado durante a visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Palácio do Planalto, em Brasília, em 30 de janeiro de 2023. AP - Eraldo Peres
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Se a avaliação se pautar por novos programas e pelo desempenho econômico, o governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou a desejar e está de recuperação. Mas se a análise captar o ponto de partida, especialistas dizem que é possível elevar o conceito dos três primeiros meses da atual gestão.

O cientista político Cláudio Couto, professor da FGV/ EAESP, afirma que foi “um governo de reconstrução nacional, porque houve um dilaceramento das relações políticas no governo que passou, e também de reconstrução da própria burocracia do Estado, que foi desmantelada em várias áreas no governo Bolsonaro, como meio ambiente, política indígena, área cultural, educação. Todas essas áreas foram desmontadas.”

Ele destaca que muitas ações da equipe de Lula foram retomar projetos lançados pelo próprio PT anos atrás, como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Mais Médicos e o Programa de Aquisição de Alimentos, que é voltado aos pequenos produtores. “Você tem uma reconstrução de políticas às vezes de décadas de implantação, como o Programa Nacional de Imunizações, criado inclusive pelos militares, mas que o governo Bolsonaro operou no sentido de desmontar”, diz.

O que Lula ainda precisa costurar, e não terá como fugir, é a composição de poder com o Congresso, do qual depende a tramitação de várias medidas de interesse do Executivo, e onde o jogo de forças entre Câmara e Senado tem se acirrado.

“Como se não bastasse um Congresso conservador, um Congresso mais empoderado, um núcleo duro bolsonarista fazendo oposição, ainda há aí os caprichos do presidente da Câmara, Arthur Lira, fazendo confusão, querendo legislar fora do que diz a Constituição. Mas é o que temos para hoje”, comenta Couto.

Desafio econômico

De janeiro até aqui o país assistiu a dramas políticos e sociais, da tragédia Yanomami a ataques em escolas, passando pela invasão destruidora de prédios oficiais em Brasília, além de chuva, seca, escândalo das joias, trabalho escravo em vinícolas e até plano para matar ex-juiz da Lava Jato.

Alguns episódios, como os ataques antidemocráticos, deram certo fôlego ao presidente, enquanto crescia a pressão do mercado para que a equipe econômica dissesse como pretende equacionar o pagamento de juros da dívida pública.

Como redes sociais foram usadas para ataques ao Congresso
Como redes sociais foram usadas para ataques ao Congresso AFP - SERGIO LIMA

“O governo Lula 1 é bem diferente do Lula 3. Primeiro que em muitos ministérios as gavetas estavam vazias, faltaram informações do governo Bolsonaro para repassar à equipe que entrava do governo Lula. Segundo que nos primeiros 30 dias de governo, Lula teve que recompor institucional e democraticamente o país. Do lado da economia, foi feito pouco. Foram quase 100 dias para o governo apresentar uma proposta de âncora fiscal”, comentou à RFI Virene Matesco, economista e professora da FGV.

“A política fiscal é a mãe de todas as políticas. A proposta do Haddad é bem estruturada e, se aprovada no Congresso e cumprida, é uma proposta bem razoável. Ocorre que no país nós temos por cultura não cumprir aquilo que nós mesmo elaboramos. Pelas projeções dadas aqui, será um grande desafio cumprir”, pondera Matesco.

E mesmo que a economia seja ainda o calcanhar de Aquiles do novo governo, veio justamente da nova proposta de marco fiscal certo otimismo quanto ao futuro.

O analista Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, acredita que o primeiro passo, a apresentação de uma proposta convincente, foi cumprida. “Havia uma grande expectativa a respeito do chamado novo arcabouço fiscal. A meu ver o ministro Fernando Haddad teve sucesso na apresentação da proposta, uma vez que ela é baseada em controle do gasto e uma meta de resultado primário, com uma banda para controle dessa despesa. Então sempre a despesa crescerá abaixo do desempenho da arrecadação”, explicou Salto.

“Esse é o principal ponto desse começo do governo Lula. Vai colaborar inclusive para haver uma redução da taxa de juros mais cedo do que se previa. Isso vai ajudar, no médio prazo, na recuperação do investimento, do crédito, e do consumo. Mas não vai ser de imediato. Do ponto de vista da política de desenvolvimento e externa, o destaque foi a retomada do acordo Mercosul-União Europeia, que no último governo tinha ficado em último plano”, também destacou o economista.

Desmonte ambiental

Alertas e números do próprio governo mostram aumento do desmatamento no início do ano, o que evidencia o tamanho do desafio numa área em que são gigantes as expectativas, inclusive de outros países, em torno da gestão Lula/Marina Silva.

A avaliação de ambientalistas é de que a troca do presidente da República permitiu identificar o tamanho da tragédia Yanomami e tomar ações contra o garimpo ilegal, além de o país reassumir compromissos internacionais sobre clima e floresta.

Malu Ribeiro, diretora executiva da ONG SOS Mata Atlântica, disse à RFI que uma das principais mudanças foi chamar de novo a sociedade civil para integrar órgãos importantes da gestão ambiental, como o Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, prática que havia sido abolida nos últimos anos. Ela também cita a reestruturação do Ibama e a retomada das fiscalizações, congeladas no governo passado, mas destaca a dificuldade em reduzir os números da devastação.

O presidente eleito Lula durante encontro com governadores dos estados amazônicos durante a COP27, no Egito.
O presidente eleito Lula durante encontro com governadores dos estados amazônicos durante a COP27, no Egito. © AFP - JOSEPH EID

“Existem ainda heranças malditas do governo anterior, armadilhas que foram deixadas, por exemplo, as medidas provisórias que atacam e acabam com a lei da Mata Atlântica e o Código Florestal. E esses sinais deixados pelo governo passado, principalmente em relação à liberação geral e à anistia para desmatamento, fazem com que aqueles que vinham desmatando continuem nesse rumo.”

“Não vai ser fácil fazer com que o desmatamento caia e que num governo com 37 ministérios, como é a nova composição do governo brasileiro, essa agenda ambiental avance de uma hora para a outra, de um governo de desmonte para um governo de reconstrução. E há muito o que fazer para tirar do papel as várias promessas na área ambiental. Será preciso que o governo assuma essa negociação com o Congresso, que haja punição a quem comete crime ambiental, além de pressão e cobrança da sociedade”, disse Ribeiro.

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