Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Chile: apoio a Boric dependerá do diálogo entre legislativo e executivo, diz especialista

Publicado em:

Cerca de 8,2 milhões eleitores foram às urnas neste domingo (19) escolher o novo presidente do Chile. O processo eleitoral histórico foi marcado pela polarização entre o candidato José Antonio Kast, de ultra direita e Gabriel Boric, de esquerda, que venceu as eleições e deve governar o país pelos próximos quatro anos.

Simpatizantes do novo presidente do Chile, Gabriel Boric, celebram sua vitória neste domingo
Simpatizantes do novo presidente do Chile, Gabriel Boric, celebram sua vitória neste domingo AP - Matias Delacroix
Publicidade

Camilla Viegas, correspondente da RFI no Chile

Aos 35 anos, Boric é o presidente eleito mais jovem não só do Chile, mas também das Américas, com 55,8% dos votos. Kast conquistou 44,1% dos votos contabilizados. O novo presidente deve tomar posse em 11 de março de 2022, quando começará a trabalhar no Palácio de La Moneda, sede do poder executivo no país. Por volta das 7h15 da noite do domingo, o Serviço Eleitoral do Chile já havia contabilizado 56% das urnas e Gabriel Boric já figurava como vencedor da disputa. O candidato José Antonio Kast reconheceu a derrota. "A partir de hoje ele é o Presidente eleito do Chile e merece todo o nosso respeito e colaboração construtiva”, declarou.

Boric discursou para centenas de pessoas no centro de Santiago, em uma celebração que contou com a participação de músicos chilenos, em um show aberto à população, que entrou pela madrugada. O novo presidente discursou por volta das 22h e agradeceu a todos os eleitores que foram votar e também aos seus opositores de primeiro e segundo turnos.

Ele ressaltou sua preocupação com a democracia e destacou os acordos que deve fazer para garantir sua governabilidade: “O progresso, para ser sólido, deve ser fruto de amplos acordos. E para durar, deve ser sempre passo a passo, gradativo, para não inviabilizar ou arriscar o que cada família conquistou com seu esforço”.

Partidários de Boric celebram resultados nas ruas do Chile.
Partidários de Boric celebram resultados nas ruas do Chile. JAVIER TORRES AFP

Quem é Boric?

Eleito, Gabriel Boric deverá se afastar de seu cargo atual como deputado pela região de Magallanes, região onde nasceu, que fica no sul do Chile. Ele tem 35 anos e se tornou uma figura conhecida no cenário político chileno após os protestos por uma reforma educacional em 2011, durante o primeiro mandato do presidente Piñera. Ele foi um dos líderes dos protestos estudantis daquele ano e porta-voz da Confederação Estudantil. 

Na época, as manifestações mostraram ao mundo os problemas do sistema atual de ensino superior no país, marcado pelo baixo nível de financiamento público, forte presença do setor privado e endividamento de estudantes. O momento foi propício para o surgimento de figuras como Boric e de seus colegas, os ex-líderes estudantis Giorgio Jackson, Camila Vallejo e Karol Cariola. Hoje, todos são deputados eleitos em exercício.

Para concorrer às eleições presidenciais, Gabriel Boric formou a aliança partidária de esquerda “Apruebo Dignidad”, composta pelo Convergência Social, partido de Boric, pelo Partido Comunista e por pelo menos mais sete partidos de esquerda. Após os resultados do primeiro turno, o candidato eleito buscou apoio nos setores de centro-esquerda que compunham a extinta Concertação (Concertación), um conglomerado de partidos políticos que governou o Chile entre 1990 e 2010, que foi chamada de Nova Maioria (Nueva Mayoría) a partir de 2013.

Os dois candidatos  Jose Antonio Kast et Gabriel Boric, em dez dezembro, no Chile
Os dois candidatos Jose Antonio Kast et Gabriel Boric, em dez dezembro, no Chile Getty Images - Marcelo Hernandez

Apoio do Partido Socialista

Boric foi apoiado pelo Partido Socialista, tendo sido o ex-presidente Ricardo Lagos (2000 - 2006) quem declarou o respaldo logo após os primeiros resultados do primeiro turno. Michelle Bachelet, ex-presidenta do Chile e hoje Alta-Comissária para os Direitos Humanos da ONU, também anunciou apoio a Boric. O Partido Democrata Cristão, de sua adversária de primeiro turno Yasna Provoste, também ofereceu “bandeira branca”, embora tenha destacado que será oposição crítica ao futuro governo de Boric.

Além disso, durante a campanha rumo ao segundo turno, Boric também sinalizou à centro-esquerda com o convite dos economistas Eduardo Engel e Andrea Repetto à sua equipe econômica do novo governo. “Essa convocatória fala muito bem de um candidato aberto às boas ideias e com capacidade de colocá-las em ação”, disse Repetto em uma entrevista a uma rádio local.

O Congresso que o novo presidente vai encontrar 

Além de ter sido a data do primeiro turno, em 21 de novembro os chilenos também votaram para senadores e deputados. O pleito, que elegeu os 155 membros da Câmara dos Deputados, consolidou o recuo da centro-esquerda (Ex-Concertação mencionada acima), que ficou com 37 vagas. Enquanto isso, a esquerda da aliança Frente Ampla com Partido Comunista avançou e teve uma quantidade similar de deputados eleitos, empatando as forças com a centro-esquerda e somando 74 deputados. 

Já os partidos de direita conseguiram eleger 68 representantes. A aliança Chile Podemos Mais (antiga Chile Vamos), do atual presidente chileno Sebastián Piñera, conseguiu 53 lugares e a aliança Frente Social Cristã, formada pelo Partido Republicano e pelo Conservador Cristão, obteve 15 lugares. Isso marcou um crescimento da presença de deputados de direita conservadora, que se uniram à campanha de José Antonio Kast para chegar à Câmara, obtendo mais lugares do que o seu rival histórico, o Partido Socialista, que conseguiu eleger 13 deputados.

Seis foram os candidatos do Partido da Gente que chegaram à Câmara após pegarem carona na campanha de Franco Parisi, que obteve 13% dos votos no primeiro turno, tendo feito sua campanha totalmente online direto dos Estados Unidos onde mora atualmente. Sete candidatos independentes, que não pertencem a nenhuma das grandes alianças citadas acima, completam os 155 lugares na Câmara dos Deputados do Chile.

“Essa situação outorga um protagonismo especial aos pequenos partidos, sobretudo a agrupações recentes como o Partido da Gente. Porque, na prática, eles terão a ‘última palavra’. Estamos falando de seis parlamentares que podem ser decisivos na hora de votar temas polêmicos. Desde cedo vai haver problemas para legislar e para aprovar aqueles  projetos de lei que exijam um quórum alto”, explica Octavio Avendaño, Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Firenze e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile. 

Diálogo necessário

Neste contexto, o professor Miguel Ángel López, do Instituto de Assuntos Públicos e do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile, explica que o apoio ao novo presidente vai depender do diálogo entre os poderes legislativo e executivo: “Um presidente que tenha uma política considerada muito extrema ou polarizante, vai implicar que os distintos grupos da Câmara votem como blocos”..

O Senado é atualmente composto por 43 membros, mas em 2022 terá 50 como resultado do cumprimento da lei 20.840, promulgada pela ex-presidente Michelle Bachelet em 2015. Diferente da Câmara, a casa não se renova totalmente a cada 4 anos, isso porque o mandato dos senadores é de 8 anos. Neste ano, nove das 16 regiões do país votaram para senador (as regiões pares e a Região Metropolitana de Santiago). Os novos senadores eleitos dividirão o lugar em plenário com os que foram eleitos em 2018 e que seguem o mandato até 2026.

A volta do Partido Comunista ao Senado foi uma grande surpresa, já que desde o governo de Salvador Allende, presidente que sofreu o golpe militar de Augusto Pinochet, não havia senadores comunistas na casa. Foram 2 os candidatos deste partido que conseguiram vagas na câmara alta: Claudia Pascual e Daniel Núñez. O partido de José Antonio Kast conseguiu inserir um representante no Senado, o Rojo Edwards, ferrenho defensor das ideias de Kast. 

Além disso, uma das figuras mais marcantes dos protestos de 2019, Fabiola Campillai, uma mulher que ficou cega após o impacto de balas de borracha disparadas pela polícia em repressão aos manifestantes, foi eleita como senadora. Fabiola se candidatou como independente e seu discurso tem viés de esquerda.

Homens serão maioria no Senado

Em 2022, os homens serão maioria no Senado chileno, eles ocuparão 38 lugares (76%) e as mulheres ocuparão 12 (24%). Mais de 60% dos seus membros terão entre 50 e 69 anos e o cenário está balanceado entre senadores alinhados à esquerda e à direita: Chile Podemos Mais tem 24 senadores, enquanto que Aprovo Dignidade e Novo Pacto Social (Ex-Concertação) têm cinco e 18 senadores respectivamente. 

“No Senado, temos um cenário similar ao da Câmara, com a diferença de que há muito menos fragmentação entre os senadores do que entre os deputados. Então, será possível que os senadores cheguem a acordos e votem mais vezes em grupos. [...] Boric vai precisar moderar em parte as suas propostas ou fazer mudanças brandas e paulatinas, para que veja seus projetos sendo aceitos, mais em médio do que no curto prazo”, explica o professor Miguel Ángel López.

“Vai ser fundamental que o novo presidente estabeleça canais de comunicação com os parlamentares da nova oposição em níveis superiores ao que hoje existe no atual governo e maior ainda do cenário da atual assembleia constituinte, onde a direita está supra-representada e não tem sequer ⅓ dos votos para tramitar algumas iniciativas que estão sendo discutidas”, finaliza o professor Avendaño.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.