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Linha Direta

Gravidez de menina de 11 anos após estupro incita debate sobre aborto na Bolívia

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Militantes pró e contra o aborto fazem manifestações diante das igrejas nas principais cidades da Bolívia devido ao caso da gravidez de uma menina de 11 anos, atualmente, com 23 semanas de gestação. Durante meses, a menor de idade foi estuprada pelo pai de seu padrasto, um homem de 61 anos, em Yapacaní, cidade do sudeste do país. 

Militantes feministas saíram às ruas da Bolívia para denunciar a intromissão da Igreja Católica em caso de menina que engravidou após estupro.
Militantes feministas saíram às ruas da Bolívia para denunciar a intromissão da Igreja Católica em caso de menina que engravidou após estupro. AP - Juan Karita
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Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas

Desde 2014, a legislação boliviana autoriza o aborto em caso de risco à vida da mãe, estupro ou quando é fruto de incesto. Segundo o Código Penal do país, uma gestação pode ser interrompida após a formalização da denúncia de estupro e com o consentimento da vítima, eliminando assim a exigência de uma autorização judicial. 

A família da menina decidiu pelo aborto e ela chegou a ser levada um hospital de Santa Cruz de la Sierra, uma das principais cidades da Bolívia. Mas quando os meios de comunicação divulgaram o caso, representantes da Igreja Católica foram ao local e convenceram a criança a levar a gravidez adiante. 

A menina foi levada a um abrigo administrado por católicos no último 26 de outubro. De acordo com policiais que acompanham o caso, a Igreja teria oferecido à família da menor pagamentos mensais para que a gestação fosse mantida. 

A garota começou a ser alvo de violências sexuais em fevereiro deste ano, quando a mãe foi trabalhar em outra cidade e a deixou sob os cuidados da família do padrasto. O pai dele, um homem de 61 anos, passou a estuprar a menina cotidianamente. A gravidez só foi descoberta no quinto mês, quando ela contou a um familiar que algo se mexia em sua barriga. 

Uma tia da menina formalizou a queixa na polícia contra o estuprador. Ele está em um presídio de segurança máxima da Bolívia. 

Estado x Igreja

O caso mobiliza o governo boliviano. O ministro Eduardo del Castillo afirmou nas redes sociais que “quando uma menina de 11 anos é obrigada a dar à luz fruto de um estupro, todos os seus direitos estão sendo violados”. “Lamentamos que algumas instituições tomem a posição de autoridade para impedir a interrupção legal de uma gravidez sob critérios de moral”, reiterou o ministro.

A defensora pública Nadia Cruz afirmou que a atitude da Igreja católica é “criminosa” e que estão “torturando uma menina”. Cruz informou que o caso será denunciado ao Vaticano e que serão abertas ações contra as instituições médicas e religiosas envolvidas no drama. "De acordo com os relatórios que acessamos, a forma como ela foi pressionada e encurralada por membros da Igreja, gerou dúvidas e medo na menor para que ela recuasse em sua decisão de interromper legalmente a gravidez ", afirmou.

A representação das Nações Unidas na Bolívia afirma que “submeter uma menina a uma gravidez forçada é qualificado como tortura”. "A gestação de uma criança não só põe em risco a sua vida, a sua saúde e o seu projeto de vida, mas também ameaça a sua saúde mental e emocional, a sua autonomia corporal, incentivando e reforçando as desigualdades, o ciclo da pobreza e discriminação", disse a ONU em um comunicado.

O movimento feminista "Mulheres Criando" denunciou a maternidade onde a menor aguardava para fazer o aborto, a Defensoria da Criança de Santa Cruz e a Igreja pela “intromissão em um tema de saúde pública ao não permitir a interrupção da gestação provocada por estupro”.

Para a defensora Nadia Cruz, ainda é possível fazer o aborto porque a menina está atualmente na 23a semana de gestação. Mas, segundo ela, “é preciso esperar pela decisão da justiça”. “Trata-se do direito da menor quanto à sua integridade física, sua vida e seus direitos”, ressaltou.

Na Bolívia, os únicos requisitos legais para a realização do aborto em uma menor é que exista a denúncia de estupro e o aval de um dos seus tutores. No entanto, muitas vezes os médicos se negam a fazer o procedimento alegando motivos religiosos. O Ministério da Saúde da Bolívia, com base no regulamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), estabelece o limite de 22 semanas de gestação.

Mãe é privada de contato com a menor

A mãe não tem mais contato com a garota. “Desde que a levaram [do hospital para o abrigo] não me permitem vê-la e não me disseram o motivo. Apenas informaram que ela está bem e que só poderei visitá-la após receber um aviso da Defensoria”, disse.

A Igreja Católica tem abrigos espalhados pela Bolívia para cuidar de menores de idade estupradas e prestes a dar à luz. Nestas casas há o cuidado para que as jovens gestantes não saiam do local sem o acompanhamento de um representante católico para evitar uma possível mudança de ideia e interrupção da gravidez.  

Em comunicado, a Igreja afirma que a “única solução é salvar, cuidar e apoiar com amor as duas vidas”. Segundo a nota, “à menina e à criatura em seu ventre estão sendo dadas hospitalidade gratuita, apoio material, médico psicológico e espiritual para a maternidade e o período após a gestação”. 

No último domingo (31), grupos pró-aborto se manifestaram diante de igrejas católicas nas principais cidades da Bolívia. A fachada da catedral de Santa Cruz de la Sierra foi pichada com tinta vermelha. O arcebispo e presidente da Conferência Episcopal da Bolívia (CEB) pediu à polícia para proteger o local, construído entre 1770 e 1838 e considerado patrimônio histórico da cidade.

109 casos de gravidez de menores por dia

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2020, foram registradas 39.999 gestações entre meninas e adolescentes em toda a Bolívia. Este número significa que por dia são descobertos 109 novos casos de gravidez de menores de idade, cujas as idades variam entre 10 e 19 anos.

Segundo a Defensoria Pública da Bolívia, apenas entre garotas com idades inferiores a 15 anos são registradas seis novas gestações diariamente. Entre 2014 e 2019 foram contabilizadas 13 mil menores de idade grávidas. Deste número, apenas 543 recorreram ao aborto legal.  

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