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Linha Direta

Congresso argentino inicia debate sobre legalização do aborto com transmissão ao vivo em telões

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A Câmara de Deputados da Argentina começa a tratar da legalização do aborto, um assunto que o governo enfrenta com outro argentino de peso: o Papa Francisco. Apesar do forte crescimento do movimento feminista na Argentina, as pesquisas têm apontado a um aumento da rejeição ao aborto. Diante do Congresso, os grupos pró-vida e os grupos pró-aborto começaram uma vigília que virou a primeira madrugada e que vai virar a segunda até a votação na sexta-feira.

Congresso argentino amanhece pronto para o debate pela legalização do aborto
Congresso argentino amanhece pronto para o debate pela legalização do aborto © Márcio Resende.
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A partir das 11 da manhã desta quinta-feira (10), a Câmara de Deputados começa a debater a legalização do aborto. A expectativa é de uma sessão que pode durar até 30 horas, levando a votação até sexta-feira (11). A tendência é que a Câmara de Deputados, apesar da paridade de forças, dê meia sanção à legalização do aborto.

Dos 129 votos necessários, 123 já se declararam a favor. Faltam apenas seis votos entre 24 indecisos, a maioria governista. Os deputados abertamente contra a legalização somam 109 votos.

O debate será transmitido ao vivo em telões nas principais praças das maiores cidades do país, mas o epicentro das manifestações será em frente ao Congresso, onde cada grupo, pró e contra, terá um espaço exclusivo e delimitado por divisórias.

Do lado esquerdo, ficam os favoráveis, na sua maioria militantes feministas. Levam lenços verdes sob o lema de "aborto legal, seguro e gratuito". Para esse grupo, o aborto é uma realidade que deve ser legalizado para salvar a vida das mulheres que se expõem ao risco de uma intervenção na clandestinidade.

"Os abortos acontecem por mais que não sejam legais. A questão é como. A consequência da clandestinidade acarreta danos à saúde daquelas mulheres que não podem pagar um aborto. Legalizar o aborto implicaria condições seguras para as pessoas que decidirem interromper o a gravidez", explica à RFI Florencia Sarmiento (23), estudante de Física e presidente do centro estudantil na Universidade de San Martín.

"O aborto clandestino é um recurso político para controlar o corpo das mulheres. Se a mulher não pode ser dona do seu corpo, o Estado gera uma mensagem de desigualdade entre os gêneros que tem implicâncias em outros aspectos da vida, como a violência machista", acrescenta Sofia Yalj Harteker (25), estudante de História.

Do lado direito do Parlamento, ficam os contrários, denominados "pró-vida", na sua maioria ligados a grupos religiosos. Usam lenços azuis e defendem o lema "salvemos as duas vidas", a da mulher e a do feto. Para esse grupo, o aborto é literalmente um assassinato e existem alternativas, como a doação.

"Com esse argumento de que o aborto é uma realidade que não deixará de existir, podemos comparar com os estupros que também existem. Vamos legalizar os estupros?", questiona à RFI Gonzalo Roselli (33), professor de Filosofia e militante num grupo pró-vida de assistência a crianças e mulheres vulneráveis em favelas da periferia de Buenos Aires.

"A evidência científica é de que a vida humana se inicia com a concepção e o primeiro direito de um ser humano é o direito à vida. O aborto atenta contra esse direito básico à vida. Não podemos legalizar um delito. É matar um ser humano", conclui Gonzalo.

"Essa legalização pretende interromper o que existe de mais sagrado: o nascimento. Estão desvirtuando a essência da vida", concorda a comerciante Verónica Benussi (59), para quem as defensoras do direito ao aborto banalizam o valor da vida.

"Usam o aborto como método anticonceptivo, mas é assassinato porque a vida já está concebida. Depois geram um dano psicológico irreversível. Essas meninas estão banalizando o aborto. Não têm noção do valor da vida", aponta.

Os organizadores das manifestações em frente ao Congresso prometem distribuição de máscaras e álcool em gel, mas poucos acreditam que o distanciamento social seja respeitado.

Projeto Mil Dias

A legalização do aborto vem acompanhada de outro projeto, uma espécie de compensação, criada para diminuir a resistência dos que são contra. É o chamado "Projeto dos Mil Dias", um programa de assistência durante a gravidez e os dois primeiros anos da infância. Foi pensado para aquelas mulheres que querem ser mães, mas não têm condições financeiras.

Esse programa é classificado pelos grupos contrários ao aborto como uma "estratégia enganosa" do governo.

"O plano de Mil Dias é para nos enganar. O governo pretende, com isso, deixar-nos satisfeitos como se esse plano compensasse a aprovação do aborto", acusa Gonzalo Roselli.

O programa colhe críticas até mesmo entre as militantes feministas. "É um programa pensado para o grupo contra o aborto, mas é insignificante no montante e insuficiente na duração. É mais uma das leis de fachada deste governo que posa de progressista, mas que não implica uma melhora para as mulheres pobres que decidem ter filhos", critica Florencia Sarmiento.

"Uma migalha que não garante as condições materiais para a infância", reforça Sofia Yalj Harteker.

Maioria contra o aborto

As últimas sondagens indicam que uma maioria rejeita o aborto, diferentemente de dois anos atrás quando o Congresso também tratou da legalização do aborto. Em 2018, a paridade entre prós e contra era total.

A consultora Giacobbe e Associados calcula que 60% da sociedade é contra o aborto. Apenas 26,7% querem a legalização. Outros 12,9% disseram não ter uma opinião formada.

"Foi uma surpresa. Boa parte da sociedade reviu a sua posição e não quer a lei tal como está hoje. O clima político de agora não é o mesmo de 2018. O assunto caiu na polarização da política partidária e as pessoas associam a lei como um projeto do atual governo", avalia o responsável pelo estudo Jorge Giacobbe, para quem outra explicação para a perda de apoio foi a radicalização do discurso e das ações dos grupos feministas.

Outra pesquisa, a da consultora Opinaia, que costuma trabalhar para o governo, também detectou que 49% da população é contra o aborto. Os favoráveis somam 35% e os que não têm uma opinião formada, 16%.

Para o presidente Alberto Fernández, cuja imagem positiva é de apenas 30,7%, a aposta na legalização do aborto permitiria exibir alguma força política no meio de medidas impopulares de ajuste, justamente no dia em que completa um ano de governo.

"O governo precisa apresentar alguma medida progressistas num mar de medidas anti-populares. Por isso, precisamos estar mobilizadas para enfrentar a ofensiva do governo", adverte Sofia Yalj.

O projeto em debate

O projeto declara legal e gratuito o aborto até a 14ª semana de gravidez. Acima desse limite, só se houver risco de vida para a mulher, má formação do feto incompatível com a vida ou em caso de estupro.

Os médicos que alegarem ser contra a prática poderão exercer a chamada "objeção de consciência". Nas últimas horas, essa objeção foi estendida também para as instituições, hospitais e clínicas, como uma forma de o assunto ter menos resistência no Senado. Diversas instituições de Saúde estão ligadas à Igreja Católica.

Além disso, as adolescentes entre 13 e 16 anos de idade deverão estar acompanhadas. Até horas atrás, o projeto dizia que essas meninas tinham maturidade suficiente para decidirem.

Os homens não terão opinião na decisão da mulher. Não haverá nenhum período de reflexão para a mulher nem limite na quantidade de abortos permitido

O prazo para a realização do aborto é de 10 dias. Os movimentos feministas queriam que fossem cinco.

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