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Bênção do Vaticano a casais do mesmo sexo é criticada por bispos na França; Grécia discute casamento gay

A arquidiocese de Rennes, que tem autoridade religiosa sobre as regiões francesas da Bretanha e o Pays de Loire, publicou um texto sobre a bênção de casais do mesmo sexo defendida pelo Vaticano, limitando seu escopo a bênçãos individuais, segundo divulgação nesta sexta-feira (5). O texto, datado de 1º de janeiro, refere-se à Declaração "Fiducia supplicans", de 18 de dezembro, publicada pelo dicastério (ministério) do Vaticano para a Doutrina da Fé.

Um arco-íris brilha sobre a Praça de São Pedro, no Vaticano, em 31 de janeiro de 2021.
Um arco-íris brilha sobre a Praça de São Pedro, no Vaticano, em 31 de janeiro de 2021. © AP / Alessandra Tarantino
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O texto do Vaticano afirma que "é apropriado abençoar espontaneamente, individualmente, cada uma das duas pessoas que formam um casal, qualquer que seja sua orientação sexual, que pedem a bênção de Deus". No atual contexto social, "é, portanto, correto, como a Declaração enfatiza (...), não contribuir para a criação de 'confusão'" com o sacramento do matrimônio, que é estritamente reservado pela Igreja para casais heterossexuais, de acordo com a Arquidiocese de Rennes no texto assinado pelos bispos das nove dioceses envolvidas.

Os bispos também destacam que, embora a nota do Vaticano estipule que "é possível abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo", trata-se de uma "possibilidade - que não é, portanto, uma obrigação-". "De fato, ela (a Declaração) nos convida a fazer um discernimento", argumentam.

Na verdade, o que os bispos franceses destas regiões propõem é abençar "separadamente" cada uma das pessoas do casal. Entrevistado pela RFI, o ex-presidente da associação francesa A palavra libertada ("La parole libérée", no original), François Duvaux, não consegue conter o riso. "Francamente, não faço a menor ideia do que isso possa significar", ironiza.

"Temos que lembrar que antes de Cristo havia Sócrates, que buscava a verdade do que somos junto a nós mesmos. É muito surpreendente, na minha opinião, procurar uma benção de alguém que não quer dá-la de jeito nenhum. O que seria, enfim, mais importante, do que se unir à pessoa que amamos? É surpreendente ir buscar uma coisa que não se terá", argumenta. "Isso é bastante destrutivo como caminho", critica Duvaux. 

Sobre a manutenção do status de casal a heterossexuais pela Igreja Católica, "esse debate será difícil de racionalizar", diz o ativista. "A Igreja Católica em seu projeto institucional trai o Evangelho, e tudo o que está escrito nele, creiamos ou não. O ensinamento bíblico se encontra em exata oposição ao que representa essa igreja, dentro da normalização daquilo que precisa ser feito. Há uma necrose teológica nesse sentido", martela Duvaux. 

Ele acredita que a crise no seio da igreja católica francesa seja anterior mesmo às recentes posições mais progressistas do Papa Francisco. "Estamos questionando o sentido disso tudo, nossa ambição, o que é ser crente e o que não é, crer no que, e também a virtude desse credo. Quando essa virtude esbarra na política, em jogos de normalização ou de dominação, como o que fizemos quando construímos a imagem do celibato para os padres, que se torna a transmissão do sagrado, automaticamente podemos deduzir que o católico se encontra um pouco longe do que Jesus queria transmitir. Entregar sua própria consciência na mão de outra pessoa nunca foi a mensagem do Cristo", afirma.

Casais "irregulares"

No documento do Vaticano, o dicastério autorizou a bênção de casais "irregulares" aos olhos da Igreja, incluindo casais recasados e casais do mesmo sexo, desde que fosse realizada fora dos rituais litúrgicos.

O bispo de Bayonne, Dom Marc Aillet, conhecido por sua posição conservadora, também se manifestou a favor das bênçãos individuais em uma nota publicada em 23 de dezembro. "Convido os padres da diocese", diante desses casais, "a darem boas-vindas benevolentes" e, "se as pessoas solicitarem, a dar-lhes uma bênção, com a condição de que seja para cada pessoa individualmente".

O bispo de Poitiers, Dom Pascal Wintzer, por outro lado, não vê "nenhuma objeção em colocar em prática o que esse texto romano propõe, porque é um texto que tanto autoriza quanto estabelece limites". Ele "faz distinções claras entre o matrimônio como é entendido na Igreja Católica, que é o vínculo estável entre um homem e uma mulher, e outros tipos de união, assim como existem outros tipos de família", disse.

Contatada pela agência AFP, a Conferência Episcopal não quis comentar enquanto aguarda um "conselho permanente da CEF", programado para a próxima semana em Paris". A bênção de casais do mesmo sexo será discutida na terça-feira, "um assunto que merece debates do colegiado", disse a CEF, sem dar mais detalhes.

Desafio à doutrina?

Por sua vez, o Vaticano enfatiza "a necessidade de um período mais longo de reflexão pastoral" para entender o conteúdo do texto. O documento "permanece claro e clássico sobre o matrimônio e a sexualidade", diz o comunicado de imprensa do Vaticano, de modo que não há razão para ser considerado "herético, contrário à tradição da Igreja ou blasfemo". 

Como garantidora do dogma, a Doutrina da Fé deseja tranquilizar aqueles que temem que a bênção de casais do mesmo sexo possa um dia abrir a porta para o reconhecimento de uniões homossexuais. O documento do Vaticano reconhece a diversidade dos contextos culturais locais onde a homossexualidade é, às vezes, criminalizada.

"Se existem leis que condenam o simples ato de se declarar homossexual à prisão e, em alguns casos, à tortura ou até mesmo à morte, é compreensível que uma bênção seja imprudente", aponta o comunicado à imprensa. No entanto, é importante que certas conferências episcopais "não defendam uma doutrina diferente daquela da declaração aprovada pelo Papa" em dezembro de 2023. 

Em nenhuma circunstância, lembra o Vaticano, essas novas bênçãos são "uma consagração da pessoa ou do casal que as recebe, nem uma ratificação da vida que levam. Elas são simplesmente a resposta de um pastor a duas pessoas que pedem a ajuda de Deus". Essa é uma alusão, sem nomeá-los, a vários países africanos onde os bispos expressaram preocupação com a autorização para abençoar uniões homossexuais.

Casamento gay inflama a Grécia

O líder do principal partido de oposição da Grécia, o Syriza, anunciou nesta sexta-feira (5) que apresentaria em breve um projeto de lei para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto o atual primeiro-ministro parece querer adiar a implementação dessa promessa. "Pedi para apresentar (...) o projeto de lei sobre casamento para todos assim que o parlamento reabrir" após o recesso de fim de ano, escreveu Stefanos Kasselakis em rede social.

"Depois da decisão de ontem (quinta-feira) do primeiro-ministro de adiar seu próprio projeto de lei, essa é minha única opção", disse ele. Kasselakis reagia às declarações feitas pelo chefe do governo conservador, Kyriakos Mitsotakis, que disse na quinta-feira para não colocar "a carroça na frente dos bois. Primeiro explicaremos o que queremos fazer e depois falaremos sobre o cronograma".

A mídia grega interpretou essa frase como uma indicação de que o governo de direita queria adiar a apresentação de um projeto de lei com esse fim. Imediatamente após sua reeleição em junho, Kyriakos Mitsotakis anunciou que pretendia legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo durante seu segundo mandato, dizendo que a sociedade grega já estava pronta.

Mas em um país onde a Igreja Ortodoxa exerce uma influência importante e onde uma grande parte da população considera que a família formada por pais de sexos diferentes é a base da sociedade, sua iniciativa provocou reações intensas. Vários políticos da direita anunciaram sua oposição a uma reforma que legalizaria a adoção de crianças por casais do mesmo sexo.

Condenação de educação de crianças por casais homossexuais

Em um texto de 1.500 páginas, a Igreja Ortodoxa, conhecida por sua postura conservadora, também expressou sua forte oposição. Em particular, ela condena a educação de crianças por casais homossexuais, alegando que elas são tratadas como "acessórios" e "animais de estimação".

A maioria dos gregos (52%) é a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas 47% dos entrevistados não querem o "reconhecimento legal dos filhos de casais do mesmo sexo", de acordo com uma pesquisa da empresa de pesquisa de opinião Pulse para o canal Skai.

É improvável que o governo faça qualquer progresso na questão antes das eleições europeias em junho, por medo de perder os votos da ala mais conservadora do partido governista Nova Democracia (ND).

A Grécia promove a união civil desde 2015. Mas para casais do mesmo sexo com filhos, somente o pai biológico tem direitos sobre essas crianças.

(RFI e AFP)

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