Acessar o conteúdo principal

Guerra de narrativas: fake news desumanizam vítimas na Síria e em Gaza

Nas redes sociais, um vídeo que mostra crianças sírias ensanguentadas após uma explosão foi falsamente associado a Gaza, ilustrando uma tendência preocupante de desinformação que, segundo os especialistas, desumaniza as vítimas das guerras na Síria e no território palestino.

Crianças palestinas em Rafah, na Faixa de Gaza. Imagens e vídeos de conflitos na Síria são compartilhados como se fossem em Gaza.
Crianças palestinas em Rafah, na Faixa de Gaza. Imagens e vídeos de conflitos na Síria são compartilhados como se fossem em Gaza. REUTERS - IBRAHEEM ABU MUSTAFA
Publicidade

Desde o início do conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, em 7 de outubro, a Internet tem sido inundada com imagens que mostram os horrores da guerra. Mas algumas delas são fotos e vídeos tirados fora do contexto para atrair mais atenção.

Jornalistas da AFP especializados em verificação de fatos revelaram que fotos e vídeos, em particular da guerra na Síria, foram apresentados como imagens da Faixa de Gaza.

Amplamente difundido nas redes sociais, um vídeo filmado por uma professora numa escola da aldeia de Afes, no noroeste da Síria, mostra crianças visivelmente aterrorizadas após um bombardeio das forças governamentais em 2 de dezembro.

As equipes de resgate dos Capacetes Brancos (grupo de socorristas voluntários) que operam em áreas rebeldes na Síria disseram à AFP que estilhaços atingiram as salas de aula e feriram vários estudantes. Uma professora morreu devido aos ferimentos.

A filmagem foi feita tendo como pano de fundo a guerra civil da Síria, que começou em 2011, mas alguns usuários afirmaram que o vídeo mostrava atiradores israelenses abrindo fogo contra crianças na Faixa de Gaza.

"Não é uma ficção"

Para Ismail al-Abdallah, voluntário dos Capacetes Brancos, a difusão destas informações falsas minimiza “a gravidade dos verdadeiros horrores enfrentados pelos civis” no território palestino e na Síria.

“Nossa história não é uma ficção que as pessoas podem simplesmente modificar para inventar outra história”, criticou em entrevista à AFP.

Outro vídeo, que pretende mostrar os horrores sofridos pelos civis em Gaza, onde as crianças estão entre as mais afetadas pela guerra, foi, na verdade, filmado na Síria em 2014. Mostra um rapaz em lágrimas após a morte dos seus irmãos e irmãs.

Uma fotografia de 2013, que mostrava crianças sírias mortas envolvidas em mortalhas, também foi compartilhada por uma congressista dos EUA.

Estas imagens desviadas ofuscam as captadas pelos jornalistas que atuam no local, correndo risco de morte e, segundo os especialistas, também confundem a compreensão dos conflitos.

“O objetivo da desinformação não é apenas fazer as pessoas acreditarem em mentiras, mas também dividir”, disse à AFP Lee McIntyre, pesquisador da Universidade de Boston.

Entre aqueles que se utilizam de imagens antigas estão também influenciadores de alto nível. É o caso do norte-americano Jackson Hinkle, que em novembro compartilhou um vídeo de uma mulher segurando um brinquedo e descendo as escadas de um edifício atingido por estilhaços, com a seguinte legenda: “Não se pode quebrar o espírito palestino”.

Na verdade, o vídeo foi filmado em 2016 na cidade síria de Homs, revelaram jornalistas da AFP por meio de pesquisa reversa de imagens.

Para Kenan Masoud, diretor da escola na aldeia síria de Afes, a desinformação é “triste e nojenta”. “Imagens de crianças e pessoas feridas não estão à venda", insiste.

"Propaganda"

Estas apropriações indevidas de imagens são “perigosas porque dão aos críticos uma forma fácil de rejeitar alegações bem fundamentadas”, disse Roger Lu Phillips, diretor jurídico do Centro Sírio para Justiça e Responsabilidade (SJAC).

A desinformação é muitas vezes realizada “com fins propagandistas” ou “por pura preguiça”, explica.

Isto “semeia dúvidas nos corações das pessoas”, diz Ranim Ahmed, da associação de direitos humanos The Syria Campaign. Isto pode levar o público a permanecer em silêncio em vez de se envolver em atos de solidariedade, por exemplo, continua ele.

A desinformação também compromete futuras investigações sobre crimes de guerra, afirma Sophia Jones, investigadora da ONG Human Rights Watch (HRW).

Desperta “uma perigosa falta de confiança em todas as imagens e acontecimentos que ocorrem no terreno, quando há casos bem documentados e verificados de violações dos direitos humanos e das leis da guerra, que deveriam ser objeto de investigação”.

(Com informações da AFP)

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.