Acessar o conteúdo principal

Covid-19: China começa a aliviar restrições, mas especialistas falam em 'propaganda' para conter protestos

Após manifestações inéditas no país contra a estratégia de "covid zero", a China dá os primeiros sinais de redução das medidas sanitárias restritivas. A reabertura parcial da cidade de Cantão é um exemplo. Outro sinal marcante: pela primeira vez, um líder chinês fala sobre a natureza menos perigosa da variante ômicron. Porém, especialista ouvido pela RFI destaca "a força da propaganda" do regime em tais mudanças, como tentativa de conter os protestos.

Em Guangzhou, os pedestres atravessam a rua em 30 de novembro de 2022. O tráfego foi retomado na cidade após o relaxamento das restrições de saúde.
Em Guangzhou, os pedestres atravessam a rua em 30 de novembro de 2022. O tráfego foi retomado na cidade após o relaxamento das restrições de saúde. © AFP
Publicidade

Com informações do correspondente Stéphane Lagarde e da AFP 

As autoridades chinesas deram sinais de um possível relaxamento de sua rígida política de "covid zero", após uma onda de manifestações contra restrições de circulação e por mais liberdade. A abordagem da China diante do vírus "passa por novas circunstâncias", graças à natureza menos perigosa da variante ômicron e aos avanços na vacinação”, disse a vice-primeira-ministra Sun Chunlan, na quarta-feira (30), diante da Comissão Nacional de Saúde (NHC).

Na terça-feira, Pequim já havia decidido acelerar a vacinação dos idosos, que ainda é insuficiente no país. Figura central na estratégia da China ante a pandemia, Sun não fez qualquer menção à política de "covid zero" nas suas declarações – de acordo com a agência estatal Nova China –, alimentando esperanças de que esta estratégia, que tem dificultado a vida do povo chinês e a economia do país ao longo de três anos, poderia ser amenizada.

Cansados dos repetidos confinamentos e testes PCR quase que diários, milhares de chineses manifestaram-se no último fim de semana em Pequim, Xangai, Guangzhou e em Wuhan, cidade onde os primeiros casos da doença foram detectados, em dezembro de 2019.

Trata-se da onda de protestos mais ampla na China desde as mobilizações pró-democracia de Tiananmen em 1989, que terminaram em repressão sangrenta quando o Exército interveio na famosa praça da Paz Celestial, em Pequim. Desta vez, as autoridades comunistas também apelaram à "repressão" para conter os protestos, mas agora parecem querer adequar a sua política de saúde.

Pequim anunciou que facilitará os requisitos para os testes PCR. Idosos e aqueles que estudam ou trabalham remotamente passam a ser isentos de testes diários, disse Xu Hejian, porta-voz do governo municipal de Pequim. Os residentes ainda devem, no entanto, apresentar um teste negativo de até 48 horas para entrar em locais públicos.

Policiais chineses bloqueiam o acesso a um local onde os manifestantes se reuniram em Xangai no domingo, 27 de novembro de 2022.
Policiais chineses bloqueiam o acesso a um local onde os manifestantes se reuniram em Xangai no domingo, 27 de novembro de 2022. AP

Número de contaminados é baixo em relação à população

Em Cantão, onde os confrontos de terça-feira colocaram manifestantes contra a polícia, o lockdown em vigor durante várias semanas foi suspenso, apesar dos números recordes de contaminação. Embora a China registre atualmente os patamares mais elevados de infecções desde o início da pandemia, os números continuam a ser ínfimos: 35.800 casos locais notificados na quinta-feira (30), numa população de 1,4 bilhão de habitantes e com uma maioria de casos assintomáticos.

Também na quinta-feira, o Southern Metropolis Daily, um jornal estatal, disse que as autoridades de Pequim e Guangzhou (sul) permitiriam que pessoas com resultado positivo ficassem isoladas em casa, em vez de irem para um centro de quarentena.

O artigo foi posteriormente apagado e nenhuma resposta foi dada aos pedidos de confirmação da AFP por parte das autoridades locais.

A cidade de Chongqing (centro) autorizou que pessoas que tiveram contato com alguém infectado podem ficar em casa, uma clara mudança perante a política aplicada até então, que exigia que todos – casos positivos e contatos – fossem para um local reservado à quarentena.

Essas mudanças, juntamente com as declarações de Sun, "podem ser um sinal de que a China está começando a considerar o fim de sua política estrita de covid zero", dizem analistas da ANZ Research. "Acreditamos que as autoridades chinesas estão mudando para uma estratégia de 'viver com a Covid', conforme evidenciado por novas regras que permitem que as pessoas se isolem em casa, em vez de serem transportadas para centros de quarentena", acrescentam.

Na manhã de quinta-feira, dois grandes jornais chineses publicaram observações de especialistas para tranquilizar a população sobre a não periculosidade da covid-19 na maioria dos casos, após publicações semelhantes nos últimos dias que parecem preparar os chineses para uma mudança de mentalidade.

Covid e diplomacia

Com a aproximação do terceiro aniversário dos primeiros casos detectados em Wuhan, os chineses já estão cansados. Um incêndio mortal em Urumqi, capital da região noroeste de Xinjiang, provocou protestos, com alguns internautas culpando as restrições de saúde por dificultarem o trabalho de resgate das vítimas. Ao mesmo tempo, os manifestantes também defenderam demandas políticas, alguns até exigindo a saída do presidente Xi Jinping, que foi reconduzido ao cargo, no mês passado, para um terceiro mandato.

A repressão da China a estas novas manifestações é um "sinal de fraqueza" dos dirigentes comunistas, disse na quarta-feira o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken. “O que os Estados Unidos devem fazer é responder seriamente às necessidades de seu próprio povo e cuidar de seus próprios assuntos”, respondeu Zhao Lijian, porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, durante uma coletiva de imprensa. “Os Estados Unidos têm muitos problemas em casa e adotaram uma política de saúde negligente contra a covid-19, então eles não estão de forma alguma qualificados para criticar os efeitos da política chinesa contra a epidemia”, acrescentou.

Baixa taxa de vacinação

Para Emanuel Verón, especialista em China e professor do Inalco (Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais) e da Escola Naval, é preciso levar em consideração que a taxa de vacinação na China é insuficiente, assim como a eficácia da vacina chinesa.

Em entrevista à RFI, o especialista lembra que há uma reticência grande de muitos chineses justamente porque não confiam na vacina. "Eles temem serem inoculados com algo que os deixará doentes, em vez de protegê-los”, diz. “Isso explica, em parte, essa baixa cobertura vacinal no país. Acho que não podemos falar de abertura na China antes de alguns meses ou mesmo anos”, completa.

Para Verón, as mudanças podem ter “efeito de propaganda para tentar conter o movimento de contestação”. Contudo, “ainda há uma repressão forte sobre os manifestantes e fechamento do espaço público pelo regime. As mudanças são pontuais, como isolamento de casos diagnosticados e não de bairros inteiros”, resume.

Tecnologia a serviço do regime

Software de reconhecimento facial, rastreamento de telefone: a polícia chinesa implantou ferramentas de vigilância sofisticadas para rastrear manifestantes envolvidos em protestos recentes. A frustração causada pelas severas e prolongadas restrições sanitárias provocou a revolta popular em uma escala não vista há décadas no país.

"Em Pequim, Xangai e Guangzhou, a polícia aparentemente usou métodos de alta tecnologia", disse à AFP Wang Shengsheng, advogado que oferece assessoria jurídica gratuita aos manifestantes. "Em outras cidades, parece que eles usaram imagens de vigilância e o reconhecimento facial", acrescentou o especialista em direitos humanos de Shenzhen.

Muitos moradores de Pequim "não entenderam porque foram contatados pela polícia quando simplesmente passaram em frente a locais de manifestação e não participaram delas", explica o advogado.

Algumas pessoas relataram ao advogado que suas contas no aplicativo de mensagens criptografadas Telegram haviam sido hackeadas. O advogado aconselha os manifestantes a apagarem todos os rastros dos protestos de seus telefones, incluindo históricos de bate-papo, vídeos e fotos, em antecipação a uma possível checagem policial.

Nas mídias sociais chinesas altamente monitoradas, qualquer postagem de usuário sobre os protestos pode ser facilmente rastreada, pois as plataformas exigem seu nome real para se inscrever. "O conteúdo de telefones e postagens de mídia social certamente está sendo pesquisado, seja na vida real ou online", afirma Rui Zhong, analista da China no Wilson Center em Washington.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.