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Novo remédio contra Alzheimer retarda declínio cognitivo, mas antecedentes podem influir em efeitos colaterais

Cientistas comemoraram nesta quarta-feira (30) os resultados de um ensaio clínico que confirma que uma nova droga, denominada lecanemab, retarda o declínio cognitivo em pacientes com Alzheimer. O estudo também aponta alguns efeitos colaterais importantes. Na avaliação do médico francês Jean-Charles Lambert, "esse estudo mostra que a pesquisa básica está no bom caminho, mas a eficácia clínica da molécula ainda não demonstra um impacto maciço conveniente para os pacientes", explicou à RFI.

Idosas francesas com a doença de Alzheimer participam de um curso de dança em uma comunidade de pessoas que vivem em semiautonomia no sudoeste da França.
Idosas francesas com a doença de Alzheimer participam de um curso de dança em uma comunidade de pessoas que vivem em semiautonomia no sudoeste da França. © Hird/RFI
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Os resultados completos do ensaio clínico avançado, equivalente à fase 3 no jargão científico, realizado com cerca de 1.800 pessoas durante 18 meses, confirmaram uma redução de 27% no comprometimento cognitivo em pacientes que receberam  o lecanemab, um medicamento desenvolvido pelos grupos farmacêuticos Eisai, japonês, e o americano Biogen.

Essa relação "estatisticamente significativa" entre os dois grupos já havia sido anunciada no final de setembro. No entanto, os resultados, publicados nesta quarta-feira (30) no New England Journal of Medicine, também apontam para efeitos colaterais, às vezes graves.

No total, 17,3% dos pacientes que receberam a droga lecanemab sofreram hemorragias cerebrais, em comparação com 9% dos pacientes do grupo placebo. Além disso, 12,6% dos pacientes tratados com a molécula apresentaram edema cerebral, contra apenas 1,7% no grupo placebo. Apesar desses efeitos colaterais, a taxa geral de mortalidade foi quase a mesma nos dois grupos (0,7% nas pessoas que receberam lecanemab, 0,8% nas que receberam placebo).

"É o primeiro medicamento que oferece uma opção real de tratamento para pessoas com Alzheimer", disse Bart De Strooper, diretor do Instituto Britânico de Pesquisa em Demência. "Embora os benefícios clínicos pareçam um tanto limitados, espera-se que eles se tornem mais evidentes se o medicamento for administrado por um período maior de tempo", disse ele.

O francês Jean-Charles Lambert, diretor de pesquisas na área de Alzheimer no Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), assim como no Instituto Pasteur, tem avaliação semelhante. "Para analisar a relação de risco e benefício para os pacientes após a administração desse tratamento, é necessário continuar com o ensaio clínico até alcançar dois ou três anos de recuo", afirmou. "Ao usar a medicação por tempo prolongado, a tendência é de melhora na capacidade de cognição dos pacientes", disse o francês.

O neurocientista do Inserm explica que um dos aspectos que ainda deve ser cuidadosamente observado pelos pesquisadores é a interação do lecanemab com anticoagulantes e fatores genéticos de determinados pacientes. Pessoas propensas a sofrer acidentes vasculares cerebrais e edemas precisam tomar anticoagulantes, e a interação desses medicamentos com a nova droga contra o Alzheimer deve ser mais bem estudada. 

Uma doença incurável

Na doença de Alzheimer, duas proteínas-chave – uma chamada tau e outra, beta-amiloide – vão se acumulando gradualmente de forma anormal no cérebro, causando a morte das células cerebrais e o encolhimento do órgão. Isso causa perda de memória e uma incapacidade crescente de realizar tarefas diárias.

O lecanemab tem como alvo os depósitos de proteína beta-amiloide, mas apenas nos estágios iniciais da doença, o que pode limitar seu uso, já que o Alzheimer costuma ter um diagnóstico tardio. A doença é um dos principais problemas de saúde pública e afeta mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo estimativas.

De acordo com Jean-Charles Lambert, depois dos 65 anos de idade, 5% da população mundial é afetada pelo mal de Alzheimer, um percentual que salta para 20 a 25% a partir dos 80 anos. Dois terços dos pacientes são mulheres, tanto por elas terem maior longevidade que os homens, quanto por apresentarem fatores biológicos favoráveis ao desenvolvimento da patologia – "uma constatação que começa a ser compreendida pelos cientistas", destaca o especialista francês.

Pesquisas em várias regiões do mundo

Outro medicamento contra o Alzheimer da Biogen e Eisai, chamado Aduhelm (aducanumab), já havia despertado esperanças em 2021. Foi o primeiro medicamento aprovado nos Estados Unidos contra a doença desde 2003. Mas o Aduhelm também gerou polêmica quando a agência americana de medicamentos, a FDA, foi contra a opinião de um painel de especialistas, que considerou que o tratamento não demonstrou eficácia suficiente nos ensaios clínicos. A FDA posteriormente restringiu seu uso.

Várias empresas farmacêuticas, como a gigante suíça Roche, falharam recentemente em encontrar um tratamento para o mal de Alzheimer, que permanece incurável e cujas causas e mecanismos precisos ainda não são claros para os cientistas.

O novo medicamento da Eisai e da Biogen também não cura a doença e "não há definição aceita de efeitos clinicamente significativos no teste cognitivo" que os autores do estudo usaram, afirmou Tara Spires-Jones, vice-diretora do Center for Discovery Brain Sciences da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

"Ainda não é certo que a modesta redução (na velocidade do declínio cognitivo) fará uma grande diferença" para os pacientes, e "testes mais longos serão necessários para garantir que os benefícios desse tratamento superam os riscos", acrescentou a neurocientista.

De qualquer modo, é necessário manter os investimentos na busca de medicamentos que possam retardar a dependência dos pacientes, diz Jean-Charles Lambert. 

(RFI e AFP)

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