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No Líbano, até crianças pedem ajuda por telefone à linha de prevenção ao suicídio

Devido à crise econômica que atinge o país, muitos libaneses sofrem de depressão, mas também de estresse pós-traumático. Em um ano, o número de ligações recebidas pela linha de apoio 1564 triplicou.

Os familiares das vítimas durante a cerimônia de celebração do aniversário da explosão que matou mais de 200 pessoas em Beirute em 4 de agosto de 2020.
Os familiares das vítimas durante a cerimônia de celebração do aniversário da explosão que matou mais de 200 pessoas em Beirute em 4 de agosto de 2020. AP - Hussein Malla
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"Olá, esta é a Linha da Vida da Abraço. Como posso ajudá-lo?" Desde as 8h30 desta quarta-feira (17), o número 1564 não parou de tocar, relata o site Franceinfo. No painel projetado nas paredes desta linha direta dedicada à saúde mental no Líbano, todos os nomes das operadoras aparecem em vermelho, ou seja, com linhas ocupadas. “Algumas pessoas choram assim que pegamos o telefone. Outros nos ligam várias vezes ao dia”, declara Sally, uma operadora de 26 anos.

O número 1564 é a única linha de ajuda para prevenção de suicídio no Líbano. Criado pela ONG libanesa Abraço em 2018, ele funciona durante 21 horas seguidas, das 8h30 às 17h30, e quatro operadoras se revezam todos os dias. Seus escritórios estão localizados em uma rua comercial barulhenta no bairro de Hamra, apelidada de "Champs-Elysées de Beirute". "Sua limpeza contrasta com as paredes decrépitas do edifício", diz Franceinfo. Na entrada, o nome Abraço está pendurado em neon branco. Um post-it exibe dezenas de mensagens de esperança deixadas por pessoas que passam. 

“Nosso objetivo é que as pessoas se sintam bem quando vierem aqui. Animais de estimação são bem-vindos e nós temos banheiro”, diz Lea Zeinoun, chefe de Parcerias da Abraço. Por dois anos, a ONG se tornou para ela um dos raros paraísos de paz em um país em meio ao colapso", diz ela. "Apoiamo-nos mutuamente, ouvimo-nos sem nos julgarmos. Muitas operadoras fazem parte da comunidade LGBTQI e se encontram aqui”, acrescenta.

Sucessão de tragédias

Em um ano, diversos acontecimentos dramáticos se sucederam no Líbano, como a repressão ao movimento revolucionário "Thawra", a epidemia de Covid-19, explosões no porto de Beirute, a crise econômica e a instabilidade política, lembra Franceinfo. A situação é tão grave que o Banco Mundial acredita que o Líbano atravessa uma das piores crises econômicas do mundo desde 1850. “As pessoas estão extremamente cansadas, frustradas. Não agüentam mais, não têm nem forças para se revoltar”, descreve Lea.

Esse desespero é sentido diretamente no serviço de escuta telefônica da Abraço. Em um ano, o número de ligações explodiu de 500 ligações recebidas por mês em 2020 para mais de 1.500 neste ano. “Depois da explosão no porto de Beirute, recebemos ligações ininterruptas”, lembra Reve. "Ainda hoje, as imagens do desastre permanecem congeladas na mente das pessoas", conta a operadora.

Para incentivar os libaneses a não se isolarem, a Abraço postou vídeos de conscientização nas redes sociais e organizou caminhadas. “No Líbano não falamos de saúde mental. Por exemplo, é muito tabu dizer que alguém se suicidou”, ilustra Reve, citando o caso de pessoas que não poderiam ter sido enterradas se a verdadeira causa de sua morte tivesse sido conhecida. "As religiões proíbem o suicídio. Portanto, as famílias dizem 'o coração parou' ou a pessoa sofreu 'um acidente de carro'", diz.

"As pessoas estão ligando porque querem morrer"

Ainda assim, de acordo com a terapeuta, o suicídio deve ser levado a sério. Se as estatísticas evocaram 171 suicídios em 2019 no Líbano, "o número real é, sem dúvida, muito maior", diz Reve. Segundo dados da linha direta, “a cada dois dias e meio alguém comete suicídio no Líbano e, em média, há uma tentativa de suicídio a cada seis horas”, acrescenta Lea.

“Lembro-me de uma senhora que ligou com o filho nos braços. Disse que queria se matar com ele. Não entendia porque o trouxe a este mundo”, continua Lea. Por ser tão difícil ouvir esses testemunhos, a jovem acabou parando de receber ligações. “Depois de um tempo, ficou muito difícil para mim”, suspira.

Crianças

Com a crise, o perfil das pessoas que telefonam mudou. Em 2019, a maioria deles tinha entre 30 e 39 anos. Um ano depois, eles tinham entre 18 e 34 anos. E Reve faz uma observação ainda mais angustiante: “Recebemos ligações mais frequentes de crianças. Elas têm 9, 13, 14 anos”. Mesmo que não consigam entender exatamente o que está acontecendo, elas sentem a angústia e o estresse dos adultos, ressalta a psicóloga.

Até o final do ano, a Abraço ainda espera poder crescer e receber ligações 24 horas por dia. Hoje, a maioria das ligações vem de Beirute e do Monte Líbano: "gostaríamos de alcançar os habitantes do interior, ou os idosos que não têm internet ”, afirma Reve.

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