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Investigação sobre explosão no Porto de Beirute exacerba tensões e deixa mortos em manifestação

Mortos e feridos nas ruas, franco-atiradores posicionados em telhados, moradores apavorados dentro de seus apartamentos atravessados por balas: Beirute, capital do Líbano, viveu nesta quinta-feira (14) cenas de guerra civil que seus habitantes pensavam ter esquecido, ser coisa do passado. A causa: as investigações sobre a explosão ocorrida no porto da cidade, em 4 de agosto de 2020.

Líbano: seis mortos e cerca de 30 feridos em manifestação em Beirute.
Líbano: seis mortos e cerca de 30 feridos em manifestação em Beirute. AFP - IBRAHIM AMRO
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Noé Pignède, correspondente da RFI em Beirute

Manifestantes saíram às ruas para protestar contra o juiz Tareq Bitar, que retomou recentemente as investigações sobre a explosão. O magistrado enfrenta, no entanto, uma violenta ofensiva dos movimentos muçulmanos xiitas Amal e Hezbollah, que o acusam de parcialidade. Os confrontos entre milícias deixaram pelo menos seis mortos, todos xiitas, e cerca de 20 feridos.

Diversos deputados e ex-ministros dos dois movimentos xiitas foram convocados pelo juiz Bitar para depor, mas eles tentam evitar implicação no processo, levando seus apoiadores às ruas da capital libanesa.

Em frente ao tribunal de Beirute, centenas de jovens vestidos de preto explicitaram seu ódio contra o juiz, apesar de a explosão no Porto de Beirute ter deixado 250 mortos e 5 mil feridos no ano passado. Curioso é que quase nenhum deles agitava as bandeiras dos movimentos a que pertencem, o Amal e o Hezbollah, preferindo ostentar bandeiras libanesas.

O advogado Hussein Abou Zeid é apoiador do Amal. Ele denuncia o assédio do juiz Bitar aos políticos xiitas em relação às investigações. “Consideramos esse processo ilegal. Há uma clara violação de leis e procedimentos”, disse ele. “O juiz Bitar tira conclusões fora de qualquer estrutura legal e que são provavelmente políticas. Aqui temos um juiz que prefere dar sua opinião pessoal em vez de se ater aos fatos, isso é implausível! Existem leis muito claras e ele não pode fingir que não existem”, disse à reportagem da RFI.

Em pouco tempo a tensão em torno do protesto aumentou. Trocas de tiros entre as milícias dispersaram os manifestantes nas ruas adjacentes ao tribunal. Um membro do partido Amal que não quis revelar seu nome acusou a milícia cristã das Forças Libanesas de ter alvejado a manifestação. “São os homens de Samir Geagea atirando em nós. Não queríamos violência”, ele afirma. “Queremos justiça para a explosão e o juiz Bitar não é um homem de justiça. Todo mundo sabe quem deixou o nitrato no Líbano: o chefe do Exército Joseph Aoun, o primeiro-ministro Najib Mikati... Todos eles! Mas os Estados Unidos só querem condenar nosso líder Nabih Berri e seus amigos, e deixar os outros em liberdade.”

Atiradores sobre telhados

Tanques do Exército ocuparam as ruas, fechando o acesso ao bairro Tayouné, onde as trocas de tiros alimentadas por metralhadoras e foguetes RPG duraram algumas horas. O ministro do Interior, Bassam Mawlawi, afirmou que "atiradores" estavam por trás dos disparos. De acordo com correspondentes da AFP no local, atiradores instalados nos telhados de edifícios vizinhos ao tribunal dispararam contra os manifestantes. Homens armados com braçadeiras dos movimentos Amal e Hezbollah responderam aos tiros.

Um corpo caído na rua foi removido por equipes de resgate no meio de uma saraivada de balas, observou um correspondente da AFP. Os habitantes locais esconderam-se em seus apartamentos e outros, perturbados, incluindo crianças e idosos, foram retirados dos edifícios. Nas redes sociais, imagens mostravam crianças em idade escolar escondidas sob suas carteiras ou reunidas no chão em frente às salas de aula. "Eu me escondi com meu primo e minha tia entre os quartos porque temos medo de balas perdidas", relatou o morador Bissan al Fakih à AFP. De acordo com a Cruz Vermelha libanesa, pelo menos 30 pessoas ficaram feridas.

O poderoso movimento armado Hezbollah e o partido Amal, seu aliado, convocaram a manifestação para exigir a substituição do juiz Bitar, que está determinado a questionar altos funcionários, incluindo dois ex-ministros do Amal. Em uma declaração conjunta, os dois movimentos muçulmanos xiitas acusam "homens das Forças Libanesas (partido cristão), posicionados nos bairros e telhados circundantes", de disparar contra os manifestantes. As Forças Libanesas negaram.

Os manifestantes queimaram retratos do juiz Bitar, e também da embaixadora dos Estados Unidos no Líbano, Dorothy Shea. O magistrado é acusado de conluio com ocidentais na investigação. Ator-chave no cenário político libanês, o Hezbollah é considerado um "grupo terrorista" pelos Estados Unidos.

Confrontos e instabilidade

Em uma reunião tempestuosa do governo de Najib Mikati nesta quarta-feira (13), os ministros do Hezbollah e Amal exigiram a exclusão do juiz, mas outros ministros se opõem. O protesto ocorre logo após o Tribunal de Cassação rejeitar as queixas de ex-ministros contra Bitar, permitindo-lhe retomar suas investigações.

"O fato de o Hezbollah ir às ruas e jogar todo o seu peso nesta batalha (...) pode levar a grandes confrontos e à desestabilização de todo o país", disse o analista político Karim Bitar à AFP.

Esse episódio de violência se soma às múltiplas e graves crises políticas, econômicas e sociais em que o Líbano está mergulhado, em que a classe política, inalterada há décadas, também é acusada de corrupção, incompetência e inércia.

Governo francês manifesta preocupação

A França, por sua vez, pediu um “apaziguamento” às partes envolvidas na crise e reiterou a necessidade de que a Justiça libanesa “seja capaz de trabalhar de forma independente e imparcial”.

“A França expressa sua profunda preocupação com relação aos recentes obstáculos para o bom andamento da investigação sobre a explosão ocorrida no Porto de Beirute em 4 de agosto de 2020 e a violência ocorrida neste contexto. Apela a todos pelo apaziguamento”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores francês.

Os Estados Unidos também pediram uma "redução das tensões". "Nós nos opomos a qualquer intimidação e ameaça de violência contra a justiça de qualquer país e apoiamos a independência do judiciário no Líbano", disse o porta-voz da diplomacia americana, Ned Price, dirigindo-se ao Hezbollah, que organizou o protesto.

(Com informações da AFP)

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