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"Alívio e muita tristeza também", conta correspondente da RFI sobre saída do Afeganistão

Depois de acompanhar a rápida ofensiva do Talibã no Afeganistão, a captura de Cabul, no último domingo (15), os dias de pânico que se seguiram, até as tensões na pista do aeroporto para a retirada do país, a correspondente da RFI Sonia Ghezali está de volta ao solo francês desde esta quinta-feira (19) e relembrou nesta sexta-feira (20) os difíceis momentos entre a entrada do Talibã na capital e seu retorno à França.

Retirada do aeroporto de Cabul. Afegãos e estrangeiros deixam o país depois da chegada do Talibã à capital. Em 18 de agosto de 2021.
Retirada do aeroporto de Cabul. Afegãos e estrangeiros deixam o país depois da chegada do Talibã à capital. Em 18 de agosto de 2021. AFP - NICHOLAS GUEVARA
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“Foi um choque ver o Talibã por toda a cidade. As famílias ficaram apavoradas, assustadas. Eles olhavam para tudo como um pesadelo. Ver aqueles homens armados com seus Kalashnikovs, como reis (...). Uma vez no aeroporto [de Paris], houve muito alívio, muita alegria, mas acima de tudo muita tristeza. As pessoas se controlavam, se seguravam para não chorar, não podiam se soltar, porque era preciso se segurar emocionalmente na frente de seus filhos”, lembra Ghezali.

A jornalista destaca como tudo se passou muito rapidamente entre o aviso da Embaixada Francesa de que os talibãs haviam tomado a capital do Afeganistão e seu deslocamento – e de seus colegas – para o prédio da embaixada e, em seguida, para o aeroporto militar.

“A retirada começou a ser feita no mesmo dia em que o Talibã chegou [a Cabul]. A Embaixada da França contatou todos os franceses, advertindo que era preciso se reunir o mais rápido possível na embaixada. Mas era muito difícil conseguir um carro disponível, então ficamos bloqueados no centro de Cabul, que estava completamente congestionada, logo depois de um momento de pânico, que aconteceu em consequência ao rumor de que os talibãs haviam entrado na cidade. O Talibã estava no coração de Cabul, na zona verde, na zona diplomática. Foi tudo muito confuso, muito traumático.”

Ghezali conta que, em pequenos grupos, os franceses e os afegãos que haviam trabalhado para as tropas internacionais conseguiram chegar, aos poucos, ao prédio da Embaixada da França, mas que a retirada, a princípio prevista por helicóptero, como aconteceu a outras embaixadas, logo não foi mais possível pelo grande número de pessoas que se juntarem a eles para tentar deixar o país.

“Nós éramos muito numerosos. Logo após a entrada do Talibã em Cabul, havia dezenas e dezenas de afegãos na porta da embaixada para pedir proteção. Eles estavam assustados, aterrorizados, eram artistas, militantes dos direitos humanos. Quando nos demos conta, éramos em torno de 400 pessoas, e durante todo o tempo havia mais e mais gente em torno da embaixada querendo entrar para pedir abrigo. Com isso, nossa retirada foi se tornando complicada, não era mais possível sair em um helicóptero.”

Negociar com o Talibã

Nesse momento, a jornalista diz que foi preciso negociar com o Talibã uma retirada de ônibus da embaixada, e que durante a tentativa de acessar o aeroporto, os veículos sofriam um risco permanente de serem invadidos por afegãos que tentavam, em pânico, deixar o país.

“Estávamos em dezenas de ônibus com franceses e afegãos tentando chegar ao aeroporto militar. E foi bem complicado porque nós já estávamos trancados na embaixada há dois ou três dias, ainda tivemos que esperar uma hora e meia completamente fechados [nos ônibus]. Estava quente, nós tínhamos a sensação de sufocar, e havia pessoas com bebês e crianças pequenas, às vezes doentes. Mas nós precisávamos manter as janelas fechadas porque todo mundo em torno do aeroporto tentava desesperadamente entrar [no veículo]. Desde que tivesse uma única janela aberta, eles tentavam se jogar para dentro do ônibus.”

Ghezali descreve que a mesma situação se repetiu quando enfim alcançaram o portão norte do aeroporto militar de Cabul, com pessoas que forçavam passagem para embarcar. “Algumas pessoas conseguiram entrar com a gente, tentando se fazer passar por alguém do nosso grupo. Era muito triste ver tanto desespero dessas pessoas que queriam de qualquer maneira deixar o Afeganistão.”

"Pessoas cansadas, famintas e com raiva"

Em Paris, a correspondente continua se comunicando com colegas da RFI em Cabul, que informam que a situação segue caótica, piorando a cada dia. “Estou em contato permanente por telefone com meus colegas, com tradutores, militantes da sociedade civil, que tentam partir, que estão na lista da embaixada, mas continuam bloqueados no aeroporto. São em torno de 10 mil pessoas que continuam em uma imensa fila de espera, formando uma massa humana próxima ao aeroporto de Cabul. Está tudo completamente congestionado.”

Soldados americanos do Aeroporto Internacional Hamid Karzaï de Cabul. Em 18 de agosto de 2021.
Soldados americanos do Aeroporto Internacional Hamid Karzaï de Cabul. Em 18 de agosto de 2021. AFP - ISAIAH CAMPBELL

A segurança do aeroporto está sendo mantida pelas forças americanas, mas os talibãs também realizam controles. Seus postos ficam a apenas alguns metros dos americanos.

“Há momentos de violência, de confusão, o que exige horas de espera para se conseguir chegar a ao aeroporto. Os talibãs obstruem os acessos e não deixam passar ninguém, obrigando as embaixadas a terem que enviar escoltas, por que os carros não conseguem seguir. E se as pessoas forem a pé, é extremamente perigoso, em função da multidão que se formou em torno do aeroporto. São pessoas cansadas, famintas, e com raiva também, que a todo momento são agredidas pelos talibãs, que não hesitam em golpeá-las para que saiam do caminho. Eles atiram o tempo todo, não necessariamente contra as pessoas, mas atiram para o alto para assustá-las. Então é realmente um percurso de combate.”

Ela se pergunta como todas essas pessoas autorizadas a deixarem o país vão conseguir embarcar, e acusa as tropas americanas de não colaborarem na ajuda às outras embaixadas. “Os americanos têm helicópteros a sua disposição e não os usam para ajudar as pessoas das outras embaixadas estrangeiras, para que consigam pelo menos chegar próximo ao aeroporto. Então todo mundo é obrigado a passar por esse caminho. E a gente se pergunta como será possível resgatar essas pessoas no meio dessa verdadeira maré humana, onde há inclusive pessoas feridas, e o medo que o Talibã atire contra a multidão. É realmente angustiante.”

"Nós chegamos, nós chegamos!"

A correspondente relata que a primeira sensação visitada ao enfim voltar para a França foi uma mistura de alívio e uma imensa tristeza.

“As crianças gritavam: ‘nós chegamos, nós chegamos’. Era alegria, mas muita tristeza também. Nós sentimos que as pessoas se seguravam, elas se continham para não chorar, porque era preciso também se conter, porque elas estavam na frente de seus filhos. São pessoas que deixaram tudo e embarcaram praticamente com a roupa do corpo. Tiveram que deixar até mesmo suas famílias. Até o último momento perguntavam se não poderiam realmente trazer seus familiares com elas. Estavam todas muito preocupadas. Mesmo que estivessem aliviadas de chegarem à França, de se sentir em segurança, principalmente por seus filhos, elas se angustiam pelo que pode vir a acontecer aos seus familiares que ficaram no Afeganistão”, lamenta a correspondente da RFI Sonia Ghezali.

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