Imprensa francesa analisa visita de John Kerry a Cuba
A visita do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, a Cuba é um dos destaques da imprensa francesa nesta sexta-feira (14). A partir de seus pontos de vista ideológicos, os jornais especulam sobre o significado e as consequências do simbólico hasteamento da bandeira dos Estados Unidos no prédio onde começou a funcionar no dia 20 de julho a embaixada cubana em Havana.
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Le Figaro começa sua matéria com uma anedota sobre o hasteamento da bandeira. O jornal lembra que em 4 de janeiro de 1961, quatro militares norte-americanos foram encarregados de incinerar uma imensa pilha de documentos diplomáticos e retirar a bandeira dos Estados Unidos do prédio da embaixada. Depois, eles deixaram a ilha e nunca mais voltaram.
Até hoje: estes mesmos três ex-fuzileiros navais acompanham a missão de John Kerry e serão os responsáveis por hastear a nova bandeira. Essa cerimônia será só uma entre tantas demonstrações públicas do que a administração Obama chama de "normalização das relações bilaterais", que deve, gradualmente, "mudar a dinâmica interna da sociedade cubana e fazer o regime evoluir".
O diário conservador ainda observa que "essa aposta na abertura se inscreve no âmago da visão de política estrangeira do presidente e se baseia na convicção liberal, muito arraigada em Washington, de que o comércio e os contatos podem, com o tempo, influenciar regimes ditatoriais inimigos e aproximá-los das normas democráticas do mundo ocidental".
Mas o Figaro lembra que as principais questões ainda permanecem em aberto: o fim do embargo econômico, que o Congresso republicano enfrenta com unhas e dentes, a questão dos direitos humanos e o futuro da base de Guantanamo, que Cuba pretende recuperar.
Oportunidades simbólicas
O diário econômico observa que o embargo já não é tão restrito e que há 20 anos os Estados Unidos exportam produtos agrícolas e medicamentos para a ilha. Desde que Obama chegou ao poder, foi legalizada também a venda de produtos de telecomunicação.
"Hoje, Washington é o quarto fornecedor de Cuba, depois de China, Espanha e Brasil". Apesar do furor em torno da retomada das relações, o jornal observa que, ainda que os democratas vençam a resistência do Congresso e consigam derrubar o embargo, isso detonaria um tsunami de investidores em direção à ilha.
Não tanto por conta de seu mercado consumidor, que, além de ser bastante restrito, vive com salários médios de 20 dólares mensais, mas pelo simbolismo de "colonizar" o enclave comunista. Para os Estados Unidos, Les Echos aposta que os benefícios devem vir com os anos, por meio do turismo e das trocas no setor agrícola.
Libéra(liza)tion
Surpreendentemente, o Libération tem um discurso ainda mais anticastrista do que o conservador Figaro. O diário encara abertamente a missão americana como uma espécie de "salvadora", traz entrevista de meia-página com um dissidente ligado às Damas de Branco e desfila clichês como "em Cuba não se vive, se sobrevive".
O jornal, que costuma ser uma das poucas trincheiras do presidente François Hollande, chega ao ponto de criticar em editorial o mandatário francês por não ter sido suficientemente anticastrista: "Kerry é consciente e deve encontrar dissidentes em um encontro reservado. Um gesto que não quis tomar François Hollande, o primeiro chefe de Estado ocidental a visitar Cuba depois da Revolução". Foi a América Latina que virou Oriente ou o Liberation que deixou de reconhecer os chefes de Estado latino-americanos?
O texto continua: "No entanto, ele se encontrou pessoalmente com o Líder máximo (líder máximo é a única expressão em espanhol no texto), um Fidel Castro caquético. Foi uma escolha. Não se sabe se foi a mais propícia a encarnar o futuro". Cabia no Le Figaro esse editorial, não?
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