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O Mundo Agora

Conflito na fronteira da Turquia fortalece projeto do Estado independente curdo

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Finalmente a Turquia acordou, mas continua ambígua. Bombardeiros turcos começaram a atacar as forças do dito “Estado Islâmico” na Síria e no Iraque. E de quebra, também estão bombardeando milícias curdas, mais ou menos próximas do PKK – Partido dos Trabalhadores Curdistão, inimigo figadal de Ancara há mais de trinta anos. Só que estas milícias são consideradas pelos Estados Unidos como aliados indispensáveis na guerra contra o terrorismo do Estado Islâmico. Bem vindos ao Oriente complicado!

A Turquia vive dias de intensas violências desde que Ancara resolveu combater todos os opositores.
A Turquia vive dias de intensas violências desde que Ancara resolveu combater todos os opositores. REUTERS/Huseyin Aldemir
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O xadrez médio-oriental é palco de uma terrível guerra de influência entre o Irã xiita, a Arábia Saudita e a Turquia sunitas. No Iraque, Teerã controla o governo xiita de Bagdá e as milícias xiitas não-governamentais, forças essenciais – junto com o exército da região autônoma iraquiana do Curdistão – para a ofensiva contra o “Estado Islâmico”, apoiadas pelos bombardeiros e drones americanos e seus aliados sunitas do Golfo. No começo, os sauditas até ajudaram os radicais islamistas. Uma maneira de apoiar as populações sunitas iraquianas aliadas do poder pelos xiitas, e impedir a consolidação da hegemonia iraniana no Iraque. Só que agora o “Estado Islâmico” virou uma ameaça mortal para a estabilidade dos países sunitas do Golfo. Daí essas alianças esdrúxulas.

Na Síria e no Líbano, o Irã controla a poderosa milícia xiita Hezbollah que tem um papel central na manutenção do governo alauíta de Bachar El Assad. Sem o Irã, o governo de Damasco não aguentaria frente aos grupos rebeldes. Diante da ameaça do Estado Islâmico e de outros islamistas radicais ligados à Al Qaeda, os Estados Unidos não estão a fim de derrubar Bachar, ou de ajudar os rebeldes sírios, mesmo os grupos sunitas mais moderados. Por enquanto, Washington prefere entendimentos ad hoc com as milícias curdas sírias que estão em primeira linha contra o Estado Islâmico.

Sunismo "mainstream" turco

Visto pelos turcos nada disso cheira bem. A Turquia do sunismo “mainstream” do presidente Erdogan, sonha tornar-se a referência central para o sunismo moderado em todo o Oriente Médio – inclusive para a Irmandade Muçulmana. As ambições regionais do Irã e da Arábia Saudita não caem nada bem em Ancara.

Além do mais, essa situação de guerra geral nas fronteiras está fortalecendo o velho projeto de um estado curdo independente no norte do Iraque e da Síria. E isso é um verdadeiro pesadelo para as autoridades turcas cujo o principal receio é um movimento curdo separatista na própria Turquia. Portanto, na guerra civil síria, o governo Erdogan apoia os combatentes sunitas menos radicais, quer ver a caveira de Bachar El Assad e fecha os olhos sobre as atividades do Estado Islâmico na fronteira. Uma maneira de conter o Irã e os xiitas da região e de enfraquecer os sauditas. Foi uma das razões para não se participar abertamente na aliança contra o Estado Islâmico capitaneada pelos americanos.

O atentado feito pelos terroristas islâmicos na cidadezinha turca de Suruc e o acordo nuclear com Teerã mudaram o panorama. A Turquia, membro da OTAN não podia continuar se marginalizando diante de uma possível aliança de fato entre Washington e os xiitas. De repente, Ancara começou a bombardear as posições do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, aceitou finalmente que a aviação americanas utilizasse a base turca de Incirklic, e propõem a criação de uma “zona de segurança” no norte do Iraque e da Síria onde só seriam admitidos os “amigos” sunitas da Turquia.

Mais importante ainda: a ideia é também ter o apoio americano para combater os curdos do PKK e impedir a formação de um embrião de Estado independente curdo. Uma jogada que também tem uma dimensão interna: tentar isolar a aliança política entre a esquerda e os curdos turcos que conseguiram, nas última eleições, acabar com a maioria parlamentar do AKP de Erdogan. O problema é que tudo isso é muita areia para o caminhãozinho turco. Até agora Ancara conseguiu escapar do tumulto sangrento na região. Entrar de sola na guerra só pode levar essa guerra para dentro da Turquia.

* Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica para RFI às terças-feiras

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