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Com a queda da Al-Qaeda, tática de guerrilha e recrutamento de jovens marcam o novo terrorismo

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Na semana deste 11 de setembro, o décimo terceiro desde a queda das Torres Gêmeas, uma bomba no metrô de Santiago, no Chile, lembrou ao mundo de que o terrorismo em seu formato mais rudimentar continua existindo. Mas no Oriente Médio, a decadência gradual da Al-Qaeda e a ascensão de grupos como o Estado Islâmico apontam para uma nova tendência: a substituição do terrorismo puro e simples pelo formato de guerrilha e o recrutamento de jovens europeus.

Manifestante pede combate ao grupo Estado Islâmico, conhecido pela sigla ISIS, em inglês.
Manifestante pede combate ao grupo Estado Islâmico, conhecido pela sigla ISIS, em inglês. REUTERS/Wolfgang Rattay
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As teses são do historiador francês Gilles Ferragu, autor do livro Histoire du Terrorisme e professor da Universidade de Paris Ouest, e do escritor belga Claude Moniquet, autor de Les Neo-Djihadistes – os dois falaram à RFI Brasil sobre seus livros que analisam o terrorismo no contexto atual.

Para Ferragu, a queda da Al-Qaeda mudou, em apenas uma década, o perfil do terrorismo no século 21: “Antes, todos podiam se dizer parte de Al-Qaeda, que tinha também uma estrutura financeira muito bem organizada graças à capacidade de Osama Bin Laden. Mas, a partir do 11 de Setembro, a maior parte dos Estados e seus serviços de informação rastreou as fontes de financiamento do grupo. A guerra do Afeganistão também limitou enormemente os seus recursos”.

A segunda falha no “sistema Al-Qaeda”, e que fez o grupo perder o protagonismo, foi uma mudança de formato. O sentimento nacionalista levou alguns grupos extremistas a contestar a estratégia da Al-Qaeda, que não era territorial. “Estes grupos querem criar territórios controlados por eles, saindo do terrorismo para se tornar uma guerrilha”, afirma Ferragu.

Sai o terror, entra a conquista de território

Esse processo teria ocorrido, por exemplo, no Mali, onde grupos teriam passado de terroristas a guerrilheiros, para tomar o governo do país, o que acabou exigindo uma intervenção militar francesa. E seria o que se passa também hoje com o Estado Islâmico, no Iraque e na Síria. “São grupos que não fazem mais terrorismo ou atentados para desestabilizar, mas que estão em plena conquista de território. Essa é, talvez, a evolução que a Al-Qaeda não ousou desenvolver e pela qual ela foi completamente desestabilizada”, completa o historiador.

Para Gilles Ferragu, o combate militar contra a Al Qaeda empreendido por George W. Bush e tão criticado no Ocidente, deu resultados. Mas Barack Obama engana-se se acha que, desta vez, apenas bombas vão resolver o problema. O novo contexto obrigará o presidente americano a buscar uma solução mais diplomática: “Obama está encurralado entre a intenção de não entrar em uma nova guerra no Iraque e o fato de que todos esperam que os EUA intervenham novamente. Acho que Obama vai encontrar uma maneira de fazer coincidir as ações de todos os países interessados nesta zona – Emirados, Irã, Síria e até mesmo Israel – para conseguir encontrar um modus vivendi. Será antes uma grande operação diplomática que terminará em uma operação militar, do que uma simples operação militar.”

Moniquet: “Al Qaeda recusava recrutar jovens europeus”

Outra característica que marca o novo momento do terrorismo no Oriente Médio é o recrutamento de jovens europeus para se juntar à jihad. O Estado Islâmico busca tanto homens quanto mulheres, seja para se unir ao combate, seja para simplesmente colonizar o que eles pretendem que seja o “novo califado”.

Estima-se que haja hoje entre 700 e 900 franceses na Síria. O homem que aparece nos vídeos do Estado Islâmico decapitando jornalistas americanos fala com sotaque claramente londrino. O comportamento destes jovens é pesquisado há anos por Claude Moniquet, ex-jornalista para veículos franceses como L’Express, hoje dirigente do Centro Europeu de Inteligência Estratégica e Segurança, empresa sediada em Bruxelas.

Moniquet afirma que a decadência da Al-Qaeda foi um turning point para o início deste processo de recrutamento que está impressionando os europeus. “Houve um debate muito intenso dentro da Al-Qaeda, no início dos anos 2000, sobre a utilização de jovens com passado criminoso e depois convertidos. Muitos dirigentes do grupo, como Bin Laden e Al-Zarqaoui, por exemplo, diziam “não devemos usar essa gente porque eles não são seguros, eles não têm o engajamento religioso que nós temos, eles não têm o mesmo objetivo e se nós os aceitarmos, eles vão mudar a natureza de nossa organização”, afirma Moniquet.

Perfil dos neo-jihadistas não é apenas religioso

A situação teria mudado com a ascensão do Estado Islâmico: “Eles não têm essa reserva. Ao contrário, buscam gente que tenha o perfil violento e criminoso. Vemos a propaganda que fazem no Facebook. O Estado Islâmico busca um outro público. É por isso que hoje há tantos jovens europeus que se juntam a eles.”

Após estudar detidamente o perfil de diversos destes neo-jihadistas franceses, Moniquet concluiu que apenas uma parte deles se entrega à luta por razões religiosas. “É uma minoria”, diz o pesquisador. “O resto tem outra motivação. São como Mehdi Nemmouche, autor do atentado ao Museu Judaico de Bruxelas: um jovem problemático que não encontra lugar na sociedade em que vive, tem ódio dessa sociedade, e parte por outra razão. Dizem que partem por razão religiosa, mas, fundamentalmente, partem por seu desejo de exercer a violência porque lá poderão roubar carros, estuprar mulheres e cometer outros crimes”.

Moniquet monitora o destino destes jovens. Segundo um levantamento ainda bastante impreciso, cerca de 20% são mortos em combate, 50% vivem estavelmente na Síria e outros 25% já voltaram ou querem voltar à França –e é sobre este grupo, na avaliação do escritor, que devem repousar as políticas de segurança dos Estados Europeus, já que podem voltar tanto para se reintegrar quanto para cometer atos terroristas.

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