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Fato em Foco

Cargo de primeira-dama é cada vez mais visto como ultrapassado

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O recente escândalo que resultou na separação do presidente francês, François Hollande, de sua companheira, Valérie Trierweiller, levantou o debate sobre a relevância do papel da primeira-dama. A história mostra que os países onde o poder é mais concentrado nas mãos do presidente são os que ainda dão um lugar de destaque para a mulher do governante.

François Hollande anunciou oficialmente o fim de seu relacionamento com a primeira-dama Valérie Trierweiler.
François Hollande anunciou oficialmente o fim de seu relacionamento com a primeira-dama Valérie Trierweiler. REUTERS/Charles Platiau
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Desta forma, França e, principalmente, Estados Unidos ainda destacam funções para as primeiras-damas, em geral ligadas a atividades humanitárias e sociais.

Já nas monarquias, as atenções se voltam para a família real enquanto que a esposa do primeiro-ministro pode manter uma vida quase desvinculada do poder. Este é o caso da Espanha, Itália, Grã-Bretanha e dos países nórdicos.

A exposição da vida privada de Hollande agora faz a França novamente questionar o papel da primeira-dama, um posto considerado por muitos políticos e intelectuais como ultrapassado. O assunto já tinha dado o que falar na época de Nicolas Sarkozy, que em menos de um ano se divorciou e casou com uma ex-modelo e cantora, Carla Bruni.

Armelle Le Bras-Chopard é cientista política e autora do livro Première-Dame, Second Role (Primeira-Dama, Segundo Papel, em tradução literal). Para ela, o status de primeira-dama precisa acabar. “Eu acho que o que acontece na França é que nós somos uma ‘monarquia republicana’, como se diz. Uma vez que o presidente tem muito poder e não temos rei, as atenções se voltam muito mais para o Eliseu e a presidência da República”, afirma. “A primeira-dama não tem nenhuma legitimidade democrática. Ela é simplesmente a esposa de alguém que foi eleito, e por consequência ela pertence à esfera privada e não deveria ter funções públicas.”

Michel Verpeaux, um dos mais respeitados especialistas em Direito Constitucional do país, ressalta que, embora as esposas dos presidentes encarnem funções no governo, elas não têm qualquer status jurídico oficial. Ainda assim, as francesas dispõem de um escritório e de uma equipe de cinco funcionários. “No orçamento do Eliseu, nunca foi proibido dar uma parte para uma pessoa próxima ao presidente. Digamos que é como se fosse uma espécie de conselheiro especial do presidente da República. De qualquer forma, não há nada regulamentado neste aspecto”, explica.

Funções em mutação

Verleaux destaca que as atividades oficiais da esposa do presidente são uma herança da monarquia. Logo que a França instalou a 5ª República, após a Segunda Guerra Mundial, os costumes evoluíram – mas a mudança não durou mais do que algumas décadas.

Inicialmente, as primeiras-damas não tinham qualquer atuação. “Por exemplo, madame De Gaulle, esposa do primeiro presidente da 5ª República, tinha um papel muito discreto. Ela nunca chamava a atenção e nunca quis ter um papel político”, recorda. Ele lembra que a situação começou a mudar com as mulheres de François Mitterrand e de Jacques Chirac. “Danielle Mitterrand tinha convicções políticas muito fortes, e em alguns casos houve momentos de tensão porque suas posições íam de encontro com as do presidente. Já Bernadette Chirac quis, tão logo seu marido foi eleito, ou até antes, entrar na política, e foi eleita para a administração de um departamento francês.”

Século 19

Armelle Le Bras-Chopard considera que as esposas dos presidentes têm o direito de acompanhar os maridos em eventos oficiais, mas não deveriam mais se sujeitar a tarefas consideradas ultrapassadas para a mulher de hoje. “É um esquema definido de uma maneira viciada e tradicional. Este esquema corresponde à imagem que se tinha da esposa do século 19, de uma mulher que não trabalhava, não tinha direito nenhum, nem direito ao voto”, constata a professora. “Na República, nós não precisamos de uma esposa ou de uma companheira com o papel tradicionalmente feito pelas mulheres do século 19.”

A pesquisadora lembra que a visão sobre o assunto muda quando é a mulher quem está no poder: ninguém se interessa pelo marido da chanceler alemã, Angela Merkel, e na Austrália a presença do marido da ex-premiê Julia Gillard em eventos oficiais era mal-vista. “A primeira-dama tem um papel determinado pela tradição, e manter o papel dela acaba se tornando uma coisa sexista. Isso porque se considera que a mulher deve permanecer à sombra, acompanhando os traços do seu marido, e que não existe por ela própria”, diz.

Segundo uma pesquisa recente, 54% dos franceses deseja que o status de primeira-dama seja definitivamente abolido.
 

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