Acessar o conteúdo principal

Brasileiro que matou companheira na frente dos filhos é condenado a 20 anos de prisão na França

Na quinta-feira (14), o brasileiro José Rodrigo Martin, de 30 anos, foi condenado a 20 anos de prisão pelo feminicídio da companheira, Franciele Alves da Silva, morta aos 29 anos, em 25 de setembro de 2020. A Corte do Tribunal de Créteil, região metropolitana de Paris, pediu ainda a anulação dos direitos de paternidade de Rodrigo sobre os dois filhos da vítima, além de indenizações para os familiares e para a associação Mulheres na Resistência, que presta assistência à família desde 2020.

Família da vítima Franciele Alves foi apoiada por mulheres da comunidade brasileira, francesa e cabo-verdiana durante os três dias de julgamento. A sentença foi celebrada pelo grupo.
Família da vítima Franciele Alves foi apoiada por mulheres da comunidade brasileira, francesa e cabo-verdiana durante os três dias de julgamento. A sentença foi celebrada pelo grupo. © Luiza Ramos\RFI
Publicidade

Apesar do veredito favorável aos familiares da vítima, o Ministério Público francês foi derrotado neste último dia de julgamento do caso de feminicídio de Franciele. A promotoria pediu a condenação de Rodrigo Martin a sentença perpétua com obrigatoriedade de pelo menos 12 anos de tratamento psicológico e psiquiátrico, mas não teve seu pedido atendido na deliberação do júri popular, que durou cerca de quatro horas.

Na França, a sentença perpétua significa 30 anos de prisão em regime fechado. A consultora jurídica cabo-verdiana Nelida Andrade Ramos, que acompanha o caso em solidariedade à família de Franciele e à comunidade brasileira, explicou à RFI o significado de pena perpétua na lei francesa: "Na França, a 'sentença perpétua' significa regime fechado por 30 anos, sem possibilidade de reduções de pena, sem direito a regime semiaberto e nem a possibilidade de realocação. No caso, ele não poderia mudar de país para cumprir pena".

Entretanto, a defesa de Rodrigo só pode solicitar transferência de pena para o sistema judiciário brasileiro, que segundo o advogado Antonino Carbonetto, seria um desejo de seu cliente, caso Rodrigo quite as indenizações aprovadas em tribunal pela juíza presidente da mesa, Dra. Catherine Sultan.

Além dos 20 anos de prisão, ficou determinado que José Rodrigo Martin perde os direitos de guarda legal dos meninos Noah (8 anos) e Liam (5 anos), e deverá pagar indenizações na casa dos €10 mil para cada um dos irmãos de Franciele, €10 mil para o tio Agnaldo Silva, €10 mil para a tia Rosane dos Santos, €10 mil aos fundos das custas judiciárias do tribunal, €25 mil para o pai da vítima Jurandir Silva, €30 mil para cada uma das crianças, além de indenização para a associação que ajudou a família e as investigações. O valor total das indenizações ultrapassam a cifra de € 140 mil (cerca de R$ 750 mil).

Segundo a juíza, o encarceramento de 20 anos pode ser reduzido em dois anos em caso de bom comportamento, formações feitas na cadeia, comparecimento ao tratamento psicológico e esforços para pagamento das indenizações. Como Rodrigo já está preso há mais de três anos, o tempo restante real de pena é de cerca de 15 anos, sendo assim, ele poderá sair, caso cumpra os requisitos, aos 45 anos de idade.

Imagem do casal Franciele Alves e Rodrigo Martin publicada pelo paranaense nas redes sociais.
Imagem do casal Franciele Alves e Rodrigo Martin publicada pelo paranaense nas redes sociais. © DR

Família da vítima aliviada

O pai de Franciele, Jurandir Silva, de 64 anos, com saúde frágil e dificuldades de locomoção, ficou bastante emocionado e aliviado com a sentença do genro. 

"A saudade continua, não tem como esquecer dela, mas só dele ser condenado a 20 anos é um alívio para mim e ele há de pagar o que fez com ela e com os filhos também. Ele acabou com a vida dela, dos filhos, com a minha e a dele também", relatou. "Agora vamos pensar nas crianças que eu quero levar para o meu país e também o corpo da minha filha", contou emotivo.

Da esquerda para a direita: Nellma Barreto, presidente da Associação Mulheres na Resistência, de Paris; Agnaldo Silva (tio de Franciele), Rosane dos Santos (tia), Jurandir Silva (pai), e Monica St Jean, também integrante do Mulheres na Resistência.
Da esquerda para a direita: Nellma Barreto, presidente da Associação Mulheres na Resistência, de Paris; Agnaldo Silva (tio de Franciele), Rosane dos Santos (tia), Jurandir Silva (pai), e Monica St Jean, também integrante do Mulheres na Resistência. © Luiza Ramos\RFI

Monica St. Jean, secretária da associação Mulheres da Resistência, que presta apoio à família da vítima sobre a guarda dos meninos, apontou que o projeto das advogadas é dar início aos trâmites legais para levá-los para o Brasil o mais rápido possível. Os meninos seguem em custódia francesa por pelo menos mais dois anos. "A gente tem que tentar reverter a situação, vamos começar a entrar com novos procedimentos para que a família possa conseguir a guarda e levá-las ao Brasil. Não é fácil, mas daremos início a partir de semana que vem. A ideia também é tentar fazer o translado dos restos mortais da Franciele", explicou.

Sobre o caso das crianças, Nelida Andrade Ramos acredita que a família brasileira possui boas chances. "O Noah não é filho biológico de Rodrigo, e, pela lei francesa, irmãos não podem ser separados. Como Rodrigo perdeu totalmente os direitos de paternidade, o Seu Jurandir tem boas chances de conseguir a guarda dos dois netos", opinou a consultora que atua com legalização na França. "Por isso meu interesse no caso, tenho muita empatia com brasileiros, são 95% dos meus clientes", adicionou. 

O 3º dia do julgamento

Para a promotoria de justiça, a "personalidade paranoica" de Rodrigo somada ao comportamento "completamente racional", logo após cometer o crime, são agravantes que demonstram que ele não teria doenças mentais e estaria ciente de seus atos. 

O autor usou uma faca de cozinha de 20 cm da casa da família e desferiu 15 punhaladas na altura do tórax da mulher, causando cinco ferimentos, a cena aconteceu na presença dos dois filhos, na época com 5 e 2 anos de idade, dentro do apartamento de 27m² em Champigny-sur-Marne, a 15km da capital francesa. Em seguida, os dois meninos foram levados por Rodrigo até a casa do mestre de obras, patrão do autor, ele teria avisado que matou Franciele e pediu que o patrão e a esposa cuidassem dos meninos naquela noite. Rodrigo Martin se entregou à polícia no dia seguinte ao crime.

Rosto de Franciele foi impresso em cartazes no Tribunal de Créteil, próximo a Paris.
Rosto de Franciele foi impresso em cartazes no Tribunal de Créteil, próximo a Paris. © Luiza Ramos\RFI

A promotora ressaltou que pelas análises de todo o processo, testemunhos e investigações anexas, ficou claro que o Rodrigo desenvolveu ciúmes excessivos de Franciele, o que piorou com o confinamento da pandemia de Covid-19.

O pai da vítima, Jurandir Silva, falou em seu depoimento de quarta-feira (13), que o genro teria por vezes trancado a jovem dentro de casa e analisado suas redes sociais com desconfiança de ser traído por ela. Para a RFI, o aposentado contou que a filha era muito próxima e relatava os atritos com a sogra: "Ela era muito cúmplice comigo, me contava que as coisas pioraram por conta do relacionamento mais próximo com a sogra depois que se mudaram para a França. Minha filha nem se despediu de mim quando veio para Paris em março de 2019, pois a mãe dele (Rodrigo) disse que não daria tempo", relatou. 

Defesa de Rodrigo 

Após o pedido da promotora pela sentença perpétua, na quinta-feira, a defesa do autor do crime, representada pelo advogado Antonino Carbonetto, pediu pena para 18 a 20 anos de reclusão. O advogado alegou o contrário da promotora, considerando justamente a paranoia como o estado mental que levou o homem a cometer o ato.

"Foi uma audiência muito difícil. Mas, no geral, estou satisfeito com o resultado. Conseguimos convencer o tribunal a manter a defesa de que ele teve o discernimento prejudicado. E isso foi muito importante para a sentença. Tudo isso apesar da oposição da promotoria francesa, o Sr. Martin estaria sendo condenado à prisão perpétua. A defesa não vai recorrer", anunciou à RFI o advogado da parte do condenado.

O autor do feminicídio da paranaense alegou, no segundo dia de julgamento, "não se lembrar" do motivo de esfaquear mulher na frente dos filhos, só contou que houve uma discussão acalorada antes da morte e mesmo questionado várias vezes, não respondeu o que Franciele teria dito para "tirá-lo do sério".

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.