Acessar o conteúdo principal

Interdição de túnica muçulmana “abaya” nas escolas divide a esquerda na França

O uso da abaya, vestimenta típica muçulmana, será proibido nas escolas francesas a partir do início do ano letivo (em setembro). O anúncio foi feito neste domingo, 27 de agosto, pelo novo ministro da Educação, Gabriel Attal. Com isso, o país discute agora se a túnica viola o Estado laico, se ela é apenas tradicional ou se é um símbolo religioso. As questões dividiram os partidos da esquerda francesa.

Uma mulher vestida com uma túnica abaya nas ruas de Paris.
Uma mulher vestida com uma túnica abaya nas ruas de Paris. AFP - MIGUEL MEDINA
Publicidade

O fenômeno chegou à França há cerca de um ou dois anos e continua concentrado em aproximadamente 150 centros de ensino. Dezenas de meninas aparecem todos os dias com vestimentas longas que cobrem a roupa até os pés, as abayas. No ano passado, os relatos do uso de roupas religiosas aumentaram 150% no território francês. São algumas centenas por mês.

Mas por que a abaya incomoda tanto? Segundo o Conselho francês da Fé Muçulmana, a roupa não é um sinal religioso do Islã. Originalmente, a abaya é uma túnica tradicional para mulheres no Oriente Médio, mas que só é usada na França por jovens muçulmanas, que já não podem usar o véu na faculdade ou no ensino secundário desde 2004. 

Pressão familiar, gesto de provocação identitária das adolescentes, influência das redes sociais? É difícil saber os motivos para a escolha da vestimenta, mas o fato incomodava os diretores das escolas, que exigiam do governo a aplicação de regras mais claras. Entretanto, a decisão não foi bem aceita pelos estudantes.

Circular de 2004

Até agora, os diretores se baseavam numa circular bastante vaga de 2004, que indicava que, entre outras peças de vestuário, o uso da abaya poderia ser por motivos religiosos ou não. A proibição deixa as regras às claras. 

Para Sophie Vénétiray, do principal sindicato de professores da França, o SNES-FSU, esta proibição não deve esconder outras questões que também são cruciais nessa volta às aulas: “O assunto principal é o número de professores efetivos nas salas de aulas. É a questão da disponibilidade dos professores para garantir as substituições. Não nos deixemos enganar pela manobra que consiste em agitar o tema da abaya num contexto político, que é próprio deste governo. É obviamente importante que o respeito ao Estado laico seja mantido nas escolas, mas isso tem de passar pelo diálogo”, critica.

Esquerda dividida

Manuel Bompard, coordenador do partido França Insubmissa (LFI) anunciou a sua intenção de aproveitar o Conselho de Estado para atacar a decisão "cruel" do Ministro da Educação Nacional de proibir o uso da abaya nas escolas. Mas os partidos da coligação política de esquerda Nupes (Nova União Popular Ecológica e Social) não têm uma opinião única.

O líder da Nupes, Jean-Luc Mélenchon, acredita que a proibição da abaya vai alimentar “uma guerra religiosa absurda” em torno de “um hábito feminino”. Entretanto, o chefe dos comunistas, Fabien Roussel, classificou a decisão do governo como “necessária” para não deixar os diretores das instituições de ensino sozinhos para enfrentar o problema.

O socialista Jérôme Guedj, escreveu mensagens nas redes sociais apoiando a proibição de roupas consideradas “ostensivas” e “proselitistas”. Já os opositores do primeiro secretário do partido socialista, Olivier Faure, denunciam a aliança com a França Insubmissa - movimento político francês formado em 2016 - que acusam de complacência com os círculos islâmicos.

De toda forma, a controvérsia causa constrangimento na Nupes, mas também ilustra, como acontece em toda a Europa, as diferenças em torno do secularismo. 

Destaque na imprensa francesa para a discussão em torno da proibição da abaya, um tipo de túnica árabe, nas escolas, anunciada pelo ministro francês da Educação, Gabriel Attal, ganha os jornais franceses nesta segunda-feira (28).
Destaque na imprensa francesa para a discussão em torno da proibição da abaya, um tipo de túnica árabe, nas escolas, anunciada pelo ministro francês da Educação, Gabriel Attal, ganha os jornais franceses nesta segunda-feira (28). © Captura de tela

Véu aceito na Alemanha

Na Alemanha, os debates sobre o véu islâmico não chegam às manchetes, segundo o correspondente da RFI em Berlim, Pascal Thibaut. O uso é aceito pelos alunos e na maioria das áreas, as professoras muçulmanas também o usam nas aulas.

Berlim era a única exceção, mas desde ontem, início do ano letivo, a determinação perdeu a validade. A lei de neutralidade estrita adotada no passado na capital alemã rejeitava o uso de qualquer símbolo religioso pelos professores. Mas uma professora se sentiu discriminada e tomou medidas legais. O Tribunal Constitucional deu ganho de causa à educadora, considerando que a liberdade religiosa garantida pela Constituição é um bem importante que não pode ser questionado.

Só perturbações graves no funcionamento das escolas podem justificar a proibição do uso do véu islâmico, sendo cada caso analisado individualmente. Políticos, sindicatos de professores e outros especialistas estão discutindo o assunto, mas experiências realizadas nas outras regiões alemãs mostram que o uso do véu pelos professores muçulmanos não suscita grandes controvérsias.

Na Itália, os crucifixos

Numa Itália que coabita com o Vaticano, não são tanto os trajes islâmicos, mas os sinais católicos que causam acaloradas discussões e tensões, explica a correspondente da RFI em Roma, Blandine Hugonnet. Principalmente se falarmos no crucifixo e na sua exposição, decretada há 150 anos, nas salas de aula, uma prática que tem suscitado vários apelos, nos últimos anos, de pais ou professores ofendidos por um ato, segundo eles, incompatível com o Estado laico. Mas apesar do catolicismo predominante, o secularismo italiano defende o pluralismo e a existência da religião no espaço público.

E quer seja perante a justiça nacional ou europeia, as escolas italianas receberam luz verde para manter as cruzes acima das mesas dos professores. Um símbolo religioso passivo, que não representa uma tentativa de doutrinação, decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2011.

Há dois anos, o Tribunal de Cassação italiano manteve o debate, concluindo que um crucifixo pendurado na sala de aula não constitui um "ato discriminatório", não condiciona a liberdade de expressão e representa até uma "tradição cultural" da Itália. Posições que vão na direção da direita conservadora, hoje no poder.

Duas semanas antes do início do ano letivo, o ministro das Relações Exteriores e líder do partido Forza Italia, Antonio Tajani, reafirmou: “retirar os crucifixos das escolas é renunciar à própria identidade” da Itália.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.