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França: historiadores lutam para restituir obras roubadas de judeus durante ocupação nazista

Durante a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente cem mil obras de arte na França foram saqueadas dos judeus pelos nazistas, entre pinturas, esculturas e até instrumentos musicais. Há historiadores que dedicam suas carreiras a rastrear esses objetos, provar a espoliação e devolvê-los aos donos ou herdeiros, uma tarefa que pode levar anos.

Photographie de famille représentant une partie d'une tapisserie enlevée par les troupes allemandes. Cette photo a été transmise par la famille à l'Office des Biens et intérêts privés le 26 septembre 1945.
Photographie de famille représentant une partie d'une tapisserie enlevée par les troupes allemandes. Cette photo a été transmise par la famille à l'Office des Biens et intérêts privés le 26 septembre 1945. © Archives du Ministère des Affaires étrangères, 209SUP/968_251
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Por Marion Cazanove

Um odor de tabaco paira na sala de estar de May Monteux. A sala não é tão pequena, mas parece estreita, pois está abarrotada de móveis e as prateleiras transbordam de livros, esculturas e joias. Cada centímetro quadrado de parede é coberto por quadros, alguns com histórias singulares, todos roubados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

O dono das obras era Marcel Monteux, avô de May, colecionador de arte que teve seus bens espoliados porque era judeu. “Ele foi preso, internado no campo de Drancy em 31 de julho de 1944 e deportado para Auschwitz, pelo comboio nº 77”, conta sua neta, sentada diante de uma xícara de café e fotos antigas.

“Ele não teve sorte, porque no dia seguinte aconteceu uma greve ferroviária e os trens não partiram mais. Ele morreu pouco depois de chegar em Auschwitz, pois pegou tifo e não resistiu".

Hoje, May, de 90 anos, continua a luta de sua avó, sua "heroína" que, ao final da guerra, conseguiu que lhe fossem devolvidas muitas obras de arte de Marcel Monteux. O próprio colecionador é imortalizado em uma tela: um jovem elegante, de terno e gravata borboleta, posando com um charuto e um jornal. A pintura está na sala de May, em frente ao sofá.

Pistas em anotações

Para encontrar as obras saqueadas que não voltaram para a família, a aposentada conta com a ajuda da historiadora Emmanuelle Polack, especialista no mercado de arte durante a ocupação nazista da França. Para isso, vasculharam os arquivos da família, orientadas em particular pelas anotações da avó de May: “Ela tinha uma lista bastante vaga, porque meu avô, seu marido, era muito brincalhão, muito provocador”, May sorri maliciosamente. “Por exemplo, quando ele pedia dinheiro emprestado, deixava um quadro como garantia. Então ela fez uma lista, uma espécie de inventário, do acervo de Marcel Monteux.”

Graças a essas anotações rabiscadas em papel amarelado, May e Emmanuelle Polack conseguiram encontrar evidências adicionais para recuperar uma pintura específica, “Margem do rio refletida na água”, de Camille Bombois. A pintura consta do acervo de um museu em Passau, Alemanha. A historiadora rastreou a tela, cuja proveniência era suspeita. Ela então se aproximou da descendente do colecionador.

Uma segunda pintura, exposta no mesmo museu alemão e também identificada como pertencente à família Monteux, representa Jean-Paul Monteux, pai de May, pintada por Maurice Denis. São, portanto, duas obras que foram encontradas e deverão ser devolvidas nas próximas semanas.

Um grande saque

Quando chegou ao poder em 1933, Hitler não perdeu tempo em espoliar obras de arte e outros bens, visando principalmente os judeus. Na França, a partir do verão de 1940, “acontece um grande saque”, explica Polack. Cerca de 450 caixas [cheias de obras de arte] são levadas para a embaixada da Alemanha em Paris. Logo não há mais espaço e então os nazistas utilizam três salas do Louvre e, na sequência, é o museu do Jeu de Paume, que se transforma em local de armazenamento das obras saqueadas”.

No final da guerra, 60 mil objetos artísticos saqueados retornaram à França, graças ao trabalho da militante da Resistência Rose Valland. Grande parte pôde ser devolvida, mas cerca de duas mil pinturas, esculturas e obras de arte cujos donos não puderam ser identificados ou encontrados foram confiadas a museus franceses. "Essas obras não pertencem aos museus nacionais", diz Emmanuelle Polack. “Eles são apenas os guardiães. Cabe a eles continuar a pesquisa de proveniência.”

Trabalho de memória

Há vários anos, a historiadora ajuda o Museu do Louvre a restituir, a partir dos acervos da instituição, obras identificadas como saqueadas ou cuja procedência é suspeita. Ela acompanha as pesquisas dos curadores dos departamentos, direcionando-os para arquivos que possam fornecer evidências, como, por exemplo, um catálogo de leilão sob a ocupação nazista, o que atestaria uma venda forçada.

Mas a procura da proveniência torna-se mais complicada de ano para ano, pois os donos das obras, ou os seus descendentes, desaparecem, ou então desconhecem que a família tenha sido vítima de espoliação. “Nunca conseguiremos restituir todas as obras, mas é muito importante fazer esse trabalho de memória. Acho que devemos isso à memória das vítimas de extorsões da Segunda Guerra Mundial."

Atualmente na França, mesmo quando uma obra em um museu francês é identificada como saqueada, é preciso recorrer à Justiça para restitui-la, pois os acervos nacionais são inalienáveis. Portanto, é necessário criar uma derrogação da lei para cada obra. Mas a situação pode mudar em breve, pois este ano o Parlamento francês pode adotar uma lei para facilitar as restituições.

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