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Tratores invadem Paris em protesto contra suspensão de uso de agrotóxicos

A cena é mais do que curiosa, ela representa a batalha vivida entre agricultores e a sociedade civil sobre o uso de agrotóxicos na França. A bordo de centenas de tratores, produtores rurais desembarcaram em Paris, nesta quarta-feira (8), para uma manifestação que denuncia restrições no uso de pesticidas nas lavouras, além de outras obrigações que pesam sobre o setor.  

Agricultores com seus tratores no centro de Paris, durante uma manifestação organizada por sindicatos contra as "obrigações" na agricultura, em particular as restrições ao uso de agrotóxicos. 8 de fevereiro de 2023
Agricultores com seus tratores no centro de Paris, durante uma manifestação organizada por sindicatos contra as "obrigações" na agricultura, em particular as restrições ao uso de agrotóxicos. 8 de fevereiro de 2023 AFP - BERTRAND GUAY
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A FNSEA, a mais importante federação agrícola francesa, estima que "cerca de 500 tratores e mais de 2.000 agricultores" participaram de uma manifestação na zona sudoeste da capital até a Esplanada dos Inválidos, no centro da cidade.  

Agricultores protestam trazendo seus tratores para Paris. Em 8 de fevereiro de 2023. Esplanada dos Inválidos

"Temos cada vez mais interdições nas nossas plantações e cada vez menos soluções para produzir", lamenta em entrevista à RFI Guillaume Wullens, presidente da Confederação dos plantadores de beterraba (CGB) da região de Pas-de-Calais (norte). "O impacto dessa decisão sobre a cultura da beterraba é um exemplo de como a agricultura francesa se vê diante de um impasse, com grande risco de perda de rendimento", alerta, estimando em "até 30% de perdas na produção de beterraba".  

O estopim do descontentamento foi a decisão do governo francês, em 23 de janeiro, de renunciar à autorização de inseticidas neonicotinoides para o cultivo de beterraba-sacarina, após uma decisão do tribunal de Justiça da União Europeia que considera ilegal qualquer exceção em relação a esses produtos. 

A Comissão Europeia adotou nesta quinta-feira (2) regras que reduzem os limites autorizados para a presença residual em alimentos, inclusive importados, de dois neonicotinoides, moléculas que aceleram o declínio das colônias de abelhas e cuja pulverização já é proibida na UE. O inseticida é amplamente utilizado no Brasil. 

Proibidos desde 2018, os neonicotinoides vinham sendo usados de forma excepcional havia dois anos. Isso permitiu que fossem aplicados preventivamente em sementes de beterraba para evitar a icterícia, uma doença viral transmitida por pulgões. 

"Vai provocar duas coisas: perda de rendimento e o desinteresse dos agricultores sobre essa cultura, o que pode resultar em mais importação de açúcar, enquanto sabemos muito bem produzir na França", diz Wullens.  

O produtor de beterraba justifica que o uso desse tipo de agrotóxico já foi amplamente abandonado na França devido às exigências governamentais, citando como exemplo o cultivo do trigo. "A sua utilização na beterraba não significa mais do que 5% do que se usava até agora. Ou seja, já diminuímos em 95%", alega.  

Os produtores de beterraba destacam que "a agricultura francesa precisa de muita pesquisa e que o tempo agrícola é mais longo do que a política". Eles acrescentam que os agricultores já sofrem com o aumento do preço dos combustíveis e se sentem "incompreendidos pela sociedade civil". "Se querem continuar a comprar produtos franceses, tem que dar condições de produzir", finaliza.  

Rue Vaugirard. paris. Em 8 de fevereiro de 2023

"Restrições regulatórias insustentáveis", dizem os agricultores 

"Como usuário de neonicotinoides, não sinto que estou envenenando o mundo", disse, irritado, Damien Greffin, outro produtor e ativista sindical presente ao protesto. "Nesse ritmo, a agricultura vai desaparecer", destaca, referindo-se à proibição do inseticida "fosmete", usado contra as moscas que atacam cerejeiras e que, segundo ele, "compromete" o cultivo de cerejas, ou ainda o uso de herbicidas nos canteiros de endívias. 

"Queremos mostrar ao governo que os meios de produção não podem ser banidos sem alternativa", acrescentou, por sua vez, outro agricultor, Cyril Milard. 

"Mais tóxico do que o DDT" 

A Confederação Camponesa, terceiro sindicato do setor na França, não aderiu ao protesto. Em nota, lamentou a rejeição de "qualquer avanço ecológico". "A ambição de progresso social enfrenta as posições mais reacionárias e conservadoras", destacou a organização, considerada de esquerda. 

A ONG ambiental Gerações Futuras lembrou que os neonicotinoides são "mais tóxicos do que o temido inseticida DDT", proibido na década de 1970. A entidade denuncia práticas "dignas da agricultura dos anos 1960, não dos anos 2020". 

O ministro francês da Agricultura, Marc Fesneau, recebeu uma delegação de manifestantes para falar sobre "o futuro dos setores agrícolas", segundo uma nota à imprensa. Ele apresentará quinta-feira (9) "um plano de ação e apoio em resposta à decisão europeia" de proibir qualquer derrogação sobre o uso dos neonicotinoides.  

A União Europeia é criticada por ter proibido os neonicotinoides em seu território, mas continuar exportando para outros países. O Brasil é o principal destino de mais da metade dos registros de exportações desses agrotóxicos da UE, de acordo com dados da Agência Europeia das Substâncias Químicas. 

(com informações da RFI e da AFP) 

 

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