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Problemas sociais e ambientais são apontados por especialistas como principais desafios de Lula

Empossado como presidente do Brasil neste domingo (1°), Luiz Inácio Lula da Silva começa a segunda-feira (2) com uma série de encontros com autoridades internacionais que o prestigiam em Brasília, como o rei da Espanha, Felipe VI, e os presidentes dos principais países latino-americanos. A RFI ouviu analistas políticos sobre as expectativas de um terceiro mandato do petista.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua esposa Rosangela Silva (direita), e o vice-presidente Geraldo Alckmin e sua esposa Maria Lucia Ribeiro (esquerda) no Palácio do Planalto em Brasília, domingo, 1º de janeiro de 2023.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua esposa Rosangela Silva (direita), e o vice-presidente Geraldo Alckmin e sua esposa Maria Lucia Ribeiro (esquerda) no Palácio do Planalto em Brasília, domingo, 1º de janeiro de 2023. AP - Silvia Izquierdo
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Pascal Drouhaud, especialista em relações internacionais e no Brasil destaca, entre as primeiras ações do novo governante, a escolha de seus 37 ministros, 14 a mais do que no mandato de Jair Bolsonaro, mas dessa vez com um número recorde de 11 mulheres.

Como havia prometido, o novo presidente já assinou vários decretos para reverter medidas de direita de seu antecessor que facilitavam o acesso a armas, e para fortalecer instituições ambientais. “Este será um fio condutor, visto que a prioridade do novo presidente é reconstruir a unidade do Brasil”, aponta Drouhaud. Ele explica porque as expectativas são altas, especialmente na área social, segundo ele, um “fio condutor da campanha de Lula” à presidência.

O especialista destaca o foco do novo governo em busca de união, especialmente no combate às desigualdades, na retomada da cultura, melhorias na saúde e na proteção ambiental. Além disso, Lula deverá atuar no “fronte externo”, ou seja, “reintegrando o Brasil, a primeira economia latino-americana no mundo”, diz Pascal Drouhaud.

Lula volta ao Palácio do Planalto depois de ter dirigido o país entre 2003 e 2010. Porém, os tempos mudaram e o contexto econômico internacional também. “O mundo não era o de hoje; ele tinha aliados e uma maioria que não tem mais. No entanto hoje, Lula é um símbolo”, compara Drouhaud. “Ele conta com a força desse simbolismo para conseguir avançar em determinados assuntos. E para isso, conta com alguns aliados, em especial o vice-presidente centrista, Geraldo Alckmin, do PSDB”, cita.

Alianças

Lula foi eleito em 30 de outubro com 50,90% dos votos contra 49,10% para Bolsonaro. Uma vitória apertada que deixou o país muito dividido. “Lula vai ter que compor”, confirma Pascal Drouhaud. Porém, durante o discurso de posse, “as acusações contra Jair Bolsonaro foram muito fortes. Elas foram muito claras”, destaca o analista. Em sua fala, Lula lembrou que o ex-presidente havia "esgotado os recursos da saúde, desmantelado a educação e a cultura".

O especialista também aponta a importância da aprovação da PEC da transição que permite ao novo governo aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular. “Ele consegue negociar com outros campos da política. De qualquer forma, é isso que ele fará nos próximos quatro anos”, resume Drouhaud.

Posse sem tumultos

Apesar do temor de incidentes causados ​​por apoiadores de Jair Bolsonaro, a cerimônia de posse ocorreu com tranquilidade e sob alta segurança. "Não subestimemos a experiência de Lula, sua inteligência política e o seu senso de manobra”, observa Drouhaud, assim como “a sua vontade de finalmente apelar para um orgulho nacional a fim de reposicionar o Brasil na América Latina e no mundo”, diz.

Outro fato marcante, segundo o analista, “foi a presença de 53 delegações estrangeiras, chefes de estado da África, mas também da América Latina, o presidente argentino, o vice-presidente de El Salvador, por exemplo”, completa.

Combate à fome

Anais Flechet, professora da Universidade de Paris-Saclay (UVSQ), destaca outras prioridades do terceiro mandato de Lula. “Tem o combate contra a fome, pois há uma urgência social no Brasil. Sabemos que atualmente mais de 30 milhões de brasileiros estão em situação de grave insegurança alimentar e esta será uma das prioridades do governo Lula”, acredita a  vice-diretora do Centro de História Cultural das Sociedades Contemporâneas e membro do Instituto Universitário da França.

“O novo presidente também vai lutar contra o desmatamento da Amazônia, e ele espera anunciar um novo ‘Green Deal'”, se inspirando dos democratas americanos. Ou seja, medidas para lutar contra a degradação ambiental são muito aguardadas, assim como uma série de medidas econômicas que visam restaurar o crescimento econômicos do Brasil mas, sobretudo, “reduzir as desigualdades sob aspectos econômicos e sociais, que são muito grandes no país”, afirma Flechet.

A acadêmica concorda que “as margens de manobra desse governo Lula são muito limitadas, por um lado, porque o contexto econômico é moroso, com uma previsão de crescimento econômico de apenas 1% no Brasil e ainda revisto para baixo”.  

Por outro lado, porque Lula foi eleito com uma diferença muito pequena de votos.  “O Partido dos Trabalhadores (PT) está longe de ter uma maioria no Congresso. Então, para governar, Lula deverá negociar com partidos que foram seus opositores em mandatos anteriores”, aponta.

De acordo com Anais Flechet, essas negociações visam a atrair partidos de centro, de centro direita e os setores econômicos do país. “Nesse sentido, a composição atual desse novo governo é inédita e um primeiro avanço para Lula, pois vemos uma abertura em direção ao centro e ao centro direita, com partidos como o MDB, de Simone Tebet, que têm ligações com o agronegócio e que entrou na coalizão de governo”, destaca. 

“Não precisa desmatar”

Quando o assunto é preservação ambiental, tanto analistas ouvidos pela RFI, quanto o próprio presidente, destacaram o fato de que o Brasil “não precisa desmatar" para sustentar a sua agricultura. “Poderemos viver sem derrubar árvores, sem queimar florestas”, afirmou Lula em seu discurso de posse no Congresso Nacional em Brasília, reforçando a meta de “desmatamento zero na Amazônia”.

E é nessa área que a comunidade internacional espera dele gestos significativos, lembra Paulo Moutinho, do Centro de Pesquisas Ambientais da Amazônia em Belém. “Na Amazônia, temos uma grande área coberta por florestas públicas que devem ser protegidas. Estamos falando de 56 milhões de hectares de florestas bem preservadas. É do tamanho da Espanha!”, compara. “Se o governo decidir alocar essas terras para conservação ou transformá-las em terras indígenas, poderá reduzir drástica e rapidamente as taxas de desmatamento em um ou dois anos”, aponta. “Outra prioridade é fazer uso sustentável da riqueza da biodiversidade amazônica. Isso se chama bioeconomia no Brasil”, resume, e “abre possibilidades muito interessantes em termos de investimentos em torno da proteção da natureza. Mas será preciso vontade política e então teremos de combater o crime organizado”, aponta, citando a “extração de ouro e o garimpo ilegal, hectares de florestas invadidos, tráfico de drogas e de armas” como crimes que deverão ser eliminados da Amazônia.

Menos dinheiro para ações sociais

Enquanto o Brasil ainda espera por reformas estruturais, o professor adjunto de economia da Neoma Business School, Gabriel Gimenez Roche, lembra que Lula não terá muita margem de manobra para governar, como ocorreu anteriormente. O acadêmico destaca que os dois primeiros mandatos de Lula foram marcados por uma forte alta dos preços das matérias-primas, o que beneficiou o Brasil como grande exportador. “Isso permitiu a Lula pagar a dívida e financiar programas sociais sem fazer reformas estruturais. Mas esse ‘dinheiro mágico” não está mais disponível”, diz.

O analista cita, ainda, o fato de que o “Banco Central do Brasil é oficialmente independente e quer controlar a inflação, cuja perspectiva continua sendo de alta para 2023 e, portanto, as taxas de juros continuarão a subir”, o que pode ser um “obstáculo a qualquer despesa suplementar no Brasil”.   

Por fim, outro fator que pode bloquear Lula, de acordo com Gimenez, “é que o Congresso não está ao lado do presidente, uma vez que se trata de um Parlamento de direita e conservador”.   

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