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No Le Monde, Raí alerta para duplo flagelo no Brasil: crise sanitária e ameaça à democracia

Sem citar nominalmente o presidente Jair Bolsonaro e os militares que o apoiam, o brasileiro Raí, ex-jogador do PSG e diretor esportivo do São Paulo Futebol Clube, publica um artigo nesta quarta-feira (12) no jornal Le Monde com duras críticas ao governo de extrema direita no poder no Brasil. Raí conclama os brasileiros à resistência para vencer "a praga de traje escuro" que se apoderou do país. 

Paciente com a Covid-19 chega a hospital público em Brasília.
Paciente com a Covid-19 chega a hospital público em Brasília. AP - Eraldo Peres
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Raí, até hoje um ídolo entre torcedores franceses, cita trechos de obras do escritor e prêmio Nobel de Literatura Albert Camus, autor da trilogia "A peste", "O homem revoltado" e "Justos", para explicar o duplo flagelo que assola o Brasil: a crise sanitária da Covid-19 e os ataques à democracia, com o retorno dos militares ao poder. Inspirado no posicionamento político de Camus, que mostrou que a consciência do absurdo não deve levar as pessoas à indiferença moral, Raí descreve a atual tragédia brasileira.

"Além da praga biológica – essa epidemia tão mal administrada que causou a mais grave crise de saúde da história do meu país –, estamos sofrendo de outro mal, muito mais mortal no longo prazo", diz Raí. "Um mal que nos isola diplomaticamente, um mal que atormenta insidiosamente a Amazônia e persegue quem a protege. Um mal que autoriza a mineração em reservas indígenas, e prefere árvores cortadas a árvores vivas. Um mal castrador das liberdades, que ameaça a democracia e reaviva a censura odiosa, promove a intolerância, a homofobia, o machismo, a violência", insiste. "Ao aprisionar nossa razão e nosso bom senso, ele nos destrói, incita o ódio, se apresenta como inimigo das artes e da cultura, humilha nossa consciência ao negar a ciência", prossegue.

Segundo Raí, "esse mal, que tem suas próprias variantes, é obra de um clã". "Associado ao distanciamento, ao negacionismo, à desinformação, à mentira, acaba suprimindo, ainda que temporariamente, nossa revolta, nossa resistência e nossa indignação", afirma o ex-jogador.

Repressão e censura

Raí lamenta que o "mal" tenha contaminado questões relacionadas com o meio ambiente, os direitos humanos, a política externa do país. Recorda "um certo Secretário de Estado da Cultura", que parafraseou na televisão um discurso de Joseph Goebbels, o ministro de Adolf Hitler responsável pela propaganda antissemita.

"Devemos, portanto, resistir a essa praga brasileira que usa traje escuro e, por trás de um sorriso astuto, ataca pela repressão, agressão, perseguição, usando os 'resquícios' legais de um Brasil outrora autoritário, como esta lei de segurança nacional, herdada das trevas do período da ditadura militar", pontua. "E pensei que depois de vinte anos de tortura, de tantos assassinatos e de censura, nunca mais sofreríamos com tudo isso", destaca Raí.

Pesadelo

Raí descreve os brasileiros como um povo "distraído", que não presta atenção aos perigos que os ameaçam. "Durante anos, porém, os ratos estiveram ali, mostrando o rosto, revirando os olhos, mostrando os dentes, afiando as garras", aponta o ex-jogador, numa evocação velada aos militares e fascistas.

O que fazer para se livrar deste pesadelo, questiona o diretor esportivo do São Paulo. Raí reconhece que derrubar o mal não será tão simples, porque o Brasil "carrega nas costas a extrema desigualdade, econômica, social e educacional, que esteriliza os comportamentos e aniquila a vontade de ruptura". Mas ele aponta algumas prioridades. 

Em primeiro lugar, é preciso combater o negacionismo, "lutar contra a estupidez que desencoraja o uso de máscaras" e vacinar a população para vencer a epidemia. Depois, erradicar "a praga maior que gangrena a sociedade". "É preciso encontrar o antídoto para que não continuemos carregando uma doença que nos destruiria, contra nossa vontade", enfatiza. "Não queremos, por culpa de alguns criminosos, nos tornar nossos próprios algozes", conclui.

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