Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Fato inédito na Argentina, vice de Cristina Kirchner depõe por corrupção

Publicado em:

Pela primeira vez na história da Argentina, um vice-presidente em exercício será interrogado pela Justiça sob suspeita de corrupção, tráfico de influências e negociações incompatíveis com a função pública. Amado Boudou, escolhido a dedo pela presidente Cristina Kirchner para ser o seu vice, vai depor a partir das 11 horas da manhã desta segunda-feira (9).  

O vice-presidente da Argentina, Amado Boudou, depõe à justiça nesta segunda-feira, 9 de junho de 2014.
O vice-presidente da Argentina, Amado Boudou, depõe à justiça nesta segunda-feira, 9 de junho de 2014. REUTERS/Jorge Dan Lopez
Publicidade

Por Márcio Resende, correspondente da RFI Brasil em Buenos Aires

O caso respinga na presidente. Se Amado Boudou for processado, Cristina Kirchner deve decidir qual é o menor custo político: manter a proteção ao seu vice, tentar uma manobra jurídica para ganhar tempo ou ordenar uma estratégica licença do cargo.

Nas ruas, no entanto, uma maioria de entrevistados acha que Boudou deveria renunciar.

No banco dos réus

Amado Boudou teria usado o Estado para se tornar o dono encoberto de 70% de uma gráfica, a única no país capaz de imprimir dinheiro. A gráfica Ciccone estava quebrada em 2010, quando Boudou era ministro da Economia.

Boudou teria feito manobras ilegais junto à Receita Federal argentina para suspender a falência. A gráfica foi adquirida por um misterioso fundo de investimento, administrado pelo empresário Alejandro Vanderbroele, quem seria testa-de-ferro de Boudou.

Ao mesmo tempo, Boudou teria promovido contratos milionários entre o Estado e essa gráfica, que passou a imprimir dinheiro, documentos oficiais e cédulas eleitorais. Por outro lado, para que essa máquina paralela de fazer dinheiro fosse um negócio redondo, o atual vice-presidente também teria impedido que a Casa da Moeda se modernizasse para aumentar a sua capacidade de imprimir dinheiro e pudesse atender a demanda crescente.

Amado Boudou nega conhecer o empresário Vanderbroele, mas existe um foto dos dois mais jovens juntos. O empresário também morava em um dos vários apartamentos do vice-presidente. Também foram detectadas ligações telefônicas que confirmariam esse vínculo. E a ex-mulher de Vanderbroele garante que os dois são amigos desde a adolescência.

O escândalo só veio à tona há dois anos, quando Boudou já era vice-presidente. Para encobrir o caso, a presidente Cristina Kirchner ordenou -e o Congresso acatou- a estatização da gráfica.

O interrogatório

Se o vice-presidente realmente se dispuser a depor como prometeu, o interrogatório deve ser longo. Do lado de fora do tribunal, o governo deve colocar milhares de militantes para manifestar apoio ao vice. O objetivo é tornar uma investigação jurídica numa questão política.

A estratégia do governo é fazer de Boudou um perseguido político e vítima de uma campanha da oposição para desestabilizar Cristina Kirchner. O vice-presidente se diz alvo do linchamento de empresas de comunicação que, segundo ele, inventaram tudo. Boudou nunca se defendeu das acusações. Apenas atacou os jornais La Nación e Clarín.

O juiz pediu o depoimento do vice, ciente do risco de enfrentar o poder. A interpretação de juristas é que um juiz não intima um vice se não tiver provas contundentes e a decisão praticamente tomada de processar o vice-presidente porque sabe que ou vai rolar a cabeça do vice ou a do próprio juiz.

Repercussão para o poder

E qual pode ser o custo desse caso para a presidente Cristina Kirchner? A estratégia do governo é tentar destituir o juiz. Ao mesmo tempo, apelar o caso para uma segunda instância, onde o governo tem mais influência sobre juízes. Tudo isso para ganhar tempo e tentar chegar ao final do mandato de Cristina Kirchner, dentro de um ano e meio, sem turbulências políticas.

O vice Amado Boudou é o político com pior imagem no país e a presidente Cristina Kirchner está diretamente associada a Boudou porque ela o escolheu pessoalmente para ser o seu vice. A imagem positiva de Cristina Kirchner tem caído.Está em menos de 30%, o nível mais baixo até hoje.

Em outro caso, Boudou também está complicado na Justiça, acusado de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro.

Opinião popular

Nas ruas, a maioria dos argentinos quer mesmo é a renúncia de Amado Boudou. Uma sondagem da empresa de opinião pública Management & Fit, publicada pelo jornal Clarín, indica que 42,5% dos argentinos acham que Boudou tem de renunciar. Outros 11% acreditam que o melhor é ele pedir licença do cargo e somente 21,5% defendem que ele continue na função.

Amado Boudou garante que não vai nem pedir licença, mas se ele for processado, será preciso ver até que ponto Cristina Kirchner está disposta a se afundar com o seu vice-presidente.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.