Congresso argentino aprova legalização do aborto até 14ª semana de gestação
O Senado argentino, numa sessão histórica, transformou em lei o projeto que legaliza o aborto, somando a Argentina à lista de lugares onde o aborto é legal na América Latina: Uruguai, Guiana, Cuba e cidade do México. Os movimentos feministas argentinos querem agora influenciar os países vizinhos.
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Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires
Com 38 votos a favor, 29 contra, uma abstenção e quatro ausências, o Senado aprovou o aborto legal até a 14ª semana de gestação, depois de 12 horas de intenso debate.
O resultado não refletiu a paridade de forças que inicialmente os senadores exibiam, fazendo com que a votação tivesse um final incerto. Aos poucos, indecisos decidiram pela aprovação e votos antes contrários tornaram-se favoráveis.
Do lado de fora do Congresso, milhares de pessoas favoráveis e contrárias ao aborto mantiveram-se em vigília para pressionar os senadores.
A luta feminista continua
Assim que os telões anunciaram a vitória da legalização, as "verdes", cor da luta pelo aborto legal, explodiram num grito de vitória seguido de lágrimas e danças de felicidade, enquanto as "azuis", cor símbolo dos movimentos antiaborto, retiraram-se derrotadas.
"A luta vai continuar. Agora será para que a lei seja realidade nos hospitais e para que a regulamentação não coloque novas restrições", indica à RFI a socióloga e militante Valeria Lobos (37).
"A luta será pela implementação da lei. Não basta ter a lei. A Educação sexual, por exemplo, é lei e não se cumpre nas escolas. A lei também abre novos debates na sociedade. A luta começa com o aborto, mas restam muitos assuntos de gênero a serem debatidos", aponta à RFI a estudante de Educação Física e militante Valentina González (20).
Argentina como referência na vizinhança
Na América Latina, apenas o Uruguai, a Guiana, Cuba e a cidade do México permitem o aborto. Com a Argentina, referência regional na luta feminista, o aborto ganha uma projeção inédita.
A lei deve tornar o país uma referência na região. Os movimentos feministas acreditam que podem ser fonte de inspiração para os países vizinhos, especialmente para o Chile que vai redigir uma nova Constituição a partir do ano que vem.
"Esta lei é uma esperança para os demais países da região. É uma demonstração de que é possível. Esse é o maior impulso que a Argentina pode dar aos seus vizinhos: verem o que as companheiras argentinas conseguiram. E nós estaremos aqui para ajudar. Se conseguimos aqui, podemos conseguir em toda a América Latina. É uma esperança para a vizinhança", acredita Valentina González.
Contra-ataque legal
Do outro lado da Praça do Congresso, os contrários ao aborto avaliam recorrer à Justiça. Afirmam que a lei é inconstitucional porque a Constituição argentina define os direitos de uma pessoa a partir da própria concepção.
"Existem vários recursos aos que se pode recorrer, contestando aspectos inconstitucionais. Haverá muita pressão sobre o Poder Judiciário. Vejo um caminho legal sobre inconstitucionalidade e vejo complicada a implementação da lei", diz à RFI o enfermeiro Julián García Irízar (51).
"Que sociedade é essa que permite uma pessoa decidir pela vida de outra totalmente indefesa? Nessa linha, a eutanásia poderia ser proposta na Argentina. Esse não é o caminho", diz Julián.
O Conselho de Advogados de Buenos Aires avaliou que a legalização do aborto "não supera o teste constitucional".
"O direito argentino determina claramente a existência da pessoa humana a partir do momento da concepção", diz o Conselho em nota, detalhando todos os artigos que sustentam a afirmação.
Objeção de consciência
"Num país com fortes carências em saúde e em vários outros aspectos, o aborto vai usar recursos que poderiam ser empregados em outro tipo de coisas a favor da vida", compara o médico patologista Ricardo Sánchez Marull (60).
"Como médico, sei que a vida surge no momento da concepção. Portanto, é nosso dever defendê-la", avisa.
Pela nova lei, os médicos que alegarem ser contra a prática poderão exercer a chamada "objeção de consciência". Essa objeção abrange também hospitais e clínicas, especialmente as que estão ligadas à Igreja católica.
As adolescentes entre 13 e 16 anos de idade deverão estar acompanhadas de um adulto. Essa condição desaparece a partir dos 16 anos.
Na Argentina, a atual lei de 1921 só permite o aborto em caso de estupro ou em casos nos quais a mãe corre risco de vida.
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