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O Mundo Agora

Com mão de ferro Francisco quer reformar a Cúria e acabar com privilégios da Igreja

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Não foi só um puxão de orelha, foi um verdadeiro soco no estômago que o Papa Francisco deu na assembléia da Cúria romana reunida na sala Clementina do Vaticano. Durante meia hora, o pontífice máximo detalhou as quinze pragas da administração vaticana. Desde o “Alzheimer espiritual” até “a vida escondida e muita vezes devassa”, passando pela “arrogância”, a “mediocridade” e o “terrorismo do mexerico”. Barba, bigode e cabelo. Silêncio monacal e horrorizado dos presentes.

O papa Francisco acena para multidão do Vaticano, em foto de 25 de dezembro de 2014.
O papa Francisco acena para multidão do Vaticano, em foto de 25 de dezembro de 2014. REUTERS/Osservatore Romano
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Francisco foi eleito pela maioria dos seus pares cardeais para acabar com os podres da Igreja. E desde o princípio, o argentino Jorge Bergoglio, primeiro papa não-europeu, deixou bem claro que estava mais do que disposto para empreender essa tarefa hercúlea, e que também sabia que ia encontrar resistências terríveis. As mesmas que levaram o seu antecessor, Benedito XVI, cansado de dar murros em ponta de faca, a abandonar o cargo por plena e espontânea vontade. Um ato quase único na história do catolicismo.

A Igreja romana, atolada num mar de lama de escândalos financeiros e sexuais, minada por um vale-tudo de lutas de aparelho entre os Monsignori, e perdendo espaço frente às denominações protestantes, precisava urgentemente de uma renovação de alto a baixo, comandada por uma mão de ferro.

Faxina no banco central da Igreja

Francisco declarou de saída que a instituição e os sacerdotes, a todos os níveis – inclusive ele próprio –, deviam dar claras demonstrações de humildade. Mas que isso não queria dizer de jeito nenhum que ele era ingênuo. E que estava pronto para enfrentar os vícios do aparelho eclesiástico romano.

Para começo de conversa, ele já promoveu uma auditoria geral externa nas finanças do Vaticano e lançou uma faxina interna no Instituto das Obras para a Religião, o banco central da Igreja. Também não teve papas na língua para condenar e demitir padres ou altos sacerdotes acusados de pedofilia. Agora, pelo visto, chegou a hora de atacar o prato de resistência: a reforma da Cúria, o aparelho de Estado da Igreja ainda nas mãos da velha corte papal italiana.

O futuro do catolicismo está na África, na Ásia e na América Latina. A Europa cada vez mais descristianizada pesa cada vez menos na vida da Igreja universal. O corpo dos cardiais eleitores é cada vez mais representativo desta realidade.

E não é por nada que o argentino Bergoglio foi escolhido para suceder ao alemão Ratzinger. Não tanto porque ele vem do Sul, mas, sobretudo porque se trata do primeiro papa jesuíta. Uma ordem militante, que sabe da necessidade de promover o trabalho missionário, imprescindível para manter e aumentar a presença da Igreja num mundo onde o protestantismo e o Islã estão de vento em popa. Mas que também conhece de perto os jogos de poder e não tem medo das receitas maquiavélicas para defender a religião e a Igreja, inclusive contra ela mesma.

Redistribuição do poder dentro da Igreja

O nome “Francisco” faz referência à doçura e humildade de São Francisco de Assis (que, aliás, também era um bom político), mas também a São Francisco Xavier, grande diplomata e evangelizador jesuíta da Ásia.
Mas relançar a vocação missionária da Igreja romana significa mobilizar todas as forças centrais e locais do clero e dos laicos. O projeto do papa Francisco é claramente de tentar uma redistribuição do poder dentro da Igreja, dando mais força aos bispos na tomada de decisões e privilegiando as ações diretas em cada paróquia mais próximas possíveis dos fieis.

Só que isto não acontecerá sem uma descentralização do poder vaticano e, portanto, um rebaixamento do poder da Cúria romana e dos privilégios seculares da Igreja italiana. É uma montanha a galgar. Mas quem sabe um jesuíta argentino determinado não terá condições de ganhar essa parada? Por enquanto as apostas estão abertas, mas para uma instituição declinante de dois mil anos, desta vez é ou vai ou racha.

Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, assina esta coluna semanal para a RFI Brasil.

 

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