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Fato em Foco

Entenda por que ofensiva extremista no Iraque ameaça toda a região

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A ofensiva armada de extremistas Estado Islâmico no Iraque já provocou a fuga de mais de 100 mil cristãos do país, e o número total de mortos se aproxima de 2.000. Desde junho, Bagdá tenta enfrentar o avanço fulminante dos jihadistas no solo iraquiano, mas a situação política frágil e a estrutura militar deficiente no país tornam a tarefa quase impossível, ao ponto de os Estados Unidos se mobilizam em intervenções localizadas.

Perseguida por radicais, minoria yázidi foge do Iraque.
Perseguida por radicais, minoria yázidi foge do Iraque. REUTERS/Ari Jalal
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A violência atingiu um ponto tão alto que agora a comunidade internacional se encontra diante de uma escolha entre o ruim e o menos pior, na avaliação de Myriam Benraad, pesquisadora da Sciences Po, em Paris, e consultora internacional sobre o Iraque. Uma intervenção internacional não é uma solução duradoura para o problema, mas permitir que os extremistas tomem conta do país seria ainda mais perigoso. “É preciso que seja pensada uma política e uma visão para toda a região – não só no Iraque, mas além dele, como na Síria, no Líbano, na Líbia e no Sahel, sem falar do Egito”, sustenta a especialista, em entrevista à RFI.

Qual é o peso da comunidade cristã no Iraque?
Ela é muito importante, embora não seja muito vasta. Ela é muito presente e já foi vítima muitas vezes de perseguições, algo que se intensificou depois da ocupação americana. Os fiéis e as igrejas logo passaram a ser alvo de ataques após 2002. Essas populações, que hoje fogem e emigram diante da ofensiva jihadista, estão entre as mais antigas comunidades cristãs do Oriente Médio. Essa eliminação dos cristãos, comandada de uma maneira tão brutal, é particularmente trágica porque as pessoas se encontram sem qualquer defesa neste momento. As autoridades iraquianas as abandonaram completamente à própria sorte. O exército iraquiano desertou diante dos jihadistas, enquanto os curdos, aos quais os cristãos estão recorrendo, estão se enfraquecendo ao longo dos combates com os extremistas. Ou seja, é uma situação de desesperança, de êxodo, de fuga, afinal quando os cristãos não fazem isso, eles têm duas opções: a conversão forçada ao islamismo ou a execução sumária.

As minorias yazidis e os shabak também são perseguidas. Por quê?
Na realidade, esse é um conflito que atinge todos os iraquianos. Houve mesquitas atacadas, principalmente as de sunitas que não são salafistas, mas sim moderados. Ou seja, são muçulmanos diretamente visados pelo Estado Islâmico no Iraque. É literalmente uma hecatombe, uma situação humanitária atroz que o Iraque está vivendo. As pessoas tentam categorizar as vítimas, os alvos, mas não se pode esquecer que o Estado Islâmico é formado por criminosos, antes de mais nada. Sim, há ideologias e argumentos para justificar os crimes, mas é impossível não lembrar dos argumentos que eram levantados em outros conflitos no passado, como na Bósnia, na Argélia, no Afeganistão ou outros. Nada justifica as ações, os exageros e a barbárie destes jihadistas. Eu acho que nós subestimamos a que ponto eles poderiam ser brutais. Toda a oposição ao projeto deles é sancionada com a morte.

Essas minorias já viviam escondidas após a invasão americana?
A situação das minorias no Iraque se deteriorou muito depois da queda do regime de Saddam Hussein, que era um tirano assassino, mas garantia um mínimo de proteção para essas minorias. Essa “proteção” desabou ao mesmo tempo em que o regime, e a insurreição sunita salafista e jihadista cresceu, pegando sistematicamente as minorias como alvo. Essas minorias têm uma representação política muito limitada no poder transitório iraquiano, por isso não conseguem ser representadas nas instituições, no parlamento e no governo. Então muitos não têm outra alternativa a não ser fugir, e infelizmente acho que a maioria não vai retornar. Acho que muitos cristãos e outras minorias já estão convencidos de que o Iraque acabou para eles.

Sem a ajuda internacional, os jihadistas podem chegar a tomar o controle de todo o Iraque?
É muito difícil de responder a isso porque traz a questão da oportunidade e da pertinência de uma intervenção ocidental. Nos dois casos, os riscos são muito grandes. No caso do laisser-faire, o que prevaleceu até agora foi uma catástrofe humanitária, portanto o laisser-faire não é um método ou uma política para resolver o problema. Mas o passado também nos mostrou que a intervenção ocidental no Iraque conduz ao caos. Acho que hoje o debate precisa ser colocado em outros termos, porque o diálogo entre os defensores do intervencionismo sem medidas e os que preferem deixar o Iraque se virar é um debate estéril. O que eu acho é que é preciso se pensar em uma política e uma visão para toda a região – não só no Iraque, mas além dele, como na Síria, que está cada vez pior, o Líbano, a Líbia, que está num caos completo, o Sahel, que continua palco de operações jihadistas violentas, sem falar do Egito. Face a tudo isso, é preciso que os ocidentais redefinam uma política para a região, principalmente a Europa, que está às portas desses países e está diretamente ligada às consequências dessa implosão, a começar pelo fluxo de refugiados, que não para de aumentar. Além disso, tem as questões de segurança e de terrorismo, que já se exportam para a Europa. Entre os membros do Estado Islâmico, há centenas de jihadistas europeus.

Diante dessas ameaças, você acha que os ocidentais ficaram inertes demais, ao observarem o avanço dos extremistas?
Eu acho que essas crises regionais foram gerenciadas na base do improviso, o que foi um grande erro, porque era preciso uma reflexão profunda e uma nova política. Isso não aconteceu e hoje nós chegamos a um ponto de ruptura, com toda essa violência no Iraque, que só agora vai provocar debates intensos sobre o que fazer e sobre qual deve ser a relação do Ocidente com essa região hoje.

Os jihadistas se aproveitaram desse vácuo dos ocidentais para ganhar espaço?
Não sei se foi uma consequência direta do laisser-faire que exacerbou essa situação, mas os extremistas se aproveitaram principalmente da precariedade na qual vivem as populações. Eles aproveitaram para desenvolver uma verdadeira economia de guerra, que lhes permitiu recrutar cada vez mais combatentes. Eles se aproveitaram dos levantes populares contra os ditadores e de uma parte desses manifestantes, que se radicalizaram e se tornaram combatentes. E eles não vão parar na Síria ou no Iraque, porque agora eles visam toda a região, como o Líbano, a Jordânia, a Palestina histórica, além dos países do Golfo, o Egito, a Líbia, o Magreb e o Sahel.

A que ponto eles estão organizados para isso?
Eles são muito organizados. O Estado Islâmico se caracteriza por ter um grau de organização muito sofisticado: eles têm ministros, diversas células combatentes extremamente organizadas, e é isso que explica boa parte do sucesso do grupo. Eles souberam se articular entre eles e penetrar na sociedade, ao conquistar aliados importantes e atraindo cada vez mais recrutas, afinal eles pagam muito bem. Poucos sabem, mas a razão financeira atrai muita gente para esse grupo, que é extremamente poderoso hoje.
 

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