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França/Cultura

Literatura brasileira precisa reconquistar franceses, dizem jornais

Por ocasião da abertura do Salão do Livro de Paris, que tem o Brasil como convidado de honra, os principais jornais franceses trazem nesta quinta-feira (19) extensas reportagens e críticas sobre a literatura brasileira. Desconhecida do grande público francês atualmente, a produção literária do Brasil deve ganhar maior visibilidade com a presença de 48 autores em um dos principais eventos mundiais do setor.

Cartaz do Salão do Livro promovendo encontro com escritores brasileiros
Cartaz do Salão do Livro promovendo encontro com escritores brasileiros Foto: DR
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Com o título "Uma literatura exuberante", o suplemento de literatura do jornal Le Figaro dedica duas páginas para explicar a desconexão que se estabeleceu entre os leitores franceses e a produção literária do Brasil. Por outro lado, a edição traz uma lista com nomes de vários escritores que já tiveram suas obras traduzidas para a língua de Voltaire, como Sérgio Rodrigues, Adriana Lisboa, Luiz Ruffato e Paulo Lins.

Em uma retrospectiva histórica, Le Figaro lembra que jovens talentos do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte se inspiraram em autores franceses como Victor Hugo, Guy de Maupassant e Charles Baudelaire para iniciar suas carreiras. Muitos deles, lembra o diário, se encontraram a partir do final do século 19 na Academia Brasileira de Letras, inspirada na mesma existente na França.

O interesse pela produção literária brasileira se estendeu ainda por vários anos depois que Blaise Cendrars divulgou a “efervescência criativa” que observou no movimento modernista dos anos 20. Segundo o jornal, a vinda a Paris de autores fugindo da ditadura militar (1964-1985) ajudou a manter os laços entre os dois países, mas, depois, a relação conheceu uma “distensão”.

Palavras de editores

Na falta de uma explicação precisa, o presidente e fundador da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, sugere, em entrevista ao jornal, que a literatura do Brasil perdeu espaço na França devido a falta de editores que leem português e a pouca disposição de agentes de editoras brasileiras em promover os autores do país. Schwarcz acredita que alguns nomes da nova geração poderão contribuir para ocupar esse vazio, preenchido, por enquanto, por famosos como Chico Buarque e Bernardo de Carvalho.

Em entrevista ao Le Figaro, Michel Chandeigne, fundador da livraria portuguesa e brasileira, considera que a literatura verde-amarela só não é mais divulgada na França pela falta de um grande autor que seja ao mesmo tempo popular e de uma grande qualidade literária.

Em relação aos grandes escritores brasileiros do século 20, como Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, o editor Chandeigne explica que o autor de Grande Sertão Veredas morreu jovem demais (aos 59 anos) e sua genialidade só é percebida quando se lê sua maior obra no original.

No entanto, ele não tem explicação para o desconhecimento de Drummond, “uma injustiça total”.Chandeigne lamenta que sua poesia “magnífica e popular” tenha sido tão mal traduzida na França. Drummond mereceria um Nobel de Literatura, tanto quanto Clarice Lispector, opina o editor francês.

Muitos autores contemporâneos brasileiros encontram seu público na França, como Bernardo de Carvalho e Milton Hatoum, exemplifica. O problema, insiste Chandeigne, é que não surgiu mais nenhuma figura emblemática da literatura como Jorge Amado, autor conhecidíssimo e "que todo mundo tinha vontade de ler".

A versão francesa de Bahia de todos os Santos, de 1938, atingiu mais de 100 mil exemplares, feito que permanece histórico. “Ninguém o substituiu. Mas também é a época em que vivemos que reflete isso. O interesse do público é mais esparso e diversificado que antes”, concluiu.

Literatura brasileira atual e realidade urbana

Em um longo artigo de capa no suplemento conhecido como “O Mundo dos Livros”, o correspondente no Brasil do vespertino Le Monde, Nicolas Bourcier, viajou por São Paulo e Rio de Janeiro para revelar a característica atual da produção cultural no país.

A peça de teatro Puzzle, de Felipe Hirsch, que explora um painel de palavras presentes no cotidiano dos brasileiros, é o ponto de partida para o jornal ilustrar a tendência verificada de artistas e autores de se inspirarem cada vez mais na realidade, muitas vezes cruel, para expressar sua arte. “O país abandonou definitivamente o realismo mágico para enfrentar cruamente e concretamente uma realidade cada vez mais complicada”, explicou Hirsch ao Le Monde.

Para o jornal francês, a escolha dos escritores para participar do Salão do Livro de Paris revela esse novo paradigma da produção brasileira. A constatação é confirmada pela comissária do Salão, a professora e filósofa Guiomar de Grammont que disse ao Le Monde: “O autor quer falar agora do que ele vive, do que ele vê”.

Outro entrevistado pelo jornal, Godofredo de Oliveira Neto, professor de literatura e escritor também presente no Salão do Livro, explica que os intelectuais não representam mais um papel intermediário na sociedade, como já foi o caso de Jorge Amado ou Guimarães Rosa.

“É como se os autores brasileiros assumissem seu papel político e cultural. Eles escrevem sobre seu bairro e até promovem a leitura de suas obras nas periferias para mostrar que a cidade pertence a eles também e que eles não estão excluídos”, explicou o escritor. “O Brasil se lê, então, cru. E se alimenta do racionalismo urbano”, constata o correspondente do Le Monde.

O suplemento do diário traz resenhas críticas de quatro autores que terão suas obras presentes no Salão, entre eles, o livro de estreia de Fernanda Torres, Fim, traduzido pela editora Gallimard. O crítico Frédéric Potet afirma que a atriz utilizou seu primeiro romance para criticar ferozmente o culto da aparência que se instalou no Brasil.

 

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