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Saúde em dia

A linguagem neutra pode ajudar na luta contra a percepção de gênero? Veja o que diz a Ciência

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A linguagem inclusiva e o uso de palavras neutras podem influenciar o cérebro e mudar a percepção do gênero na comunicação? Um estudo publicado recentemente pela equipe do pesquisador francês Léo Varnet, do CNRS, o Instituto Francês de Pesquisa Científica, mostra que a linguagem neutra, na verdade, não é tão neutra assim.

A linguagem neutra é tema de estudo de pesquisadores franceses.
A linguagem neutra é tema de estudo de pesquisadores franceses. Getty Images/Image Source
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Taíssa Stivanin, da RFI

O debate sobre a linguagem inclusiva divide gramáticos e ativistas de gênero no Brasil e está presente há décadas na França. A Academia Francesa tem recusado novas formas de linguagem que evitem o uso sistemático do chamado masculino genérico. Um exemplo é a palavra “homem”, que pode ser usada para designar pessoas do sexo masculino e feminino.

Existem diversas formas diferentes de linguagem inclusiva. Algumas se destacam na língua francesa e incluem o uso de palavras neutras nos textos, como "insubstituível", por exemplo. Esses substantivos considerados masculinos e femininos são chamados de epicenos.

Outra “estratégia” do idioma francês é incluir as duas formas na mesma frase. Desta forma, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, por exemplo, ficaria assim: “os homens e as mulheres nascem e são livres e iguais em direitos”. A frase original não inclui a palavra "as mulheres".

Outra maneira de equilibrar o discurso de gênero no idioma francês é incluir um ponto central nas palavras para marcar a existência da forma feminina, por escrito. Em vez de escrever o músico e a musicista (le musicien et la musicienne em francês), a palavra será escrita com um ponto.(le musicien.ne.s). Mas, oralmente, a pronúncia será idêntica.

Masculino genérico é neutro?

Recentemente, o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu que o masculino na língua francesa é neutro, reavivando a discussão sobre a linguagem inclusiva no país. Mas, muito além da polêmica social e política, o que a Ciência sabe sobre tudo isso?

A Psicolinguística é um campo de estudo que analisa como o cérebro decodifica aquilo que lemos, ouvimos ou falamos, explicou à RFI o pesquisador francês Léo Varnet, do CNRS, o Instituto Francês de Pesquisa Científica.

Em seu laboratório na Escola Normal Superior de Paris, no quinto distrito da capital, ele detalhou os resultados do seu estudo mais recente. Suas conclusões, publicadas recentemente na revista Frontiers of Psychology, mostram que a linguagem neutra, na verdade, não é tão neutra assim.

A pesquisa foi feita na cidade de Grenoble, ao longo deste ano, e contou com a participação de setenta voluntários. “É importante ressaltar que nosso objetivo não era militante. Fizemos uma pesquisa científica para entender como a linguagem inclusiva é captada pelo cérebro e de que maneira ele privilegia a forma masculina na compreensão de uma frase que utiliza o masculino genérico para designar homens e mulheres", diz Léo Varnet.

Em seu estudo, o pesquisador francês Léo Varnet, do Instituto Francês de Pesquisa Científica, mostra, que a linguagem neutra, na verdade não é tão neutra assim.
Em seu estudo, o pesquisador francês Léo Varnet, do Instituto Francês de Pesquisa Científica, mostra, que a linguagem neutra, na verdade não é tão neutra assim. © Cyril Etienne/RFI

Experiência em duas etapas

A pergunta feita pela equipe de Leo Vernet durante o estudo foi se esse modelo de escrita inclusiva poderia remediar essa percepção favorável ao masculino. Uma das primeiras descobertas aconteceu na primeira etapa da experiência: os participantes demoraram cem milésimos de segundo a mais para concluir que um texto com uma palavra masculina no início se referia, na verdade, a uma mulher.

Este foi o caso da frase “o refém não comeu há dias. Ela/Ele perdeu muito peso”, usada na pesquisa. Questionados pelos cientistas, os participantes respondiam mais rápido que o refém era um homem quando a frase começava com o pronome masculino "Ele" em vez do "Ela".

“Todo o resultado do estudo envolve essa pequena diferença de cem milésimos de segundo entre o tempo de resposta sobre o gênero do sujeito da ação quando propomos uma segunda frase que começa com o pronome “Ele” em comparação ao “Ela”. Isso indica que o cérebro demora mais para tratar uma frase que começa com o pronome feminino”, explica Léo Varnet.

Em termos de sinapses de circuitos neuronais, cem milésimos de segundo é uma eternidade. Isso significa que os participantes pensaram de imediato que a palavra refém se referia a um homem.

Na segunda parte da experiência, os cientistas usaram o ponto no início da frase, escrevendo “Um.uma refém”, para ver o que acontecia. Essa estratégia igualou o tempo de tratamento de informação pelo cérebro em relação ao gênero, sem beneficiar o masculino. A conclusão é que tanto o uso do ponto na forma escrita como a inclusão da forma feminina ajudam a equilibrar a questão do gênero na língua francesa.

A linguagem é sexista por natureza? “A linguagem, por si só, é um pouco sexista. Nossa linguagem usa, essencialmente, o masculino genérico. Nosso cérebro aprendeu de certa forma a funcionar dessa maneira e talvez reproduza isso, mesmo no caso da linguagem neutra. Ele talvez aplique, automaticamente, a regra do uso do masculino. Uma outra explicação que temos para esse desequilíbrio nas formas neutras é que às vezes elas são usadas para designar apenas homens”, conclui Léo Varnet.

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