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Bailarina trans brasileira, Naomi Brito, dança “Liberdade Catedral” da cia Pina Bausch

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“Liberté Cathédral”, ou Liberdade Catedral, é o novo espetáculo do Tanztheater Wuppertal fundado pela consagrada coreógrafa alemã, Pina Bausch, morta em 2009. Em cena, a bailarina trans brasileira Naomi Brito que integra a companhia de dança alemã desde 2020. Dançar na cia Pina Bausch é "babado", diz Naomi em entrevista à RFI.

Naomi Brito, bailarina da cia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, em Lyon, no dia 22 de Setembro de 2023.
Naomi Brito, bailarina da cia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, em Lyon, no dia 22 de Setembro de 2023. © Carina Branco/RFI
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A coreografia de “Liberté Cathédral”, é assinada pelo francês Boris Charmatz, que dirige o Tanztheater Wuppertal Pina Bausch desde 2022. O espetáculo, em parceria com a companhia Terrain de Charmatz, estreou no início de setembro na Alemanha e logo depois, de 22 a 24 de setembro, foi um dos destaques da programação da Bienal da Dança de Lyon, onde Naomi Brito foi entrevistada por Carina Branco.

Espetáculo “Liberté Cathédral” de Boris Charmatz, para a companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch.
Espetáculo “Liberté Cathédral” de Boris Charmatz, para a companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. © Tanztheater Wuppertal Pina Bausch

Os corpos dos mais de 20 bailarinos em cena constroem e desconstroem com gestos, cantos e silêncios essa catedral humana. “O corpo é uma catedral e liberdade” define a bailarina brasileira, que integra o Tanztheater Wuppertal há três anos. Naomi Brito achou “desafiadora” a nova coreografia, que será novamente apresentada em dezembro, na Ópera de Lille, e em abril de 2024, no Teatro do Châtelet de Paris.

Leia a entrevista completa de Naomi Brito feita por Carina Branco ou clique na foto principal para ouvir o bate-papo.

RFI: Como você descreve esta peça?

Naomi Brito: Esta peça é desafiadora. Tem muitos desafios e descobertas também.

Por que o espectáculo se chama “Liberdade Catedral”?

Para mim, são liberdades humanas dentro de todos esses padrões que a gente vive e, se construirmos coisas, a gente pode dizer que nosso corpo é a nossa catedral e a nossa liberdade.

A peça está dividida em várias partes que constroem o edifício de uma catedral. Primeiro os cânticos, depois os sinos, os órgãos, os silêncios e a música Fuck de Pain Away de Peaches. Tudo parece também desabar para voltar a se reerguer graças ao corpo coletivo. Como foi criar todos estes espaços e a evolução entre eles?

Como eu disse no começo, foi desafiador. Eu acho que nunca cantei e dancei ao mesmo tempo e aqui a gente teve que aprender a fazer isso. Foi um processo muito desafiador e nasceu isso. Eu senti liberdade nessa desconstrução para construir.

Nessa coreografia a catedral não é, de certa forma, o oposto de liberdade, a expressão da opressão, nomeadamente com o capítulo dos silêncios? O que eles significam?

[Naomi fica em silêncio] O peso do silêncio. Sentiu?

Esse silêncio, na peça, parece remeter para os abusos sexuais na Igreja…

Isso… [Silêncio]

A peça surge depois de termos vivido a pandemia e depois de os corpos terem sido obrigados a se isolar e a se afastar uns dos outros. Nesta peça, vocês tocam e interagem com o público. É um apelo ao reencontro?

Acredito que sim.

Como o público reage?

O público de Wuppertal, onde a gente também se apresentou, é diferente do público aqui da França. São seres humanos diferentes, países diferentes, outra linguagem também. Tem esse distanciamento porque eu não falo francês. Mas tem esse almejo pelo encontro.

Como é trabalhar na companhia criada por Pina Bausch sem a Pina Bausch?

Eu acredito que ainda tem Pina Bausch. A presença dela ainda está lá.

Como se transmite essa presença? São os bailarinos que ainda estão na companhia e que trabalharam com ela?

Com certeza, sim, e a energia.

Esta é a primeira criação de Boris Charmatz para o Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. Ele é o novo diretor artístico da companhia. Como foi trabalhar com ele?

Foi bom. Ele desafiou a gente a fazer muita coisa, fez a gente aprender muita coisa. Acho que aprendi a trabalhar coletivamente, tão perto de pessoas, não sei, este coletivo tão junto. Eu acho que nunca trabalhei assim antes, com tanta gente, 20 pessoas. Coletividade, aprendi isso.

Quando assistimos ao espetáculo, vemos um corpo coletivo, mas sentimos as emoções de cada bailarino individualmente. Como é construir esse corpo coletivo, partindo de cada um?

O individual cria o coletivo. Cada um traz a sua história e a gente conta o todo.

Como foi o processo de criação da peça? Parece que é tudo muito improvisado, mas está tudo escrito?

Sim. A gente tem essa liberdade de construir o que a gente quiser com o nosso corpo, a mensagem que a gente quer passar, mas tem algo escrito que a gente tem que seguir. Por exemplo, seguir os sinos, dançar ao mesmo tempo que a gente está cantando, parar quando tem silêncio, começar de novo quando se canta de novo.

Durante a sua vida, Pina Bausch quis integrar bailarinos diferentes, com formações diferentes, corpos diferentes. Você é a primeira bailarina transgênero da companhia, que integrou em 2020. O que isso representa?

É babado! [Risos] Não sei se essa palavra existe em Portugal, mas no Brasil a gente fala que é babado.

O que isso quer dizer?

Acho que não consigo traduzir. Significa muito para mim, mas também existe o peso de um corpo existir num lugar pela primeira vez. Então, é babado com esse peso de existir num lugar pela primeira vez.

A dança pode contribuir para mudar o olhar das pessoas e para integrar corpos que até agora foram invisíveis?

Com certeza, com certeza. Eu costumava pensar: se não for no meio da arte, onde é que o meu corpo cabe? Politicamente, mesmo não querendo ser, também acredito que eu sou um corpo político.

Ou seja, foi a arte que lhe deu o seu espaço?

Sim, com certeza. Acredito que sim, mas eu também dei o meu espaço a mim mesma antes da arte.

Para terminar, quando é que começou a dançar e o que a dança representa para você?

Comecei a dançar com seis anos, em Paracuru, uma cidade no Brasil. Agora tenho 26 anos. O que a dança representa para mim é estar viva. Dançar representa a minha vivência, esse meu almejo por continuar viva.

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