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RFI Convida

Minc prevê reinauguração do Museu Nacional em 2026 com devolução de manto tupinambá

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A informação foi confirmada pelo secretário-executivo do Ministério da Cultura (MinC), Márcio Tavares, em entrevista à RFI. Ele participa de um duplo giro internacional, passando primeiro por Paris, com reuniões na sede da Unesco, onde defende dossiês brasileiros ligados ao patrimônio, mas também discute pautas como Racismo e Discriminação, e, na sequência, segue para Joanesburgo, na África do Sul, onde participa da 8ª reunião de ministros de Cultura dos BRICS.

Manto tupinambá do século 16, em exposição no Museu Real de Arte e História da Bélgica, em Bruxelas
Manto tupinambá do século 16, em exposição no Museu Real de Arte e História da Bélgica, em Bruxelas © Museu Real de Arte e História da Bélgica/Divulgação
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RFI: Você está com uma agenda cheia aqui em Paris, com foco especial na cooperação do Ministério da Cultura com a Unesco, em diversos temas. Queria começar falando sobre a recente eleição do Brasil para integrar o comitê da Convenção da Unesco de 1970, que proíbe o tráfico de bens e artefatos culturais. É uma legislação pioneira, que prevê, inclusive a devolução de bens culturais furtados.Queria saber se isso diz respeito, por exemplo, à devolução dos mantos tupinambás.

Márcio Tavares: A participação nessa convenção é bastante importante para nós. O Brasil tem uma tradição de defesa multilateral, de mecanismos para proteção dos patrimônios culturais dos diversos países, inclusive do patrimônio cultural brasileiro. Nós tivemos uma notícia muito significativa na reconstrução do Museu Nacional, na qual a Unesco, inclusive, tem sido uma das parceiras, na retomada depois do terrível incêndio de 2018. Nesse momento, a Dinamarca decidiu restituir um dos mantos tupinambás, que estavam no país europeu, para fazer parte do novo acervo do Museu Nacional. Essa é uma notícia bastante importante porque eles têm um significado cultural gigante para o Brasil e também para a reconstrução desse museu, que era um dos equipamentos de maior envergadura em termos de acervo do hemisfério sul. Então isso envolve, claro, a discussão sobre o conjunto dos mantos tupinambás e as conversas sobre o patrimônio cultural deslocado dos países de origem para outros países, que precisam ter um tratamento multilateral, que permitam que eles possam ter sede nos seus locais de origem. Nós discutimos dessa maneira e queremos uma solução acordada através dos organismos internacionais, e a Convenção de 1970 é um excelente instrumento e uma excelente plataforma para a gente poder debater soluções em comum, nesse sentido. 

RFI: Já tem data essa chegada do manto no Museu Nacional do Rio de Janeiro?

Márcio Tavares: O presidente Lula esteve nas obras do Museu Nacional, e nós estamos acelerando essas obras com o Ministério da Educação. Afinal de contas, o mantenedor do Museu Nacional é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que é vinculada ao Ministério da Educação, então é uma parceria entre o Minc e o MEC, e nós esperamos reabrir em 2026. Nós queremos que essa reabertura já tenha a presença do manto tupinambá como um dos objetos que vão fazer parte desse novo acervo. 

RFI: Você tem uma trajetória, uma formação que remonta à questão da memória, da Museologia, das políticas culturais. O Brasil viu em 2018 como o descaso pode causar destruições, como o incêndio no Museu Nacional, ou mesmo a devastação constatada no próprio Palácio da Alvorada. Qual é o estado hoje do Iphan? Ele está funcionando a 100%? Como está sendo a recuperação desse patrimônio e dessas estruturas que protegem o patrimônio? 

Márcio Tavares: Nos últimos anos nós passamos por uma devastação do Ministério da Cultura e das suas estruturas vinculadas. Uma delas é o Iphan. A mesma devastação aconteceu na Fundação Palmares, no Ibran. Por isso, nesse momento fazemos um trabalho apoiado pelo presidente Lula, que nos deu condições orçamentárias para a recuperação do Ministério da Cultura e das políticas culturais, liderados pela ministra Margareth Menezes. A única coisa que o Iphan fazia nos últimos anos era responder a diligências judiciais. Era necessário o acionamento da justiça para que um patrimônio tombado, que é responsabilidade do Estado, pudesse receber algum encaminhamento. Nesse momento, nós voltamos a estabelecer um plano em cada uma das nossas superintendências que cobrem todo o país e que estão com investimentos de recuperação no patrimônio material, mas também voltamos a fazer políticas para o patrimônio imaterial. As proteções das nossas comunidades tradicionais, do jongo, do samba, da nossa cultura popular, que são também uma tarefa do Instituto, e que ficaram completamente apagadas nesses últimos seis anos, voltaram a ter políticas à parte. Não está ainda funcionando no nível de atuação que a gente gostaria, mas tem um caminho muito claro. Em seis meses, a gente teve entregas bastante significativas desse retorno, tanto em políticas de editais quanto em políticas de retomada de projetos que já estão prontos. 

RFI: Como, de fato, evitar tragédias como a de setembro de 2018, no Museu Nacional? Existem diagnósticos sendo feitos em outros museus, em equipamentos culturais como o da Cinemateca, que também estava ameaçado?

Márcio Tavares: O Brasil tem uma legislação muito avançada em proteções de museus. O que a gente precisa é colocar em prática aquilo que a legislação estabelece. É preciso ter governos que entendam a Cultura como algo central na sua agenda, e não como algo periférico. Nesse momento, estamos tendo essa oportunidade, mostrando que esse investimento é fundamental para que a gente consolide a nossa democracia e retome um ciclo de desenvolvimento. Assim, temos buscado fazer com que os estados e municípios, que são parceiros nessa gestão dos bens tombados, dos museus, sejam incluídos numa agenda federativa robusta de proteção comum. Temos dialogado com o Ministério Público também para que a gente consiga fazer um protocolo comum de atuação, tornando desnecessária esse acionamento constante do MP, fazendo com que exista uma agenda proativa. A partir do momento em que entregamos esse patrimônio, que garantimos a visitação, o acesso ao público, é necessário que as pessoas sintam esse patrimônio como parte delas, do seu pertencimento como cidadãos, nas mais diversas localidades do país. Isso também é um trabalho de educação patrimonial, que fez tanta falta no 8 de janeiro [data da invasão do Palácio do Planalto pelos golpistas].

RFI: Depois você segue para Joanesburgo, onde vai visitar o Museu do Apartheid. Está na pauta a questão da Rota dos Escravos. O Brasil volta a pensar com seriedade na memória enquanto identidade e cultura? 

Márcio Tavares: Volta com muita força neste momento, a pensar sobre isso como uma das agendas prioritárias do Ministério da Cultura. Já logo no começo do ano, tratando do Cais do Valongo, que é patrimônio da humanidade, uma das pautas que a gente trata agora com a Unesco é justamente sobre a retomada do centro de interpretação do Cais do Valongo [no centro do Rio de Janeiro], da proteção das Docas Dom Pedro II, que é um dos primeiros prédios construídos por um arquiteto negro, que fica justamente no ponto de chegada de milhões de escravizados no Rio de Janeiro e foi tombado tanto pelo nosso patrimônio histórico, quanto reconhecido pela Unesco, além de fazer parte da rota dos escravizados. Esse projeto de 30 anos é uma agenda fundamental do governo brasileiro - e foi perdida nesses últimos anos - para que a gente efetive a instalação desse patrimônio, com funcionamento museológico, com oficinas de educação patrimonial, porque isso é parte fundamental da valorização da memória, da construção da nossa identidade. Se não atuarmos nesse sentido, a gente também não consegue superar dilemas do presente como o racismo, por exemplo.

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