Acessar o conteúdo principal
RFI Convida

“É muito importante celebrar a democracia”, diz Karim Aïnouz que gritou “viva Lula” em Cannes

Publicado em:

“Firebrand” de Karim Aïnouz está na disputa pela Palma de Ouro no Festival de Cannes. O drama histórico é o primeiro trabalho do cineasta brasileiro rodado em inglês. “É um filme sobre poder e independência”, diz o diretor que após a exibição do longa gritou “viva o Lula” e foi aplaudido pela plateia em Cannes. “É muito importante celebrar a liberdade, a democracia e um presidente como o Lula”, afirmou Karim Aïnouz em entrevista à RFI.

O cineasta brasileiro Karim Aïnouz disputa a Palma de Ouro no Festival de Cannes com "Firebrand".
O cineasta brasileiro Karim Aïnouz disputa a Palma de Ouro no Festival de Cannes com "Firebrand". © RFI/Adriana Brandão
Publicidade

“Firebrand”, que ainda não tem título em português, conta o curtíssimo casamento entre o rei Henrique VIII e sua sexta e última mulher, Catherine Parr. A produção britânica é estrelada por Jude Law e Alicia Vikander. Essa é a primeira vez que Karim Aïnouz, que venceu a mostra “Un Certain Regard” (Um Certo Olhar) em 2019 com "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, está na competição principal de Cannes.

O novo longa do cineasta da viagem, de temas contemporâneos e brasileiros, é ambientado na Inglaterra século 16, no cenário sombrio de um castelo, mas vários temas caros a Karim Aïnouz estão presentes: crítica ao patriarcado e protagonismo feminino.

Adaptação literária

Como “A Vida Invisível”, “Firebrand" é uma adaptação literária. A produção é baseada no best-seller inglês “Queen’s Gambit”, de Elizabeth Fremantle, em torno da figura da rainha Catherine Parr, mulher forte, culta e inteligente, adepta da Reforma Protestante, que quase foi queimada em praça pública por heresia. Jude Law está quase irreconhecível no papel do tirano Henrique VIII. “Ele tem o direito da fala e ela o da escuta. E a partir da escuta que sobrevive”, analisa Aïnouz.

Depois da exibição, o cineasta gritou “viva o Brasil, viva o cinema brasileiro, viva o Lula” e foi aplaudido pela plateia do Teatro Lumière. Ele explicou que é muito importante expressar publicamente esse apoio. “Devemos estar alertas porque o fascismo está rondando a gente o tempo todo. E é muito importante celebrar a liberdade, a democracia e um presidente como o Lula”, afirmou.

Leia a entrevista completa:

RFI: Como você está vivendo toda essa aventura, o tapete vermelho, a estreia mundial em Cannes e na competição pela Palma de Ouro?

Karim Aïnouz: É a primeira vez [desde o início do festival] que estou dando entrevista em português. Eu estou super feliz. Estive aqui há 20 anos, com meu primeiro filme, o "Madame Satã", e é tão feliz poder entrar na competição, estar aqui com os meus atores. Cannes realmente é um festival que foi muito definidor na minha vida, na minha carreira. O apoio que Cannes deu aos meus filmes, o respeito que eles têm pelo meu trabalho me faz me sentir, não só prestigiado, mas com vontade de continuar fazendo cinema. Não estou pensando em Palma. Estou tão feliz de estar aqui com filmes tão incríveis, né? Quer dizer, isso é uma competição que tem cineastas que são os grandes cineastas do mundo. A única coisa que está diferente este ano que eu estou com o filme competição é que não estou vendo outros filmes.

No domingo, depois da exibição, você gritou, “viva o Lula”. É importante esse apoio público?

K.A.: Eu acho que é muito importante. É muito importante a gente estar alerta porque o fascismo está rondando a gente o tempo inteiro. Ele é perigoso e eu acho que é muito importante a gente celebrar a liberdade, a democracia, e um presidente como Lula. Aqui é uma vitrine do mundo, um dos lugares onde tem mais concentração de imprensa. Então, eu acho que é muito importante marcar esse território para as pessoas saberem que o governo, que foi eleito, mas liderado por um fascista, acabou.

O “Firebrand” nasceu aqui em Cannes e é uma produção principalmente britânica. Como foi esse processo? 

K.A.: Foi muito enriquecedor. Acho que eu estava numa idade que queria fazer alguma coisa nova, queria que meu trabalho tivesse um outro alcance, sabe? Um alcance comercial mesmo, maior de público. O maior mercado de cinema do mundo é de língua inglesa. Não que eu queira continuar fazendo filmes em inglês necessariamente, mas era uma aventura que eu queria muito ter, a essa altura da minha vida. Eu acho que teve também muito a ver com o fato de que eu não podia trabalhar no Brasil nesses últimos 4 anos. Quer dizer, a não ser que eu fosse fazer séries de TV, que é uma coisa que eu não acho muita graça, eu não poderia ter trabalhado no Brasil. Todos os meus projetos foram cancelados. Então, juntou uma coisa com a outra. Uma idade que eu queria experimentar coisas novas. Eu queria muito entender como é esse mundo. É muito interessante estar aqui, principalmente no Festival de Cannes, com um filme de língua inglesa. No resto do mundo, o filme de língua inglesa é um filme majoritário e aqui não é. Aqui tem muito mais filmes de várias outras línguas. Isso é muito singular desse festival.

E como foi rodar em inglês? 

K.A.: Filmar em inglês foi muito bom. Foi um pouco mais difícil do que eu esperava, porque o sotaque inglês da Inglaterra é muito específico. Ele tem muita sutileza e, dependendo do sotaque, se é do norte, do sul, ou do meio do país, ele é muito definidor de classe também. Isso para mim foi muito novo. Mas eu acho que, na verdade, a emoção não tem língua. Claro que você expressa tuas sensações com a linguagem, mas não só assim. Então, nesse sentido foi igual filmar em qualquer língua.

Você é conhecido como cineasta da viagem, de temas contemporâneos e brasileiros. “Firebrand”, ao contrário de seus outros trabalhos, é um filme de época, concentrado em um castelo. Você aborda temas que lhe são caros nesse longa? 

K.A.: Uma coisa que também me deixou muito animado de fazer esse filme foi que eu conseguia falar de temas contemporâneos. Eu fiquei encantado. Eu tive o tempo inteiro a sensação que estava fazendo uma espécie de fábula, cheia de possibilidades cinematográficas, desde a luz, do figurino. Fiquei muito feliz de poder estar brincando sobre temas que, para mim, são muito importantes e relevantes: o patriarcado, protagonismo feminino, o fim de uma ditadura, porque aquilo ali, a monarquia, na verdade, não vamos dourar a pílula, é uma ditadura. É um filme sobre poder e sobre Independência, que são temas que me interessam na vida, no cinema. Fazer isso num cenário no século 16 na Inglaterra, com as roupas super coloridas, em um castelo, eu sentia que também estava fazendo um filme de terror, de terror barroco, cheio de roupas, vestidos, cores e joias. Isso me pareceu um desafio delicioso. 

As roupas são coloridas, mas o cenário é muito sombrio...

K.A.: Na verdade, (o cenário) é entre um castelo e um palácio, que vai gerando um lugar que é menos uma fortaleza para um lugar de exuberância, de celebração. Eu achei bonito esse contraste das cores. Elas de fato definem o acesso ao poder. As tapeçarias que o rei comprava tinham o mesmo valor de um navio, por exemplo. No final das contas, eu fiquei muito pautado por esse castelo porque ele era sombrio psicologicamente também para o personagem, uma espécie de prisão.

Jude Law é quase é irreconhecível nesse filme, quase como um monstro, contrastando com o protagonismo da rainha Catherine Parr. Você quis, realmente, sublinhar essa diferença?

K.A.: Eu queria muito. Ele era um personagem superlativo, narcísico, explosivo, que matou duas mulheres, enforcou, envenenou uma e outra morreu no parto. Ele era um cara muito, muito cruel. Era muito importante pensar, nesse filme com dois personagens principais, quem poderia ser essa mulher que poderia contracenar com ele, que não fosse exatamente igual a ele, que fosse complementar. Uma mulher que brigasse com ele o tempo todo, tivesse aquela mesma textura, acho que a gente não tinha história. Então, devemos entender que ele tem o direito da fala, e ela tem o dom da escuta. Foi muito o que ficou pautado para mim. É uma escuta muito atenta, é uma escuta que permite que ela sobreviva. É a partir da escuta que ela sobrevive

Você já está desenvolvendo vários projetos, vai voltar a filmar no Brasil e no Ceará, que é a sua terra natal? 

K.A.: Vou. Cinema tem uma coisa curiosa porque você nunca sabe se vai dar certo. Eu vivo de cinema, vivo do que eu faço. Por isso, é muito importante que eu sempre tenha vários projetos em processo de desenvolvimento, onde roteiros estão sendo escritos, onde estão sendo escritas sinopses porque, geralmente, entre 10, um dá certo. Tem muita coisa que eu estou fazendo e estou filmando, sim, no Brasil agora em julho, um filme sobre o qual não posso falar muito ainda, mas estou muito feliz de poder fazer na minha terra. 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.