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1° Dia dos Povos Indígenas é passo importante na luta por nossa autonomia, diz escritora macuxi

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Neste dia dedicado a celebrar no Brasil a cultura e a herança indígenas, a RFI conversou com a artista Trudruá Dorrico, do povo Macuxi. Ela é escritora, pesquisadora e curadora de literatura indígena e está em Paris para uma residência artística na Cité Internationale des Arts, promovida pelo festival Brasil Cena Aberta. Neste primeiro ano em que o 19 de abril passa a ser celebrado como “Dia dos Povos Indígenas”, Trudruá Dorrico diz que a mudança de nome é importante para convidar as pessoas a “comungar uma linguagem mais respeitosa”.

A escritora indígena Trudruá Dorrico está em Paris para uma residência artística.
A escritora indígena Trudruá Dorrico está em Paris para uma residência artística. © RFI/Adriana Brandão
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O antigo Dia do Índio, celebrado no Brasil em 19 de abril desde os anos 1940, passou a ser chamado oficialmente de Dia dos Povos Indígenas em julho do ano passado. A iniciativa do projeto de lei foi da ex-deputada federal Joênia Wapichana, atualmente presidente da Funai, com o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários, que consideram a designação “índio” como preconceituosa.

Trudruá Dorrico, diz que a mudança de linguagem é muito importante no projeto de autonomia indígena. “É um passo muito simbólico, importante na luta epistemológica”, diz. Para ela, essa primeira comemoração com o novo nome “é um marco na história das lutas e conquistas indígenas em 500 anos”. O 19 de abril é muito celebrado nas escolas e a mudança de nome vai ajudar os educadores a mostrarem os indígenas de “uma forma mais humanizada”, menos estereotipada.

A escritora lembra que “além da apropriação do território, da cultura” a forma com que a sociedade brasileira identifica os indígenas sempre foi imposta. “Reaver nomes que fazem mais sentido para nós para deslocar essa cadeia de associação racista que a história política Brasileira incidiu sobre nós, é muito importante, mas não é suficiente”, afirma, ressaltando a importância de políticas de participação estrutural que estão apenas começando.

No Brasil, também é celebrado desde 2013 o Dia Nacional da Consciência Indígena, em 20 de janeiro, para lembrar a resistência dos povos originários diante da colonização europeia.

Memórias ancestrais

No primeiro livro publicado por Trudruá Dorrico, “Eu sou Macuxi e outras histórias” (Editora Caos e Letras), em 2019, a jovem resgata suas memórias ancestrais. "No silêncio dos olhos de meus parentes amarelos; Ouço os sons dos maracás; Vejo a cor do urucum e do jenipapo em suas peles; Sinto o orgulho do pertencimento que sempre exala em seus cabelos!; Em suas sombras toca o tambor: Eu sou! Eu sou! Eu sou! Indígena eu sou!", canta um trecho do poema “Não há fronteiras para o pertencimento”, que integra o livro.

A escritora não cresceu na aldeia. Sua família é migrante e saiu das terras ancestrais macuxi, na região da fronteira com a Guiana, para se estabelecer em Rondônia, onde ela nasceu e foi batizada com o nome Julie.

“Como eu cresci longe da comunidade, e como não tem discussão racial que englobe os povos indígenas no Brasil, eu cresci como se fosse uma brasileira”, conta. Quando começou a entender que tinha uma identidade própria, que era indígena, entendeu que “não podia mais comungar paradigmas, fronteiras, linguagens e uma língua que não era do meu povo”.

Ela adotou o nome macuxi Trudruá dado pelo avô e que significa formiga. “Isso me fez perceber que todos os nomes indígenas nos ligam à Terra”, salienta. Ela escrever para ocupar esse lugar de autoria e contar as histórias que durante séculos foram escritas por não indígenas.

Atravessando o Atlântico

Trudruá (Julie) Dorrico também é pesquisadora em Teoria da Literatura, e autora de uma tese sobre a literatura indígena brasileira contemporânea pela PUC do Rio Grande do Sul. Essa é a primeira vez que cruza o Atlântico e vem para Paris. Nessa residência artística se aventura em uma linguagem diferente. Juntamente com Ellen Wassu e com o cineasta João Dumans realiza um projeto sobre os “resquícios coloniais” que encontra por toda a cidade.

“A gente vai num museu e encontra, por exemplo, objetos que pertencem a culturas indígenas de outros países, de outros povos originários, sem uma contextualização contemporânea e política. A gente vai ao Panthéon, a gente tem uma memória do iluminismo”, relata. Esse mesmo iluminismo propagou o mito do “bom selvagem“ que até hoje incide sobre os povos originários.

“Ainda somos vistos e julgados como bons selvagens ingênuos. E quando a gente começa a reivindicar direito político, se fala: vocês não são mais indígenas de verdade, porque esse indígena de verdade está associado a essa ideia do bom selvagem do iluminismo”. Quebrar essa imagem e lembrar ao mundo “que a gente não foi exterminado, que a gente sobreviveu ao genocídio e que a gente ainda enfrenta uma guerra”, são integram o trabalho artístico e militância da Trudruá Dorrico.

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