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Prioridade de Lula será política interna e não sobrará espaço para iniciativas diplomáticas, diz especialista

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Após Argentina, Chile e Colômbia, a eleição de Lula colocou o Brasil entre os países latino-americanos com um governo de esquerda. Mas o diretor do Observatório da América Latina da Fundação Jean Jaurès, Jean-Jacques Kourliandsky, não acredita que esta mudança represente algo duradouro. Para ele, ainda que o Brasil seja o único capaz de exercer liderança na região, a prioridade do novo presidente será a política interna e não sobrará espaço para iniciativas diplomáticas.

Lula e o presidente argentino Alberto Fernández durante uma reunião na Casa Rosada, em 10 de dezembro de 2021.
Lula e o presidente argentino Alberto Fernández durante uma reunião na Casa Rosada, em 10 de dezembro de 2021. © Presidência Argentina
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Em um artigo recente sobre alternâncias de esquerda e a presença internacional na América Latina, o cientista político francês Jean-Jacques Kourliandsy fala da virada à esquerda da região. Mas ainda que a volta ao poder de Lula confirme essa virada, ele não concorda totalmente com as análises que falam de uma “onda progressista”.

“Na realidade há conjunturas políticas econômicas e sociais que favorecem mudanças de governo”, diz. “Há um divórcio cada vez mais profundo entre partidos, realidades sociais e o descontentamento dos eleitores, que pode se traduzir como na Colômbia, no Chile ou no Brasil, em um presidente eleito de esquerda, como no caso das últimas eleições, e parlamentos que são de direita ou que são 'centrão', que não são nada, que são gente que se aluga”, analisa.

A vitória de presidentes de esquerda na América Latina, no início dos anos 2000, foi seguida pela alternância com a direita. Isso demonstra, para Kourliandsky, que há um fenômeno profundo de não representatividade do sistema político e, mais preocupante ainda, que o sistema de partidos políticos não consegue representar as pessoas. “Os eleitores se divorciam cada vez mais desse sistema”, completa.

Ideologização da integração

Uma das principais prioridades políticas já anunciadas pelo novo governo de Lula é a expansão do Mercosul e a reaproximação dos países da América Latina. Mas apesar das expectativas sobre uma nova dinâmica de integração da região, elas poderiam ser barradas pela “ideologização da integração”.

“Quando temos uma maioria de governos de direita, fazemos integração de direita, tipo Grupo de Lima ou Aliança do Pacífico, em economia. Quando temos governos de esquerda: Unasul e Celac”, diz.

“Quando vem uma maioria, descarta-se o que foi feito antes. O problema é que no final, estamos perdendo todos. Necessitamos construir denominadores comuns e alianças com elementos que nos permitam nos defender das economias ocidentais, Estados Unidos, Europa, Japão, ou da China, e não nos dividir. Porque quando nos dividimos entra a influência de atores exteriores”, alerta.

Expansão em contexto difícil

O novo governo já anunciou sua intenção de aumentar a coesão na região com a expansão do Mercosul e a reaproximação de países como a Venezuela, cujas relações diplomáticas foram interrompidas durante o governo de Jair Bolsonaro. Mas o contexto interno brasileiro poderia atrapalhar este projeto de Lula.

"A América do Sul precisa de um país líder. Esse país é o Brasil, não há outro. Todo mundo reconhece. Foi o país líder nas duas primeiras presidências do presidente Lula”, afirma. “Agora estamos em outro contexto, onde a prioridade para o presidente do Brasil é consolidar seu poder. O contexto econômico também é diferente. Além disso, o presidente Lula agora não está tão seguro de seu perímetro de poder. O Congresso não é lulista”, analisa.

“Por ora, ele não tem espaço para tomar iniciativas diplomáticas. As iniciativas que poderia tomar seriam para reconquistar uma parte, porque não conseguirá recuperar totalmente, da influência que o Brasil teve na América do Sul, na América Latina e no mundo”, diz.

Kourliandsky acredita que questões de sustentabilidade e proteção de florestas poderiam reaproximar o Brasil de antigos parceiros. “É possível que a temática verde, do fim do desmatamento da Amazônia, permita retomar relações, em particular com os países europeus", prevê o especialista.  

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