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Longa "Marte Um" marca estreia aplaudida do Brasil no Festival de Cinema de Toulouse

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Ao fundo e ao longe, bolsonaristas comemoram com foguetes e fogos de artifício o resultado das eleições de 2018. De perto e em primeiro plano, num close absoluto, um garoto negro da periferia de Belo Horizonte observa o céu estrelado, sonhando com o espaço sideral. O contraste estético-político dá o tom do turbilhão de afetos, medos e vozes narrativas de “Marte Um”, longa do diretor Gabriel Martins que marcou neste domingo (27) a estreia do Brasil no Cinélatino, o Festival de Cinema de Toulouse.

Cena de "Marte Um", que conquistou a plateia francesa em sua estreia mundial no Cinélatino, o Festival de Cinema de Toulouse, em 27 de março de 2022.
Cena de "Marte Um", que conquistou a plateia francesa em sua estreia mundial no Cinélatino, o Festival de Cinema de Toulouse, em 27 de março de 2022. © DR
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Márcia Bechara, enviada especial a Toulouse

“É uma vontade de entender o estado de espírito muito tenso, para muita gente, que foi aquela eleição, e uma tentativa de olhar para o futuro”, diz o diretor Gabriel Martins, da já premiada produtora Filmes de Plástico, sediada em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. “Diante de uma situação tão baixa e desfavorável, como olhar para além das estrelas, para além do país, do planeta Terra? Parecia um gesto interessante abrir o filme evocando esse garoto e o que pode ser um outro futuro para personagens como o Deivinho”, afirma Martins, numa referência ao sonhador e carismático caçula da família negra que protagoniza a película.

O diretor, que apresentou o filme como "uma carta de amor aos brasileiros" neste domingo (27) para a plateia francesa do Festival de Cinema de Toulouse, disse que tenta "expressar cinematograficamente as características das pessoas que estiveram ao meu redor, durante toda a minha vida”. “Eu me considero uma pessoa muito apaixonada pelo Brasil. Mesmo diante de circunstâncias ruins, nunca tive vontade de sair ou de ignorar, eu sempre encaro o país de frente, e esse filme é de certa forma o desdobramento disso”, diz Martins.

O diretor mineiro Gabriel Martins apresentou pela primeira vez em uma sala de cinema seu filme "Marte Um", longa-metragem de ficção que integra a competição oficial do Cinélatino, o Festival de Cinema de Toulouse, em 27 de março de 2022.
O diretor mineiro Gabriel Martins apresentou pela primeira vez em uma sala de cinema seu filme "Marte Um", longa-metragem de ficção que integra a competição oficial do Cinélatino, o Festival de Cinema de Toulouse, em 27 de março de 2022. © RFI/Marcia Bechara

Diante do turbilhão de vozes que ecoam de personagens densos e bem construídos, que evoluem ao longo da narrativa de “Marte Um”, Gabriel Martins afirma que acredita na “coletividade como uma forma de se expressar e resistir." "E isso está presente na família: [a polifonia narrativa] é um entendimento também de como a gente coletivamente, no Brasil, enquanto uma grande família, tem os seus problemas para resolver. Talvez seja como diz o AA [Alcóolicos Anônimos, frequentado pela personagem paterna], teremos que ir 24h de cada vez”, aponta o diretor.

Na película brasileira da Filmes de Plástico, as mulheres ganham protagonismo especial. A jovem Eunice, a filha mais velha, encampa e ecoa a luta feminista e pela liberdade de expressão e opção sexual, como muitas jovens personagens femininas presentes nesta edição 2022 do Cinélatino, em filmes como “La Francisca”, do chileno Rodrigo Litorriaga, ou “Camila saldrá esta noche”, da argentina Inés Maria Barrionuevo. Já a mãe de família de “Marte Um” incorpora todas as dores – físicas e espirituais – de sua geração, traço que o diretor traduz como uma espécie de “maldição” que a acompanha.

“Esse mal-estar [da mãe] para mim é um mistério. Não que eu não saiba do que se trata, mas eu encaro esse traço da personagem como a própria ideia de mistério. Por que estamos vivos, por que as coisas acontecem? Essa fragilidade diante do mundo [demonstrada pela personagem] é também uma forma de pensar o filme nesse lugar mais existencial”, argumenta Martins.

Porteiros e empregadas

O diretor mineiro não desvia do universo que ele se propõe a retratar, muitas vezes inspirado de sua própria vida. Os pais e mãe de “Marte Um” são porteiros e empregadas domésticas acostumados a seu lugar social em pleno contraste com a geração de seus filhos, prontos a atravessar a velocidade da luz “para ir colonizar Marte” ou fazer a próxima revolução, quem sabe. Para o diretor Gabriel Martins, o “telescópio” que o garoto constrói com objetos encontrados é um gesto de transcendência absoluta.

“Para fazer o telescópio no filme, o Deivinho pega parte das coisas no lixo, tem que usar a criatividade, os amigos dele ajudam, ele resgata coisas antigas do avô; de alguma forma, esse telescópio é uma forma de juntar o passado com coisas de descarte para conseguir enxergar além”, resume Martins. “Essa é também a minha história, eu sou uma criança de periferia que sonhava em fazer cinema”, finaliza o diretor, sob os aplausos calorosos da plateia francesa em Toulouse. O filme também concorre na seleção oficial de Sundance 2022.

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