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Historiadora desvenda controle de adolescentes por regimes autoritários no Brasil e na França

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Como os governos autoritários instrumentalizam a infância e a juventude para reforçar o seu próprio poder e influência? O tema despertou a curiosidade da historiadora e pesquisadora Franciele Becher, que faz em Paris um doutorado sobre o lugar das crianças e jovens no regime de Vichy, a ocupação nazista da França (1940-1944).

Historiadora e pesquisadora Franciele Becher faz em Paris um doutorado sobre o lugar das crianças e jovens no regime de Vichy, a ocupação nazista da França (1940-1944).
Historiadora e pesquisadora Franciele Becher faz em Paris um doutorado sobre o lugar das crianças e jovens no regime de Vichy, a ocupação nazista da França (1940-1944). © Arquivo pessoal
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A primeira parte da pesquisa começou no Brasil, com a dissertação de mestrado sobre as políticas públicas direcionadas a este público durante a ditadura militar brasileira. Agora, a doutoranda da Universidade Paris 8 comprova o quanto a população menor de idade também foi integrada ao esforço de guerra na Europa.

"Tanto no Brasil quanto na França, mas em outros países também, os regimes autoritários têm um foco muito grande na infância. Ela é um objeto de mobilização política – seja pegando a imagem da infância vítima e utilizar isso como esforço de guerra a seu favor, como para tentar controlar essa faixa etária”, explica Franciele.

"No Brasil, eles vão tentar enquadrar a infância e a juventude no ‘bom caminho', moralizá-las para que não fossem atraídas pelo comunismo e o que se colocava como subversivo, para eles. As noções de guerra total, de inimigo interno, combate ao comunismo e todas essas quimeras reforçadas na época também foram aplicadas para as camadas mais vulneráveis da população, incluindo as populações mais pobres de crianças e jovens”, ressalta.

Assim, foi aberta logo depois do golpe, em dezembro de 1964, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e suas unidades estaduais. Os centros abrigavam menores infratores, foco das pesquisas de Franciele.

“A doutrina superior de guerra se expande nas políticas sociais e educativas, para disciplinar a infância, criando um amálgama muito grande entre crianças vulneráveis ou que cometeram crimes, e a ideia de família desestruturada, que não seguia um modelo. Qualquer coisa que saísse desse padrão era vista como um desvio”, aponta.

Desenhos e redações contam a guerra sob o olhar dos menores

Na França, a historiadora se concentra nos registros históricos de dois centros provisórios de detenção para crianças e adolescentes nos arredores de Paris. Nestes locais, eles aguardavam a sentença para crimes cometidos – foi no auge do período de Vichy, a partir de 1942, que a justiça de menores foi fundada no país.

Franciele já teve a oportunidade de analisar 675 redações e 150 desenhos feitos pelos menores, em testes psicológicos que influenciariam na sentença. “Eles não eram necessariamente questionados sobre a guerra, mas falavam muito sobre ela. Narrando a própria vida, eles acabam narrando a guerra”, relata a pesquisadora. "São fontes fantásticas que me permitem fazer uma história da Segunda Guerra Mundial a partir do olhar de crianças e jovens, algo extremamente raro de se conseguir fazer.”

Adultos e crianças com um mesmo fim: câmaras de gás

Um dos eventos mais marcantes para os franceses neste período sombrio da história atingiu, justamente, menores de idade. O chamado Rafle du Vélodrome d’Hiver, em 1942, foi a maior operação de deportação em massa de judeus do país para os campos de concentração na Alemanha. Mais de um terço das 13 mil vítimas eram crianças e adolescentes.

“O Rafle du Vélodrome d’Hiver é uma das primeiras grandes operações para prender crianças, em grande parte pela própria vontade colaboracionista francesa de ajudar esse genocídio. A partir de 1942, as crianças entram nessa matemática”, explica Franciele.  “No total, serão pelo menos 11 mil vítimas, e o destino era exatamente o mesmo que os adultos: as câmaras de gás."

O objetivo de Franciele é que, no final do estudo, os documentos possam se transformar num material escolar de sensibilização das crianças e jovens no Brasil, sobre os horrores do autoritarismo. “É um panorama de como a infância e juventude lidou com situações de extrema violência, de medo, mas também de esperança do fim da guerra."

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