"Pastores indígenas discutem terceira onda missionária na Amazônia", diz antropóloga francesa
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A conversão de povos indígenas na América do Sul, a expansão das igrejas evangélicas no Brasil e a recuperação do xamanismo são os temas tratados pela antropóloga francesa Elise Capredon no livro "Cristianismo e xamanismo na Amazônia. Recomposições religiosas dos Baniwa no Brasil" (em tradução livre). Lançado pela editora Karthala em setembro de 2020, a obra é resultado de pesquisas da autora junto à etnia Baniwa, presente na região do Alto Rio Negro, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, e revela as relações pouco conhecidas dos indígenas da Amazônia com o cristianismo.
“O caso dos Baniwa é interessante porque eles têm a particularidade de aderir, na sua maioria, ao cristianismo evangélico”, afirma a autora em entrevista à RFI.
Outro ponto interessante, segundo Capredon, é que as conversões não foram estimuladas por diferentes missões evangelizadoras, mas por apenas uma missionária americana, Sofia Muller, que trabalhava sozinha e chegou a converter milhares de pessoas nessa região do Alto Rio Negro: os Baniwa e alguns povos vizinhos.
A religiosa chegou à Amazônia no final dos anos 1940, quando a região vivia o ciclo da borracha, com uma presença forte de comerciantes que exploravam o trabalho dos indígenas. “Além de alfabetizar as pessoas, ela também as incentivava a sair da opressão”, conta a antropóloga.
Os indígenas se apropriaram da mensagem cristã, formaram pastores e criaram seus próprios rituais e cerimônias, que segundo a pesquisadora podem ter nomes parecidos com os da religião original, mas são próprios ao culto Baniwa. “Por exemplo, na Santa Ceia, eles não usam o vinho e o pão, como tradicionalmente nas igrejas cristãs, mas beiju de mandioca e suco de açaí”, diz.
Choques culturais
Capredon explica que a adaptação não aconteceu sem choques culturais, devido à posição da missionária que era contra costumes religiosos tradicionais. “Ela proibia o consumo de bebidas alcoólicas, que faziam parte dos rituais, o tabaco e os alucinógenos, e combateu tudo que estava relacionado ao xamanismo. Até mesmo os evangélicos de hoje a consideram radical e que poderiam revalorizar certos aspectos do xamanismo, principalmente a parte terapêutica, o conhecimento das plantas”, afirma.
Além disso, algumas famílias que tinham xamãs poderosos em seus núcleos, rejeitaram a nova religião, e ficaram marginalizadas de um ponto de vista político, o que levou a uma reconfiguração social. “Como os evangélicos passaram a ter mais poder social, estas famílias buscaram outros parceiros”, explica.
De acordo com a antropóloga, duas práticas xamânicas existem atualmente entre os Baniwa. A primeira, uma forma terapêutica familiar chamada de “benzimento”, teria sobrevivido por ser discreta e por não interferir nas atividades evangélicas. A outra, é uma revitalização do xamanismo, muito mais orientada para um público exterior, interessado pelas práticas xamânicas. Para fomentar essas práticas, algumas famílias investem na criação de uma escola de xamanismo e na revitalização de um rito de iniciação masculina.
Estas práticas “são feitas como representações para um público exterior, que permite que a comunidade capte recursos e reconquiste poder político diante dos evangélicos”, explica.
Evangelização e poder
Os Baniwa têm missionários e pastores que trabalham na própria etnia, mas, segundo ela, existe também um objetivo de evangelização de outras regiões e de “brancos”. “Esse discurso existe entre pastores indígenas do Brasil e é chamado de terceira onda missionária”, explica. A primeira onda de conversões foi feita por missionários estrangeiros, a segundo, por brasileiros e, agora, “os indígenas querem ser evangelizadores”.
Ainda que a ideia de evangelização esteja muito presente na religião evangélica, segundo a pesquisadora, também poderia ser “uma maneira, para alguns povos, de afirmar um certo poder sobre outros povos vizinhos”.
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