Acessar o conteúdo principal
Reportagem

Representante da comunidade ucraniana do Brasil sugere que governo Lula envie armas à Ucrânia

Publicado em:

O Brasil, que tem a maior comunidade ucraniana da América Latina, acolheu cerca de 300 refugiados desde o início da guerra na Ucrânia há um ano. Os ucranianos do Brasil consideram positiva a posição proativa do presidente Lula pela paz, mas dão a entender que queriam um engajamento maior do Brasil no conflito. “É lícito você enviar armamento para uso de defesa desse povo”, sugere Vitorio Sorotiuk, presidente da Representação Ucraniano-Brasileira.

Refugiados ucranianos ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos, em março de 2022.
Refugiados ucranianos ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos, em março de 2022. © Vitalii Arsholik
Publicidade

A guerra na Ucrânia provocou o maior deslocamento de população na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Depois da invasão russa, quase oito milhões de ucranianos fugiram do país. A grande maioria deles se refugiou em países europeus.

Logo após o início da guerra, o governo brasileiro decretou uma portaria concedendo visto humanitário temporário aos refugiados ucranianos, facilitando a entrada deles no país. A portaria vence no mês de março. O presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitorio Sorotiuk, já conversou com o responsável do Ministério de Justiça sobre a necessidade de se prorrogar o texto. “Devemos estar preparados sempre porque a guerra ainda continua”, ressalta Sorotiuk.

Os cerca de 300 refugiados ucranianos chegaram ao Brasil principalmente entre março e abril de 2022. Como em outros países, o grupo é composto sobretudo por mulheres e crianças, uma vez que os homens não podem deixar o território ucraniano. Os custos de viagem e instalação foram bancados por um coletivo de igrejas evangélicas, sem a participação do governo. A Primeira Igreja Batista de Curitiba foi uma das mais ativas.

“Cada igreja que acolheu um grupo de pessoas vai cuidar, pagar aluguel, água, luz, internet, comida, roupa, tudo o que for preciso durante um ano”, explica o missionário Vitalii Arsholik, ucraniano radicado no Brasil, que recepcionou vários compatriotas.

“Pequena Ucrânia”

Os refugiados foram acolhidos em São Paulo e principalmente no Paraná, reduto da histórica comunidade ucraniana do Brasil, o que facilitou em parte a adaptação. Vitalii Arsholik acompanha um grupo de 27 pessoas que foram instaladas em Prudentópolis, maior colônia ucraniana no Brasil, chamada de “Pequena Ucrânia”.

“A cidade é pequenininha. Você pode encontrar pessoas com mais de 40, 50 anos que ainda falam um pouco ucraniano. Isso ajudou. Só que aqui tudo é diferente, a cultura, o clima... É muito difícil por causa da língua e, também, por causa da saudade de seus familiares”, relata o missionário. Ele informa que dois maridos de refugiadas que estão em Prudentópolis foram feridos no campo de batalha. “Quando você está muito distante do seu país, a 13.000 quilômetros, você não sabe se vai encontrar de novo seu marido”, lamenta.

O prazo do programa de acolhida no Brasil do coletivo de igrejas evangélicas está terminando. Os refugiados foram informados que deveriam “decidir se querem ficar ou voltar”. Do grupo inicial, 50 já retornaram à Europa. Os outros sonham, em sua maioria, em poder voltar para casa assim que o conflito acabar.

Os refugiados ucranianos passaram por exames médicos após chegar ao Brasil.
Os refugiados ucranianos passaram por exames médicos após chegar ao Brasil. © Vitalii Arsholik

Até agora, uma única refugiada que estava em Prudentópolis retornou porque precisava seguir um tratamento cardíaco, mas a maioria quer voltar e “apenas duas, que não têm mais família na Ucrânia” pretendem ficar no Brasil. O missionário está radicado no Brasil há cinco anos e diz que a invasão da Ucrânia pela Rússia provocou “uma grande tristeza”. Ele lembra que o conflito atual é diferente do iniciado em 2014, no leste ucraniano. Segundo ele, agora “eles começaram a matar pessoas inocentes que não têm nada a ver com a guerra, crianças, mulheres e homens que não são soldados. Não tem limites o que eles fizeram”.

Atrocidades

Além da pouca bagagem, os refugiados carregaram também lembranças e histórias das atrocidades cometidas pelo exército russo, como “a castração de 200 soldados ucranianos feitos prisioneiros” ou “a de uma criança de cinco anos amarrada ao corpo da mãe morta junto com uma granada que explodiu quando os vizinhos foram tentar salvá-la”. “E ainda tem países que pensam que a Rússia está fazendo coisas boas, que o Putin é bom. As pessoas são enganadas e não entendem que os russos invadiram e querem matar todos os ucranianos.”

No entanto, o missionário não pensou em voltar à Ucrânia, onde está seu irmão e outros integrantes de sua família, para se alistar e defender o país. “Eu tenho outra responsabilidade (de) ajudar os (refugiados) ucranianos. Cada um tem o seu lugar, mas quando estamos trabalhando juntos e indo na direção da vitória”, sentencia.

O missionário Vitalii Arsholik acompanhando um grupo de refugiados ucranianos que se instalou no Paraná, após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O missionário Vitalii Arsholik acompanhando um grupo de refugiados ucranianos que se instalou no Paraná, após a invasão da Ucrânia pela Rússia. © Vitalii Arsholik

O presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitorio Sorotiuk, indica que o crime de “invasão” pela Rússia já está bem caracterizado, e que os crimes de “guerra, contra a humanidade e até genocídio” estão sendo evidenciados.

Paralelo entre a invasão da Ucrânia e o ataque à Praça dos Três Poderes

A entidade, que representa os 600 mil ucranianos do Brasil, enviou uma carta cumprimentando o presidente Lula por sua posse. O texto faz um paralelo entre a invasão da Ucrânia pela Rússia e os ataques na Praça dos Três Poderes de Brasília.

“O paralelo é o do desrespeito às leis. A Rússia desrespeita as normas internacionais, estabelecidas no artigo segundo da Carta das Nações Unidas, com a invasão à Ucrânia, assim como é um desrespeito à população invadir a sede dos Três Poderes no Brasil”, compara Sorotiuk.

O texto também pede que o governo Lula aumente a ajuda humanitária ao país, que “o governo passado só deu uma vez”, e forneça todo o apoio político e diplomático à Ucrânia.

A entidade quer conversar com o novo governo para “dar o ponto de vista da comunidade em relação ao comportamento do Brasil nessa relação internacional”. Sorotiuk considera positiva “a posição mais proativa do presidente Lula com relação à busca da paz. Mas, lembrando que o Brasil “tem algumas divergências no sentido de não enviar armas à Ucrânia”, como fizeram Estados Unidos e França por exemplo, ele questiona: “Se as Nações Unidas determinam que essa agressão é condenável como já foi, é lícito você enviar armamento para uso de defesa desse povo. O Brasil não pode se declarar neutro.”

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.